quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Teologia da Prosperidade contra Teologia da Libertação do inferno do retrocesso social e dos interesses do Mercado, por Fernando Nogueira da Costa



O desmanche do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes de ele ser, de fato, implantado em sua plenitude.



Teologia da Prosperidade contra Teologia da Libertação do Crédito

por Fernando Nogueira da Costa

A Constituição brasileira de 1988 consagrou o ideário da universalização das políticas sociais no Brasil. As condições fiscais exigidas para chegar a um universalismo eram apresentadas como impossíveis de ser implementadas. Ao depender do FMI, nos anos 90, submeteu-se às regras do Consenso de Washington. Privilegiavam os interesses dos capitais financeiros internacionais e eram avessas a quaisquer políticas sociais. 

A crise nas finanças públicas é contraposta aos direitos constitucionais adquiridos. A reforma do Estado, proposta por neoliberais, é apresentada como justificativa para os atender através da prestação de serviços privados. O desmanche do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes de ele ser, de fato, implantado em sua plenitude.

O governo sob hegemonia do Partido da Social Democracia Brasileira, fundado por intelectuais influenciados pela socialdemocracia europeia, juntou neoliberalismo e lançamento de alguns diminutos programas de distribuição de renda. Eles foram iniciados por egressos do desenvolvimentismo latino-americano como José Serra na Saúde e Paulo Renato de Souza na Educação, ambos ex-professores da UNICAMP. 

Posteriormente, no social-desenvolvimentismo do Partido dos Trabalhadores, fundado por lideranças sindicais, religiosas da Teologia da Libertação, movimentos sociais e militantes intelectuais de esquerda, esses programas sociais foram reunidos e expandidos em escala muito maior pelo governo Luís Inácio Lula da Silva. Sob a combinação de política de crédito público e política social ativa houve mudança qualitativa e quantitativa. O programa Bolsa Família, inspirado na ideia da Renda Básica da Cidadania, no Brasil, foi implementado pela esquerda.

Aqui-e-agora, assistimos o confronto da Teologia da Prosperidade contra a Teologia da Libertação. Esta é uma corrente teológica do catolicismo, nascida na América Latina, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín. Parte da premissa de o Evangelho exigir a opção preferencial pelos pobres.

É considerada como um movimento apartidário e inclusivo de teologia política. Engloba várias correntes de pensamento. Elas interpretam os ensinamentos de Jesus Cristo em termos de uma libertação de injustas condições econômicas, políticas ou sociais. 
Ela foi descrita pelos seus proponentes como uma reinterpretação analítica e antropológica da fé cristã, tendo em vista dos problemas sociais. Seus adversários a descrevem como uma mistura de marxismo, relativismo e materialismo cristianizado.

A maior parte dos teólogos da Libertação é favorável ao ecumenismo sem fé dogmática. Em contrapartida, a Teologia da Prosperidade é uma doutrina religiosa cristã protestante ou reformista. Defende a bênção financeira ser o desejo de Deus para os cristãos. Promete a fé, o discurso positivo e as doações para os sabidos-pastores permitirem aumentar a riqueza material do fiel. 

A doutrina interpreta a Bíblia como um contrato entre Deus e os humanos: “se os humanos tiverem fé em Deus, Ele irá cumprir suas promessas de segurança e prosperidade”. 

Seus defensores ensinam a doutrina ser um caminho para a dominação cristã da sociedade. Buscam impor seus valores inclusive a ateus. A doutrina enfatiza a importância do empoderamento pessoal, propondo a vontade de Deus é ver seu povo enriquecido. 

A expiação (reconciliação com Deus) é interpretada de forma a incluir o alívio das doenças e da pobreza. Estas são vistas como maldições a serem quebradas pela fé. Acredita-se atingir isso através da visualização e da confissão positiva. Isso costuma ser professado em termos contratuais e mecânicos. Dessa maneira, um povo pobre e ignorante visualiza a farsa do estado de transe. E sente o pertencimento à comunidade.

