terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Religiosos extremistas: o estranho ecumenismo centrado na ambição do poder político ditatorial. Artigo de Valdemar Figueredo (Dema)

 

Os pretensos "cristãos" ultraconservadores, "islamitas" radicais e "judeus" ultraortodoxos de extrema-direita são contrários à modernidade, à democracia, à pluralidade, aos direitos humanos e ao Estado laico

Do ICL:


Religiosos extremistas: estranho ecumenismo político

Artigo de 
Valdemar Figueredo (Dema)

As profecias sobre o fim ou arrefecimento do religioso na modernidade ocidental, visivelmente, malograram. Além do fenômeno religioso estar bem situado nas sociedades modernas, ganha feições radicais, como integristas católicos, fundamentalistas protestantes, islamistas e ultraortodoxos judeus.

Para essas vertentes religiosas radicalizadas, dissidentes, a sociedade moderna seria uma sociedade “sem Deus” que se converte (segundo eles) numa sociedade “contra Deus”.

Jean-Louis Schlegel[1] ao distinguir os quatro grupos que se colocam nos extremos, permite-nos perceber o quanto se tocam na vida pública. São diferentes no que diz respeito às doutrinas e crenças religiosas, mas bem parecidos nas reivindicações políticas no Estado.

Islamistas

O Estado islâmico que idealizam se guiaria pela lei islâmica. O que serve para o sujeito religioso serviria para a vida civil, social, cultural e econômica. A vida social, para os islamistas, seria expressão da sua fé. O Alcorão ditaria a regra de fé e conduta. Legislação e legisladores obedeceriam a lei maior, vocalizada pelos religiosos devidamente legitimados por Deus.

Integristas católicos

Saudosos de uma ordem social católica. Algo que aconteceu em alguns contextos nacionais ao longo da Idade Média. O poder legitimado por Deus sob a tutela do poder eclesiástico verticalizado e “divinamente” hierárquico. Esse espírito, nomeado como integrismo católico, esteve presente na Igreja durante o século XIX enquanto reação contrarrevolucionária na França. Fundamentalmente, contra a modernidade. Contra a separação Igreja e Estado. Para os integristas, a democracia não é algo a ser vivido no âmbito interno da Igreja, muito menos na esfera externa, no Estado. Neste sentido, coincide com os islamistas.

Fundamentalistas protestantes

Embora não condenem em si as instituições democráticas ou recusem o expediente da alternância de poder, reivindicam a condição de Moral Majority. Isto é, são adeptos de certa ditadura da maioria. Usam a “democracia procedimental” para impor os seus valores ao restante da sociedade. Como se os “infiéis” ao serem regidos pelos “fiéis” fossem, ainda que a contragosto, também beneficiados. Expoentes nos Estados Unidos desde o final da década de 1970, proponentes de uma agenda política contra o aborto, contra a emancipação das mulheres, contra os direitos dos homossexuais, pelas preces nas escolas, pela leitura bíblica nas instituições públicas, pela posse e porte de armas pelos cidadãos. Creem no patriotismo enquanto expressão de povo eleito por Deus para abençoar outras nações. Todos esses elementos reunidos serviriam como antídoto contra o comunismo e a ascensão da esquerda, supostamente ateia.

Judeus ultraortodoxos

Muito do que fora dito sobre islamistas, integristas e fundamentalistas aplica-se também aos ultraortodoxos, guardadas as devidas proporções. Parcela dos ultraortodoxos são afeitos aos guetos como preservação das tradições e proteção das ameaças da modernidade. Mas, entre eles, há quem seja favorável à conquista do poder do Estado de Israel para estabelecer uma teocracia. Para as favas com a democracia ocidental, o governo dos sacerdotes estabeleceria a lei sem apartar o Estado da religião. O pluralismo celebrado pelo Estado democrático de direito, neste caso, não se aplicaria.

xxx 

Apoiados na lógica causa e efeito, os extremistas religiosos alegam que os fracassos da modernidade têm relação direta com a ausência de Deus. Como se alijar Deus das decisões centrais na política e o alienar da vida social resultasse em mazelas naturais, miséria social e econômica, vícios e desvio moral. Todas as insatisfações com a modernidade são postas na conta da arrogância humana que se colocou no lugar de Deus, dizem.

No Brasil, 86,8% da população se declarou cristã. Em plena modernidade tardia ou pós-modernidade, muito longe das previsões de ocaso do religioso, no Brasil, conta-se mais templos religiosos do que hospitais e escolas juntos (IBGE, 2022).

Assistimos a ascensão na República Federativa do Brasil de religiosos extremistas. Pouco afeitos a pluralidade, variações de integristas católicos e fundamentalistas protestantes atuam despudoramente num estranho “ecumenismo” político.

[1] SCHLEGEL, Jean-Louis. A lei de Deus contra a liberdade dos homens. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Valdemar Figueredo (Dema)

Idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

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