Texto de Fávio Fonseca de Castro
Pode-se dizer que isso é muito comum em sociedades totalitárias e mesmo em sociedades regidas por elites conservadoras. Pode-se perceber, efetivamente, que, ao longo da história brasileira, os mecanismos da “justiça” não se portaram, estruturalmente, como se empenhados na construção da democracia.
Porém, cada época conta os seus tostões… E não tenho como não ficar estarrecido vendo a maneira como a “justiça” brasileira, do STF ao juízes investigadores do MP, vai se comportando da maneira descaradamente golpista e abertamente anti-democrática.
Ora senão se veja: os sintomas desse processo abundam.
A positivacão do senso comum
Em primeiro lugar, por meio da positivação do senso comum: positivo não no sentido de bom, ou correto, mas no sentido de objetivo — produção de uma unanimidade por exclusão: quem não está de acordo é punido. Com isso, acaba ocorrendo uma inversão na ordem que antes regia o papel da justiça: ela deixa de defender a sociedade para passar a defender interesses setoriais. A processualística do direito vai para segundo plano e os magistrados passam a atuar pautados por esse senso comum. Por resultado, juízes conduzem processos sob o “primado da hipótese sobre os fatos” e convertem-se em acusadores.
A justiça inquisitorial
O poder da justiça passou a produzir um metadiscurso — um discurso sobre si mesmo — cujo fim é legitimar procedimentos tendenciosos e parciais. Com isso, se produz uma falsa coerência, em nome da qual todo tipo de abuso pode ser cometido. Essa falsa coerência ameaça os direitos individuais e as garantias individuais estabelecidas pela Constituição. A chamada Operação Lava Jato, por exemplo, usa procedimentos investigativos questionáveis e alguns claramente inconstitucionais. A inquisição foi renovada no Brasil, resgatando práticas que a própria Lei coíbe: as comunicações entre acusado e sua defesa estão sendo interceptadas, bem como as estratégias de defesa estão sendo apreendidas e violadas e as audiências estão sendo conduzidas sem obediência à processualidade devida, com prejuízos evidentes para a defesa. Além disso, está-se abusando de mecanismos como a delação premiada e a prisão cautelar, aplicando-a, sem fundamentação, a acusados primários.
A justiça seletiva
Juízes escolhem, de acordo com sua posição no espectro politico, quem será punido, ignorando evidências que atingem seus parceiros e, assim, cometem abusos de poder. Nesse processo, o direito à defesa, fundamento de todo processo jurídico, vai sendo cerceado e, com tal seletividade, acaba-se por inverter a ordem legal: todo mundo passa a ser culpado, até que se prove o contrário. Pior: juízes e investigadores promovem vazamentos de informação também seletivos, atendendo ao agendamento, sempre seletivo, feito pela mídia e pelos partidos de direita.
A justiça como espetáculo
Por fim, não há como não referir a tendência de espetacularização da justiça: Juízes se portam como celebridades, falando com voz moral e espalhafatosa, quando a sua voz deveria ser estritamente a da lei. Por princípio, juízes não falam fora dos autos. No Brasil atual, juízes dão entrevistas, emitem opiniões sobre processos em curso e até frequentam camarotes de carnaval de grandes empresas. Essa pretensão à notoriedade desvirtualiza sua função social e compromete a própria justiça.
Esses sintomas da “justiça” indicam, nitidamente, o processo de ascenção do fascismo no Brasil. O projeto, como se sabe, é o facilitar o golpe de Estado, mas o que a justiça seletiva e inquisitorial verdadeiramente compromete é a democracia.
O que está ameaçado não é o governo Dilma, mas a própria democracia.
Fabio Fonseca de Castro
No Hupomnemata
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