Algumas igrejas evangélicas se dedicam, particularmente, aos ensinamentos sobre o dízimo. Fazem um discurso positivo de, com base na fé, ser possível a qualquer um o enriquecimento. Basta ter devoção – e compartilhar o dinheiro ganho com o pastor. 
Igrejas adeptas Teologia da Prosperidade pregam a transferência parcial de sua posse de dinheiro aos pastores. Seus conselhos são enganosos. 

A Teologia da Prosperidade tem sido criticada por líderes dos movimentos pentecostal e carismático, assim como de outras denominações cristãs. Eles argumentam ela ser irresponsável, promover a idolatria ao “Santo Dinheiro” e contrariar às escrituras, conforme a leitura “autêntica” feita por eles.
Paradoxalmente, os aliados à Teologia da Prosperidade creem no “milagre da multiplicação do pão”, mas condenam a multiplicação da moeda via crédito público! Mostram desconhecer o que se trata de alavancagem financeira do setor público. Por que combatem a libertação do crédito?

Para economistas adeptos da Escola Austríaca, a concessão de crédito, seja aos empreendedores, seja aos consumidores, defendida por keynesianos como um santo remédio para a cura da depressão, teria efeito contrário. Tal “demanda artificial” meramente adiaria o ajuste das contas. Os ultraliberais criticam o uso de “estimulantes não naturais” antes, durante ou depois de uma crise. Em economia de livre-mercado, há de deixar o tempo efetuar uma cura permanente através de sacrifício dos pecadores. 

Para esses pregadores, só cabe resignação e baixar a expectativa de rendimentos para ser empregado. Não há caminho fácil para sair de uma recessão. Em longo prazo, o livre mercado restauraria o equilíbrio, onde todos estariam empregados. Há só dois problemas no mundo: os insolúveis e os solucionáveis por si só…

Os Bancos Centrais teriam de adotar uma política monetária cautelosa, durante a oscilação ascendente do ciclo, para mitigar a depressão vindoura. E aí resistir às propostas bem-intencionadas, mas perigosas, de lutar contra a recessão com “um pouco de inflação de crédito”. Crédito, indo além da poupança, provoca desequilíbrio da demanda agregada face à dada capacidade produtiva. A Lei de Say – a oferta criar a própria demanda – é um dogma para a Escola Austríaca.
Ludwig von Mises, no livro “Ação Humana: Um Tratado de Economia”, opina: “Os excêntricos e os demagogos consideram o juro como o produto de maquinações sinistras de exploradores desalmados. Essa antiga aversão ao juro tem sido plenamente reavivada pelo intervencionismo moderno. Tem-se mantido fiel ao dogma de uma das principais atribuições de um bom governo é diminuir a taxa de juro o mais possível, ou aboli-la inteiramente. Todos os governos de hoje estão fanaticamente comprometidos com políticas de dinheiro fácil.”

Critica os hereges por “louvar as virtudes da expansão creditícia desenfreada e difamar qualquer oponente como um mal-intencionado defensor dos interesses egoístas dos usurários”.  

Afirma: “os movimentos ondulatórios a afetarem o sistema econômico, a recorrência de períodos de boom seguidos de períodos de depressão, são a consequência inevitável das reiteradas tentativas de diminuir a taxa bruta de juro do mercado por meio da expansão do crédito. Não há meio de evitar o colapso final de um boom provocado pela expansão de crédito. A única alternativa possível é entre uma crise em curto prazo, provocada pela decisão voluntária de não se expandir mais o crédito, e uma catástrofe final e total do sistema monetário, mais tarde.”

Na pregação de von Mises, as reiteradas tentativas de alcançar a prosperidade pela expansão do crédito, responsáveis pelas flutuações cíclicas da atividade econômica, se devem à popularidade gozada pelo crédito. Segundo a Doutrina da Poupança Forçada, resulta em inflação. Esta corrói os salários reais, diminuindo o poder aquisitivo dirigido ao consumo. Em consequência, eleva-se a poupança nominal. 

“O boom é considerado como estímulo aos negócios, à prosperidade e ao progresso. Sua consequência inevitável, o ajuste das condições à realidade do mercado, é considerado como crise, declínio, estagnação, depressão.”

