"Os neoliberais odeiam a soberania popular e desdenham a legitimidade democrática. No Brasil eles organizaram um golpe de Estado em 2016 para poder excluir os pobres das atividades governamentais. Aristóteles sustenta que o oposto deve ser feito “... pois quando um grande número de homens é excluído dos cargos a cidade fica cheia de inimigos do governo.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 116/117). Segundo o filósofo grego, o grande princípio de preservação da cidade é “... fazer que a parte dos cidadãos leais à constituição seja mais forte que a desleal.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 198). A única coisa que os neoliberais têm a oferecer aos pobres é a violência policial, especialmente se eles ousarem organizar protestos."
Do Jornal GGN:
Dentre os mitos e falácias que ajudaram a construir o neoliberalismo três se destacam: a superioridade do mercado sobre a política, a supremacia do ocidente civilizado sobre o oriente bárbaro e, é claro, a ligação histórica entre a democracia moderna e a democracia grega. Não é difícil demonstrar que essa ideologia é produto de uma imensa falsificação.
Entre os gregos a separação entre política e mercado era um valor absoluto. A administração da cidade deveria sempre estar acima da atividade comercial. Aristóteles deixa isso bem claro em diversas oportunidades.
“Em Tebas, havia uma lei pela qual nenhum homem que exercesse o comércio poderia exercer alguma magistratura; só o poderia fazer se estivesse afastado dessa atividade há pelo menos dez anos.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 106)
“... deve ser estabelecida uma ágora, como aquelas que são chamadas na Tessália de ‘ágora dos homens livres’; nelas nenhuma atividade comercial deve ser permitida e nenhum artífice, agricultor ou pessoa desse nível deve ser admitido, a menos que seja convocado pelos magistrados.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 260)
“A ágora para os negócios deve ser estabelecida numa área distinta e à parte da outra, em uma localização que seja conveniente para a recepção das mercadorias vindas por mar ou por terra.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 260)
De maneira geral, em seu livro “Política” Aristóteles não condena a riqueza e/ou sua obtenção por meios lícitos. A atividade política, entretanto, não deve se submeter aos princípios do comércio nem ser equiparada à atividade econômica privada, pois seu fim não é enriquecer o governante ou um grupo de cidadãos e sim possibilitar aos cidadãos uma vida em comum tranquila, feliz e virtuosa.
Em razão disso, Aristóteles adverte que a vida em sociedade não pode ser estruturada apenas para o acúmulo privado de riqueza, pois “...ambição e avareza são, mais que as outras paixões, as causas dos crimes.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 86) e “... é melhor aquilo que está livre das paixões que aquilo em que elas são inatas.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 128). Além disso, sempre que uma cidade submeteu o interesse público ao interesse particular o “...legislador produziu um resultado que é o contrário do que ele pretendia; fez a Cidade ficar pobre e seus cidadãos, vorazes por riquezas.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 87/88).
O desejo desmedido de lucro (a avareza) é considerado um defeito incurável “El ávido deseo del más vergonzoso lucro parece ser el vicio común a todos estos corazones degradados; no hay infamia que no cometan con tal que saquen de ella algún fruto, que es siempre bien miserable, porque sería un error llamar avaros a los que sacan provechos inmensos de donde no deberían sacarlos, o que se apropian de lo que no deberían apropiarse; los tiranos, por exemplo que roban las ciudades y despojan e violan los templos.” (Aristóteles, Moral a Nicomaco, Clasicos Inolvidables El Ateneo, Librería El Ateneo, Buenos Aires, 1950, p. 163/164). Não por acaso, na “Política” Aristóteles considera que “... as maiores honrarias são devidas não aos que matam ladrões, mas aos que matam tiranos.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 75). Entre os tiranos neoliberais (como Jair Bolsonaro, Doria Jr. e Wilson Witzel) assassinar bandidos e suspeitos é a única virtude que merece ser premiada. Eles certamente não são aristotélicos e devem ter um medo pavor dos discípulos do filósofo grego.
O princípio estruturante da economia privada é a acumulação privada. O que deve estruturar a vida em comum é a amizade. Por isso, Aristóteles elogia o governo que respeita o interesse comum, critica o excesso de riqueza e de pobreza e sugere que o melhor cidade é aquela que se esforça para resgatar os cidadãos da miséria.
