sexta-feira, 24 de abril de 2020

Do ConJur: Bolsonaro pode ser alvo de impeachment e ação penal por interferir na PF


A acusação de que Jair Bolsonaro tentou interferir em apurações da PF também pode configurar crimes comuns. Um deles é o de obstrução das investigações, previsto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013). Isso é o que afirmam Pedro Serrano e o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Marco Aurélio Marrafon.

Do ConJur:

ACUSAÇÕES DE MORO

Bolsonaro pode ser alvo de impeachment e ação penal por interferir na PF



As acusações feitas por Sergio Moro ao pedir demissão do Ministério da Justiça nesta sexta-feira (24/4) podem fazer o presidente Jair Bolsonaro responder a processo de impeachment e ação penal por crimes de responsabilidade e comuns.

Especialistas apontam que condutas de Jair Bolsonaro podem configurar crimes de responsabilidade de comuns
Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Moro afirmou que Bolsonaro exonerou o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, porque queria ter alguém do "contato pessoal dele [na PF] para poder ligar e colher relatórios de inteligência". "O presidente me falou que tinha preocupações com inquéritos no Supremo, e que a troca [no comando da PF] seria oportuna por esse motivo, o que gera uma grande preocupação", disparou o ex-juiz.
A acusação de Moro sugere que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade contra a probidade na administração, afirmam diversos especialistas ouvidos pela ConJur. O presidente pode ter praticado quatro condutas estabelecidas no artigo 9º da Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950): "expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição" (4); "infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais" (5); "usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim" (6); e "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (7).
O professor de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Salo de Carvalho avalia que, ao tentar acessar investigações sigilosas e influenciar, injustificadamente, na escolha do chefe da PF, Jair Bolsonaro pode ter quebrado o decoro exigido ao cargo e atentado contra a probidade da administração. Especialmente porque a Constituição, no artigo 37, exige que os atos de entidades estatais obedeçam aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A Constituição Federal, no artigo 85, estabelece que são crimes de responsabilidade do presidente da República os atos que atentem contra a Carta Magna. E a interferência de Bolsonaro na PF narrada por Moro se enquadra nesse caso, aponta Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
"O uso do cargo público de presidente para a prática de uma ilegalidade em favor de interesse estritamente pessoal, que é proteger indevidamente parentes e aliados, não é algo admissível no constitucionalismo democrático. Por causa dessa gravidade, é um atentado contra a Constituição".
Nessa mesma linha, a advogada constitucionalista Vera Chemim opina que o militar reformado desrespeita os pilares da democracia brasileira ao buscar retirar a imparcialidade da Polícia Federal. "É, definitivamente, um governo voltado acima de tudo ao protecionismo familiar em detrimento do Estado brasileiro. Retornamos ao velho Império e às antigas políticas da velha República em vez de progredirmos politicamente".
Para o constitucionalista Eduardo Mendonça, se confirmadas, as acusações podem configurar atos de improbidade administrativa "pela tentativa de usar órgãos de controle para objetivos pessoais". "Claro que é uma acusação complexa, porque trocar pessoas na administração federal faz parte das atribuições do Presidente. O ponto central é que a troca seria um instrumento para poder interferir indevidamente", afirma.
Crimes comuns
A acusação de que Jair Bolsonaro tentou interferir em apurações da PF também pode configurar crimes comuns. Um deles é o de obstrução das investigações, previsto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013). Isso é o que afirmam Pedro Serrano e o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Marco Aurélio Marrafon.

