quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Cupins alados e a vitória de Trump, por Dora Incontri

 

A curto prazo, não sou otimista. A imagem dos cupins me assalta. São milhares que saem em voo desesperado, como são milhões os extremistas do planeta em atitudes de agressão, mentira e retrocesso. Já a médio e longo prazo tenho esperança. O sofrimento está superlativo. Será ainda pior. Então, pela dor, haverá um despertar coletivo, de resistência ao mal



Cupins alados e a vitória de Trump

por Dora Incontri, no Jornal GGN

Nesta noite, ninguém dormiu aqui em casa. Milhares de cupins alados tentavam entrar pelas janelas e lá fora aglomeravam-se em torno das luzes da garagem e do jardim. E ao mesmo tempo, líamos a notícia de que Trump havia vencido a eleição nos EUA. Uma coincidência simbólica significativa essa, da invasão dos cupins e da nova ascensão do fascista!

Não que a candidata democrata fosse tão melhor que o republicano. Pouca coisa. Mas a vitória de Trump é o suficiente para piorar muito o cenário do mundo, com o avanço estratégico e galopante da extrema direita, toda assentada em Fake News, negacionismo científico, misoginia, lgtbfobia, ódio aos imigrantes, fundamentalismo religioso e outras barbáries. Qualquer um dos dois candidatos, porém, seria obediente aos interesses da indústria bélica dos EUA, à manutenção do status imperialista norte-americano, à economia neoliberal… Kamala apenas teria um pouco mais de verniz democrático.

O problema é que se fecha o cerco de uma direita internacional unida – sustentada por bilionários, como Elon Musk – que promete instalar com mais ódio e profundidade um estado de guerra permanente e global e ignorar solenemente a agenda climática do apocalipse. Em suma, a infelicidade geral do planeta, a ameaça de extinção dos seres vivos (no caso, nós, enquanto humanidade), a miséria, as secas, as enchentes, tudo sufocante e trágico.

A curto prazo, não sou otimista. A imagem dos cupins me assalta. São milhares que saem em voo desesperado, como são milhões os extremistas do planeta em atitudes de agressão, mentira e retrocesso. Nessa semana, tivemos a prisão de jovens nazistas na Alemanha, que planejavam um golpe; vimos extremistas espanhóis se valendo da tragédia de Valencia, para semear instabilidade no governo à esquerda. Os cupins alados são os reprodutores, que vão semear as colônias que depois destruirão jardins, plantas, gramados, prédios, que comerão livros e podem mesmo sobreviver à irradiação atômica. Uma praga!

Esse avanço está já muito concatenado e amarrado. Pouco provável que tenhamos um recuo proximamente. Também pelo fato de estarmos vivendo um momento de esquerda intimidada, acovardada, que flerta com o centro, com o neoliberalismo, sem se assumir nem mesmo como esquerda. Uma esquerda envergonhada, que se rende ao capital.

Precisamos, por isso, arregimentar forças, formarmos vínculos, comunidades, lideranças, assumirmos um discurso claro, de combate não só ao capital, mas a essa democracia liberal, que sempre acaba por desembocar no fascismo. Essa democracia elegeu Hitler, elegeu o nosso inominável, elegeu Trump por duas vezes. Manobrada pelos poderes econômicos e militares, essa democracia não é democracia de fato.

Como anarquista, também não me apetecem os autoritarismos de esquerda. Temos que avançar além dos limites da história que já se fez. O que estamos fazendo é repetindo o avanço do nazifascismo de 100 anos atrás. Sem a perspectiva de nenhuma revolução que se faça contrapeso à tomada das trevas.

Já a médio e longo prazo, tenho esperança. O sofrimento está superlativo. Mas será ainda pior. Então, haverá um despertar coletivo, de resistência, de força, de coragem. E conseguiremos atravessar os dias sombrios, para um novo amanhecer. Mas não fiquemos de mãos atadas e boca fechada, por enquanto. Façamos a cada dia nossa parte de militância, educação política e fortalecimento de nossos melhores afetos, de nossa melhor esperança. Até chegarmos na outra margem da história!

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

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