“... os governos que têm em vista o interesse comum estão constituídos em conformidade com os princípios de justiça e, portanto, estruturados corretamente, mas aqueles que têm em vista apenas os interesses dos governantes são todos falhos e formas desviadas das constituições corretas, visto que são despóticos, enquanto a Cidade é uma comunidade de homens livres.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 107)
“...aqueles têm em excesso as dádivas da fortuna - força, riqueza, amigos e coisas assim - não se submetem a autoridade. Esse mal tem início em casa, pois na infância viviam na incontinência e jamais aprenderam, mesmo na escola, a obedecer. Por outro lado, os muito pobres acabam degradando-se; e, então, enquanto uma classe não sabe obedecer e governa despoticamente, a outra não sabe governar e se submete como escrava aos primeiros. Assim, surge uma cidade não de homens livres, mas de senhores e escravos, uns são invejosos, outros prepotentes; e nada pode ser mais fatal à amizade e à vida comunitária na cidade do que isso, pois a vida comunitária nasce da amizade: com inimigos, os homens não gostam nem sequer de ir pelo mesmo caminho.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 158)
“O verdadeiro amigo do povo deve garantir que ele não seja pobre em demasia, pois a pobreza extrema é a causa da fragilidade da democracia; assim, devem-se tomar medidas que promovam uma prosperidade duradoura; e como esse é um interesse comum a todas as classes, os resultados das rendas públicas deveriam ser acumulados e distribuídos entre os pobres, se possível, em quantias tais que possibilitem a eles a compra de pequenas glebas, ou pelo menos para permitir que comecem um empreendimento comercial ou agrícola.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 227)
Além de defender a distribuição de renda (coisa que os neoliberais consideram indesejável e mesmo antidemocrático), Aristóteles entende que algumas atividades devem ser necessariamente públicas.
“Cuidados especiais devem ser tomados com a saúde dos habitantes, que dependerão acima de tudo, da salubridade do local e do terreno ao qual estão expostos e, além disso, do uso de água potável; essa última questão não é, de modo algum, uma preocupação secundária, pois os elementos que mais utilizamos, e com maior freqüencia, para a sustentação do nosso organismo são os que mais afetam a qualidade de nossa saúde, e entre esses elementos estão a água e o ar. Por isso quando há escassez de água pura ou quando os suprimentos de água são em parte de qualidade suspeita, os governos sábios fazem uma reserva de água potável, isolada da água que é usada para outros propósitos.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 258)
O neoliberalismo preconiza a confusão entre o público e o privado; Aristóteles defende que essas duas atividades devem ser separadas e que os comerciantes não devem exercer funções públicas. Os neoliberais querem a submissão do Estado aos negócios privados; Aristóteles afirma que os interesses públicos (interesses comuns) devem prevalecer aos interesses privados. Governantes neoliberais querem exterminar bandidos e suspeitos; Aristóteles sustenta que o extermínio dos tiranos é algo muito mais virtuoso.
A avareza é tratada pelo neoliberalismo como se fosse uma virtude; Aristóteles a considera vício especialmente terrível quando estrutura a atividade pública ou é praticada pelo governante. O neoliberalismo quer privatizar tudo; Aristóteles defende que existem coisas que devem ser objeto de cuidado especial do governo (a distribuição de água potável, por exemplo). Os neoliberais odeiam a distribuição de renda; Aristóteles afirma peremptoriamente que ela é indispensável e atende um interesse comum.
Os neoliberais odeiam a soberania popular e desdenham a legitimidade democrática. No Brasil eles organizaram um golpe de Estado em 2016 para poder excluir os pobres das atividades governamentais. Aristóteles sustenta que o oposto deve ser feito “... pois quando um grande número de homens é excluído dos cargos a cidade fica cheia de inimigos do governo.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 116/117). Segundo o filósofo grego, o grande princípio de preservação da cidade é “... fazer que a parte dos cidadãos leais à constituição seja mais forte que a desleal.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 198). A única coisa que os neoliberais têm a oferecer aos pobres é a violência policial, especialmente se eles ousarem organizar protestos.
Tudo bem pesado, podemos concluir que a relação entre a democracia neoliberal e a democracia grega é uma falácia, um mito. O mesmo se pode dizer dos dois outros princípios do neoliberalismo. Afinal, não podemos considerar civilizados aqueles que tentam construir uma sociedade bárbara como se a barbárie fosse uma característica essencial do legado grego. Aristóteles, aliás, nunca sugeriu a existência de uma guerra de civilizações. Tampouco legitimou o ódio aos Orientais. As palavras dele são absolutamente claras “...não devemos ser hostis com ninguém; a natureza de um espírito elevado não é a hostilidade.” (Política, Aristóteles, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 250/251).
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