sexta-feira, 10 de abril de 2020

Bolsonaro, o Messias da Morte, conseguiu: brasileiros não respeitam mais o isolamento, por Gustavo Conde


Bolsonaro - perdão pela grosseria - conseguiu ideologizar o isolamento, a única forma de prevenir uma escalada de mortes por coronavírus.
Jornal GGN
Carvall

Bolsonaro conseguiu: brasileiros não respeitam mais o isolamento

por Gustavo Conde

Bolsonaro – desculpem o vocabulário chulo – sabe o estrago que ele faz saindo todos os dias cercado de seguranças em Brasília, visitando padarias, farmácias e centrinhos comerciais.
Ele conta, em primeiro lugar, com a subserviência do nosso jornalismo – que o segue, fotografa, divulga, critica e faz o serviço de graça para sua comunicação política.
Em segundo lugar, ele consolida o trabalho que vem fazendo de maneira impecável nos últimos anos: ele ideologiza a civilização.
Bolsonaro – perdão pela grosseria – conseguiu ideologizar o isolamento, a única forma de prevenir uma escalada de mortes por coronavírus.
O resultado está diante dos nossos olhos: o brasileiro não respeita o isolamento. Se culturalmente já seria difícil convencer o brasileiro a ficar dentro de casa, com esse estímulo semiótico diário dado pessoalmente pela presidência da República torna-se tarefa impossível.
Quem fica dentro de casa somos nós, esquerdistas fanáticos, opositores ao governo, paneleiros do mal.
Bolsonaro – perdão pela falta de educação – está rindo à toa. Ele desfila na nossa cara e ninguém irá impedi-lo, pelo contrário: os jornais e mídias ‘alternativas’ adoram destacar as fotos com ele caminhando pelas ruas de Brasília. Dá um ibope danado.
A fronteira entre divulgar o que ‘precisa’ ser divulgado e o oportunismo irresponsável de propagar o comportamento exótico de um presidente com problemas de sanidade e caráter, foi implodida pela falta de capacidade técnica do nosso jornalismo.
A imprensa faz questão de continuar sendo o retrato da face mais obtusa da nossa sociedade, reativa, simplória e sem um pingo de ambição em produzir e/ou aprimorar as técnicas de cobertura e redação.
Bolsonaro – desculpem o linguajar – conta com essa imprensa para perpetuar seu poder de influência sobre a população brasileira, inclusive a que o rejeita: a tensão entre presidente e imprensa faz com que o consumidor de informação tenha de optar entre um e outro.
É a verdadeira ‘polarização’, essa palavra que essa mesma imprensa, de maneira inocente (e burra), quer jogar no colo da esquerda.
Em outros tempos, esse acirramento da polarização entre presidente e imprensa resultava em impeachment.
Hoje, resulta em descrédito da imprensa.
Não é difícil entender por quê: o embate entre imprensa brasileira e esquerda é real, tem suas bases em fatos e dados empíricos de concepção de mundo.
O embate entre extrema direita e imprensa brasileira é falso, superficial, pois eles compartilham, na prática, as mesmas visões de economia, Estado e sociedade.
Bolsonaro – com o perdão da palavra – é proficiente nessa ‘gestão dos contrários’. Ele quer ser ‘macetado’ diariamente pela imprensa pois sabe que isso lhe coloca em alta conta por parte significativa da população que abomina o jornalismo.
É o que lhe basta.
É curioso ver como aceitamos tudo isso, depois de experimentar mais de uma década de democracia real, com governantes reais e participação concreta da população.
Mas também é curioso ver a que nível chegamos em termos de ingenuidade leitora na arte de codificar o processo político que nos esmaga (o alerta vale para a esquerda).
Bolsonaro – lamento a expressão – não sai à ruas para dar o exemplo contrário ao isolamento. Ele quer chocar a esquerda, tirá-la do sério, surpreendê-la mais uma vez para que ela enuncie, do alto de sua ‘superioridade moral’: “ele não me surpreende”.
É o esfarelamento dos processos de interpretação, renovado a cada instante, a cada lance, por esse efeito colateral da impostura e do ódio que habita o ‘Palácio do Planalto’ (outra velharia arquitetônica-semiótica desconectada de seu tempo e de sua razão de ser).
Há ainda mais uma ironia, cujo merecimento nos roça o ceticismo pequeno-burguês: antes da pandemia, Bolsonaro mal se dispunha a colocar os pés nas ruas.
Cancelou a maioria dos atos públicos do governo por medo de ser vaiado e hostilizado, uma vez que o governo não apresentava qualquer sinal de retomada econômica.
Tão logo as ruas se esvaziaram em função da quarentena, ele recobrou sua ‘coragem’ e passou a desfilar publicamente com rara desenvoltura e entusiasmo.
As ruas ideais para o desfile de um presidente anti-povo são assim: semi-desertas.
Este indivíduo – cujo nome aterroriza a alma – prosseguirá com suas saídas, que serão cada vez mais intensas, seguindo o ritmo do empilhamento de cadáveres que se aproxima.
O governo segue retardando as estatísticas da pandemia brasileira, sob olhares incrédulos da imprensa e da classe média que se recolhe porque pode se recolher.
O atraso deliberado – e criminoso – em fazer chegar o benefício de seiscentos reais aos brasileiros trabalhadores está absolutamente conjugado com a política genocida do Ministério da Saúde, que capitula diante da presidência, mesmo tendo o dobro de popularidade.
Pergunta técnica: quem liga para o Datafolha a essa altura dos acontecimentos e da dominância semiótica avassaladora de um presidente sustentado por nossos pavores?
Bolsonaro – não mais me desculpo desde a última menção passada em branco que o leitor atento deve ter estranhado – permanece e vai dispensando as sentenças explicativas.
Ele foi imunizado politicamente por nossa covardia estrutural que, desde sua apologia apaixonada a um torturador em pleno Congresso Nacional, vai lhe estendendo o tapete vermelho-sangue para seu icônico desfile nas ruas desertas, que esfrega nas nossas caras o quanto somos vulneráveis e bem comportados – como o próprio gado que lhe serve.

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