quinta-feira, 27 de março de 2025

A História exige a condenação dos golpistas, por Dora Incontri

 A República nasceu com um golpe de Estado, promovido por militares. E a nossa fraca democracia está sempre sob a pretensa tutela dos fardados autoritários

    Foto: comunicação do STF


A História exige a condenação dos golpistas

por Dora Incontri

Hoje, vejo-me na necessidade histórica de louvar dois conceitos em que não acredito, como anarquista: a democracia (essa que temos, liberal, representativa) e a justiça (essa que temos, punitivista, que encarcera, que arranca a dignidade dos que lhe caem nas garras).

Não acredito na democracia – esta nossa – porque ela é comandada pelo capital e, portanto, está submetida aos seus interesses. Porque ela vez por outra elege um Hitler, um Trump, um Bolsonaro e não porque essa é a vontade do povo. O povo, essa entidade quase mítica, uma categoria problemática, é manipulado, manobrado. Isto já mostrava um dos gênios do cinema, o ítalo-americano Frank Capra, em seu filme de 1941 Meet John Doe (traduzido em português por Adorável Vagabundo). No enredo, aparece um poderoso dono de jornal manobrando a massa e arrastando multidões, para fins políticos.

Já fazia críticas à democracia, lá onde ela nasceu, o grande Platão, que teve seu mestre Sócrates condenado à morte pela democracia de Atenas.  Talvez influenciado pela morte de seu mestre, ele considerava que os piores chegam ao poder neste sistema. Segundo a sua concepção, os filósofos deveriam governar – justamente aqueles que não querem governar e não têm sede pelo poder é que deveriam liderar a cidade.

Marxistas e anarquistas são concordes em criticar a democracia liberal porque ela se assenta num Estado fundado para defender a propriedade privada, para manter a divisão de classes e tem seus instrumentos de controle popular – a polícia e o exército – além dos aparelhos ideológicos para formatação das mentes submissas, como a escola, a igreja, a mídia.

As instituições de justiça das democracias liberais também fazem parte do sistema de contenção das classes sociais mais desfavorecidas, para a sua submissão. O encarceramento em massa do povo negro e periférico no Brasil e nos Estados Unidos comprova essa análise.

Mas… enquanto estamos nessa democracia frágil, instável, porque não tem raízes reais no povo e na justiça de fato, ainda assim, ela é melhor do que os momentos em que se transforma em ditadura nazifascista, exatamente o que está agora ocorrendo nos EUA.

No Brasil, em particular, a República nasceu com um golpe de Estado, promovido pelos militares. E desde então, a nossa fraca democracia está sempre sob a pretensa tutela dos fardados, que se julgam os tutores do povo brasileiro. Estão sempre conspirando para arrancar o pouco de liberdade e justiça que alcançamos por meio de muitas lutas.

Por isso mesmo, o dia de hoje é necessário, é histórico e todos podemos e devemos nos colocar na pauta do “sem anistia”, porque finalmente, temos de mostrar a nós mesmos, brasileiros, e ao mundo, que não queremos a tutela dos militares, que não queremos retrocessos fascistas, que não queremos outras ditaduras. Bolsonaro e os generais que planejaram junto com ele a tomada violenta do poder, contrariando a decisão popular, devem ser exemplarmente condenados.

E isso deve ser feito ainda mais nesta circunstância histórica em que o Império do norte, esse que sempre se meteu em nossa política, está em sua fase mais ditatorial de todos os tempos, e que fará o possível para apoiar novos governos de extrema direita entre nós.

Essas são as contradições a que somos levados na arte da participação política: durante décadas, eu não votava porque não queria ser conivente com um sistema em que não acredito. Mas passei a votar desde que apareceram os primeiros sinais de ascensão da extrema direita. Não comemoro e nem me engajo pela prisão de ninguém. Não penso que o encarceramento resolva nossos problemas sociais, políticos e humanos. Prefiro falar em justiça restaurativa e projetos de educação. Mas sou obviamente obrigada a desejar a prisão de Bolsonaro e de seus generais.

Esperemos que hoje seja este dia necessário em nossa história. Aqueles que foram torturados e morreram nos porões da ditadura de 1964 possam descansar em paz, com a prisão de alguém que louva Ustra e queria impor ao Brasil novo pesadelo autoritário e sem lei.

E esperemos e conscientizemos as pessoas que um sujeito que governa São Paulo, e vem de um contexto de milícias do Rio, como veio Bolsonaro, e que demonstrou pleno apoio ao ex-presidente em sua fracassada manifestação em Copacabana, esse sujeito também é um perigo e não deveria ser alçado pela imprensa corporativa, que é sempre rendida à extrema direita. Corremos o risco de tê-lo como presidente. Mas este é um tema para outro artigo.

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

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