sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Democracia em vertigem ou vertigem da violência (e do ódio nefoascista) por Dora Incontri


  "Essa questão é delicada e nos afeta a todos – adeptos ou não do evolucionismo  – porque em certa medida, os que lutam por um mundo melhor, tenham ou não alguma forma de espiritualidade, sejam sociais-democratas, socialistas de diversas matizes, anarquistas, marxistas, todos de uma forma ou de outra o fazem porque acreditam que possam mudar o mundo."


Do GGN - Espiritsmo Progressista



Assisti ontem ao documentário Democracia em Vertigem de Petra Costa. Muito bem feito, roteiro excelente, falas precisas, numa narrativa em que se entrelaçam a história política do Brasil desde o Golpe de 64, passando pelo golpe de 2016, até a eleição do atual (des)governo e a história de vida da própria diretora e de sua família. 

Na mesma safra de fim de semana, vi outro documentário (esse em série) – também muito instigante – Guerras do Brasil de Luiz Bolognesi.
São histórias de nosso povo, de nossa nação, de que todos nós brasileiros, fazemos parte – são nossas raízes ancestrais e ao mesmo tempo a história mais recente, a que todos assistimos com maior ou menor grau de participação e consciência política.
O que ressalta de toda essa releitura histórica são as raízes de violência que fazem parte de nosso passado e estão plenamente ainda instaladas em nosso presente. O genocídio indígena, que continua ainda e sempre; a escravidão, a discriminação e a matança contínua dos africanos aqui trazidos e dos afro-brasileiros, que constituem a maioria da nossa população; a dívida histórica que temos com o Paraguai, com a guerra de extermínio, promovida no século XIX; a hedionda situação do sistema prisional e a criminalidade institucionalizada; a violência da tortura e dos assassinatos políticos da ditadura de 64…

E tudo isso ainda permanece vivo e agora defendido por aqueles que estão não poder e não têm mais vergonha de abertamente fazer a apologia da morte.

O que se lê é violência, sangue, desigualdade, abuso, injustiça… culminando com essa história tenebrosa do golpe contra Dilma e da prisão de Lula, orquestrada politicamente, como está cada vez mais comprovado pela Vazajato. 

Quando aqueles, como eu – que se enojam com o sangue derramado, que se indignam com a injustiça, que se sensibilizam com a desigualdade, que sentem náuseas com as traições, os jogos de poder e os abusos de autoridade – mergulhamos numa revivescência histórica dessas, tendemos ao desânimo. 

Mas essas questões estão entranhadas na história do mundo – antiga ou recente… Lembremos dos banhos de sangue da Revolução Francesa, da Guerra de Secessão americana, da Revolução Russa, da Revolução Maoísta – ou seja, mesmo quando a causa é supostamente boa, em busca de justiça social, de igualdade e de quebra de estruturas totalitárias, ainda assim, a violência se faz, e depois mais retrocessos, mais totalitarismo, mais desigualdade. Basta pensar nos recuos históricos depois da Revolução Francesa, com a volta da Monarquia e do Império; de um Lênin (que poderia ter feito uma revolução mais inclusiva, mas acabou trucidando aqueles mesmos que o apoiaram, como fez com todos os anarquistas) e depois com a consequente entrada da ditatura de carnificina de Stalin, e a China que até hoje vive num sistema totalitário, sem liberdade de expressão.

Sem mencionarmos outras violências extremas do século XX, como o holocausto, promovido pelos nazistas, a bomba atômica, as constantes guerras engendradas pelo imperialismo norte-americano, para impor sua hegemonia no mundo, para garantir o seu uso e abuso do petróleo e para sustentar a indústria bélica…

Nesse breve panorama, falamos de sangue e violência na esquerda e na direita…

E uma questão que nos angustia a nós, espíritas, que somos evolucionistas: será que estamos evoluindo mesmo? Será que não somos sempre a mesma natureza bárbara, ávida de sangue e poder e será que um dia poderemos viver num mundo em que a justiça, a paz e a fraternidade legítimas sejam a tônica das relações entre as pessoas e entre os povos?

Essa questão é delicada e nos afeta a todos – adeptos ou não do evolucionismo  – porque em certa medida, os que lutam por um mundo melhor, tenham ou não alguma forma de espiritualidade, sejam sociais-democratas, socialistas de diversas matizes, anarquistas, marxistas, todos de uma forma ou de outra o fazem porque acreditam que possam mudar o mundo.

E parece que a realidade não se deixa modificar, parece que a impotência nos toma. Parece que andamos um passo à frente e recuamos dois. Ou será, numa perspectiva mais otimista, que andamos dois passos à frente e recuamos um? Questões difíceis de avaliar, quando estamos mergulhados no momento histórico.

É certo que hoje, a estrutura do capitalismo baseada no lucro, sem nenhum compromisso com a ética, com o respeito ao ser humano e à natureza, explica em grande parte nossas desditas. A nossa situação brasileira atual é resultante de uma agenda neoliberal internacional e da hegemonia do império americano, que faz do Brasil e de outras nações latino-americanas o quintal de seus interesses econômicos. Em Democracia em Vertigem, isso fica bem explícito: o quanto esse processo que enfrentamos nos últimos anos se sintetiza na continência de Bolsonaro diante da bandeira americana e das ligações espúrias de Moro com os EUA.

Por tudo isso, a caminhada necessária e possível, para uma quebra dos sistemas de poder, para maior igualdade e mais justiça, para a erradicação da violência, passa por dois atalhos, que estão aquém e além da ação política também urgente:  a cura terapêutica e a educação para a ética.

Não andaremos definitivamente para um mundo melhor sem mudar a estrutura do psiquismo humano, curando seus traumas, trabalhando com os impulsos profundos de dominação, narcisismo, sadismo, agressividade e educando novas gerações para a cooperação, para a empatia, para a igualdade de gênero, étnica e social.

Enquanto não fizermos um mutirão de educadores-terapeutas e terapeutas-educadores que consigam espalhar um apaziguamento interno das pessoas, que consigam despertar em si mesmos e em outros valores humanistas que se enraízem profundamente nas consciências, todas as revoluções, todas as eleições, todos os avanços estarão sujeitos a serem tragados pelas ondas de ódio, de ambição e poder desmedido.

Acima de tudo, teríamos que ferir o sistema capitalista de morte com uma ferramenta que muitas formas de espiritualidade apontam, mas que a maioria das igrejas não adotam em suas instituições de poder: o desprendimento dos bens terrenos, a busca da simplicidade, a substituição dos prazeres que o dinheiro pode trazer por uma felicidade mais genuína – da consciência tranquila, das relações humanas consistentes e amorosas… 

Afinal toda essa violência narrada, todos esses embustes políticos, toda essa tragédia humana de sempre se resume a que? Ao desejo de dinheiro, poder, domínio – que faz com que os incautos passem por cima de outros seres humanos, se encastelem no narcisismo, pratiquem as piores injustiças e deixem o mundo pior.



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