Sob a influência de Ludwig von Mises, a Secretaria da Política Econômica (SPE) adota seu evangelho: “o elemento perturbador provém dos maus investimentos e do excesso de consumo no período do boom. Esse boom artificial está condenado ao fracasso.”
Na Nota Informativa sobre “má alocação de recursos (misallocation)”, a SPE afirma, sem apresentar nenhuma evidência empírica: 

“As políticas de direcionamento de crédito implementadas no período 2010-2016 elevaram a ‘ineficiência alocativa’ de duas maneiras: a) aumentaram o poder de monopólio das ‘campeãs nacionais’, destruindo outras firmas menores e mais produtivas; e b) direcionaram investimentos a firmas e setores menos produtivos. Assim, a redução do direcionamento de crédito é primordial para a redução da misallocation no Brasil”. 

Ainda sofre a ilusão espalhada pela narrativa da “caixa-preta do BNDES”. Apesar de ela ter sido desmascarada por consultoria internacional.

A SPE deveria pelo menos examinar a pauta de exportação brasileira concentrada em sete commodities: complexo de soja (17%), petróleo (11%), minério de ferro (9%), complexo carnes (7%), açúcar (5%) e café (2%). Mais da metade se deve aos setores das “campeãs nacionais” beneficiárias do crédito direcionado pelo BNDES e Banco do Brasil. Vale exporta 10%, Petrobras, 5,5%, Bunge Alimentos, 3%, Cargill Agrícola, 2,5%, JBS, 2%, Louis Dreyfus, 2%, ADM 2%,  BRF 2%, EMBRAER, 1,5%, Samarco Mineração 1,3%, ou seja, essas dez “campeãs nacionais” exportam quase 1/3 do total. Petrobras (87%) e Eletrobrás (7%) concentram 94% do investimento estatal. Vão colocar empresas evangélicas em seu lugar?! Essa hipotética isonomia em “alocação de recursos” é mera demagogia.
ESCOLA AUSTRÍACA
(MISES E HAYEK)
ESCOLA KEYNESIANA
(KEYNES)
  1. a economia deve ser pensada como um organismo sensível, governado por decisões racionais dos participantes do livre-mercado. 
  1. uma economia de mercado, deixada livre para cada distinto poder impor seu preço, não serve para todos.
  1. o governo deve assegurar
    o mercado ser livre e justo. 
  1. por a concorrência ser imperfeita, a estrutura de preços relativos não sinaliza claras preferências.
  1. o governo deve evitar impostos e seus gastos perverterem a ordem natural da economia.
  1. curar o desemprego na base do ciclo de negócios exige política de gasto fiscal e política de crédito como incentivos aos investimentos.
  1. os empresários se abstêm de novos investimentos quando temem os gastos do Estado para impulsionar o crescimento econômico levarem a impostos mais altos e à inflação.
  1. os mercados, particularmente o do trabalho sindicalizado, são lentos em responder às mudanças.
  1. as recessões são aspectos de rotina de um ciclo econômico, provocado por expansões artificiais do crédito, a serem suportadas, mas não curadas.
  1. os sintomas de recessão cíclica ou os choques exógenos inesperados,
    tudo deve ser enfrentado com política econômica
    em curto prazo.
  1. os melhores remédios
    estão no “lado da oferta” e são estimulantes para empresários fornecerem bens mais baratos, fortalecendo a demanda apenas pela remoção de inibições governamentais aos empreendimentos, como regulações e impostos.
  1. a ênfase deve ser colocada nos componentes da demanda final (C+I+G+X-M), concentrando-se em injetar dinheiro no sistema para incentivar a demanda e daí a oferta dos bens, embora não se descarte algumas reformas do “lado da oferta”, isto é, para a expansão da capacidade produtiva.

Leia os outros artigos da série:
Parasita e o Hospedeiro, por Fernando Nogueira da Costa
Estado Mínimo Reacionário contra o Estado de Bem-Estar Social, por Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Ciclo: Intervalo entre Duas Crises” (2019; download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/).
E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

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