Sergio Moro disse que Bolsonaro tentou interferir em investigações da PF
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Serrano lembra que também existe a tentativa de obstrução de justiça. Ou seja: o presidente pode ter praticado o delito apenas por ter pedido acesso às investigações para Sergio Moro e delegados, ainda que eles não tenham lhe fornecido os arquivos.
Além disso, o militar pode ter cometido falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal) ao inserir a assinatura de Sergio Moro sem a autorização dele no decreto que exonerou Maurício Valeixo, avaliam Salo de Carvalho, Marrafon, e o jurista Lenio Streck. Este classifica o ato como "crime de carteirinha".
"O artigo 299 do Código Penal, dentre outras modalidades, tipifica a conduta de inserir ou fazer inserir, em documento público, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. No caso, se comprovado que o ex-ministro (a) não assinou o documento e (b) que não houve pedido de exoneração por parte de Valeixo, conforme constou no decreto, há indícios que justificam a investigação pela falsidade ideológica", explica Salo de Carvalho.
Na visão de Pedro Serrano, só fica caracterizada a falsidade ideológica se houver prova de que o presidente teve dolo de adulterar o documento. Se foi um mero erro na publicação do ato, não houve delito, analisa.
Rito do impeachment
Se Jair Bolsonaro for denunciado por crime de responsabilidade e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aceitar o pedido de impeachment, será formada uma comissão na Câmara dos Deputados para emitir parecer sobre a possibilidade de a denúncia ser julgada.
O parecer deve ser submetido a uma votação nominal. Caso a denúncia não seja considerada procedente, ela será arquivada. Caso contrário, a denúncia segue e é submetida ao Plenário. Se dois terços (342) dos 513 deputados votarem a favor, o processo de impeachment tem continuidade.
Em seguida o Senado decide se abre ou não o processo. Caso a maioria dos parlamentares seja favorável ao pedido, o procedimento é instaurado, e Bolsonaro é afastado do cargo por até 180 dias. Nesse cenário, o vice, Hamilton Mourão, assume a Presidência.
Após manifestações da acusação e da defesa, os senadores devem decidir se o presidente cometeu ou não crime de responsabilidade. Se dois terços dos parlamentares o considerarem culpado, Bolsonaro perde o mandato, e Mourão assume definitivamente.
Dos cinco presidentes eleitos diretamente após o fim da ditadura militar, em 1985, Fernando Collor e Dilma Rousseff sofreram impeachment.
Ação penal
Como a acusação de Sergio Moro se reporta a fatos ocorridos já depois do início do mandato, a Procuradoria-Geral da República pode oferecer denúncia ao Supremo Tribunal Federal se entender que Jair Bolsonaro cometeu crimes comuns, como os de obstrução de justiça e falsidade ideológica. Nesse caso, o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, encaminharia um pedido de abertura de ação penal à Câmara dos Deputados.
Caso o requerimento da PGR seja aprovado por dois terços dos deputados, conforme diz o artigo 86 da Constituição, o STF ficará autorizado a analisar o recebimento da denúncia. Se a corte aceitar a acusação, o presidente será afastado de suas funções por até 180 dias, de acordo com o artigo 86, parágrafo 1º, inciso I, e parágrafo 2º, da Carta Magna.
Contudo, o chefe do Executivo federal só poderá ser preso se for condenado por crime comum no STF, segundo o artigo 86, parágrafo 3º, da Constituição. Com isso, Bolsonaro não poderia ser preso temporariamente ou preventivamente.
O professor de Direito Processual Penal da UFRJ Geraldo Prado ressalta que a PGR tem o dever de fiscalizar a atividade policial. Se houver interferência na instituição, ainda que seja do presidente da República, o órgão pode mover ação penal.
"Cabe ao Ministério Público Federal, mais diretamente ao procurador-geral da República, analisar todos os fatos, especulações e cogitações mencionados pelo ex-ministro na entrevista de hoje para dessa maneira separar o que é antiético do que também pode caracterizar crime. Aos MPs federal e estaduais a Constituição atribuiu o controle externo da atividade policial. O STF tem admitido investigação direta pelo Ministério Público sempre que há suspeita de crimes envolvendo policiais, de modo que no contexto de hipotética tentativa de interferir em investigações, desde que o MP atue com independência, o empenho de qualquer autoridade de controlar inquéritos estará fadado ao fracasso e poderá ensejar processo criminal contra quem o pretender, ainda que seja o presidente da República", afirma.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2020, 16h45

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