"A culpa é do governo. Dos governos, dos políticos, ou das forças da natureza. Jamais do capitalismo, dos lucros dos acionistas ou da canalha defensora tacanha do ultraliberalismo. Não há o que possa ser feito."
Cinco da manhã soam sirenes, dá-se o alarme. A segunda barragem pode romper a qualquer momento.
Todos saem às ruas, mas sem pressa. Amanhece. A praça, cheia. Nas rodas, como seria de se esperar, as conversas oscilam entre confirmação de mortos e algumas mentiras.
Desolação sem desespero, o luto ainda não começou. Resignação e contida revolta. Não há correria. Reina a paz e a consternação. Encontraram um ônibus na lama, muitos corpos de trabalhadores. Já não há espanto. A desgraça é tanta que da estupefação faz-se a desalentada normalização. É pior que Mariana? Sim, os mortos aqui somos nós, nossas famílias, nossos amigos.
Um abobado, forasteiro, vem falar em desastre ecológico e nos danos à natureza, insensível, pós-moderno, aos danos às vidas dos que sobreviveram, às mortes encarnadas em enlameados cadáveres. Outro, oportunista, propõe uma reza. O cabeludo sem-noção fala em pachamama para zumbis, olhos no passado, querendo acordar do pesadelo.
A culpa é do governo. Dos governos, dos políticos, ou das forças da natureza. Jamais do capitalismo, dos lucros dos acionistas ou da canalha defensora tacanha do ultraliberalismo. Não há o que possa ser feito.
Vai estourar a outra “bagagem de dejeitos”? Só deus sabe. Estamos nas mãos de desígnios sobrenaturais. Fazer o quê?
Sem pressa, sem altercação de vozes, sem urgências ou correrias a morte e a vida estão na praça de Brumadinho. Estão em todas as praças brasileiras e em todas as abrumadas mentes no país dos obscurantismos, das lamas infinitas, tóxicas, assassinas, como força compulsiva de ingovernáveis fatos.
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