sábado, 23 de abril de 2016

Câmara dos Deputados: da Democracia atingida à Teocracia Hipócrita dos Falsos Profetas de Cunha


Da democracia à teocracia

Na narrativa da queda do PT como solução única da crise, um capítulo crucial tem sido relegado à periferia do debate: as forças ultraconservadoras
por Carlos Juliano Barros - Carta Capital



Nilson Bastian/ Câmara dos Deputados/ Fotos Públicas
A mesa da Câmara dos Deputados na votação do impeachment
Centenas de parlamentares usaram o nome de “Deus” e os valores da “família tradicional” para justificar o voto pelo “sim”


Centenas de deputados – dos mais diversos partidos, de Norte a Sul do país – usaram o nome de “Deus” e os valores da “família tradicional” para justificar o voto pelo “sim”. Tudo vigiado de perto pelo crucifixo católico pregado na parede do plenário da Câmara, um singelo adorno para o trono do evangélicoEduardo Cunha.
Na narrativa que martela o afastamento do PT como solução única da crise econômica e política, um capítulo crucial tem sido relegado à periferia do debate político: as forças ultraconservadoras – formadas por fundamentalistas religiosos e fanáticos militaristas – talvez sejam as grandes vitoriosas desse processo.
Consumado o impeachment, não há dúvidas de que seus representantes vão cobrar a fatura, pautando retrocessos que afetam direta e cotidianamente a vida de milhões de brasileiros. E não se trata apenas de temas “polêmicos”, como o direito ao aborto.
Até mesmo campanhas de prevenção aos vírus da Aids e do HPV já enfrentam a oposição cerrada de religiosos que não acreditam na camisinha, mas na castidade, como política pública de prevenção a DSTs.
A queda de Dilma Roussef vem sendo patrocinada por um amplo leque de forças que vai das tendências centristas à extrema direita. Muitos dos que apoiam o impeachment se sentem ofendidos – com toda a razão, por sinal – ao serem comparados a Jair Bolsonaroou a Marco Feliciano.

Em outras palavras, nem todo opositor do PT é um fascista convicto ou um obscurantista cristão. Em nome da honestidade intelectual, é preciso reconhecer que há, sim, massa crítica e inteligente no front dos que advogam a abreviação do mandato de Dilma.
Porém, num sistema político completamente apodrecido por legendas de aluguel, em que a coalização e o fisiologismo são imperativos em nome da governabilidade, a derrubada de um governo ainda identificado com valores de esquerda traz um componente simbólico que não pode ser subestimado.

Portanto, o que está em jogo não é apenas o retorno da política econômica que reabilita o livre mercado e abre os dedos da mão pesada do Estado para salvar a combalida economia brasileira.
Na baciada das reformas econômicas liberalizantes também estão embutidas reações a “ideologias esquerdistas”, o que representa um grave retrocesso na pauta dos direitos humanos e das liberdades individuais.

As principais vítimas são os movimentos sociais de negros, de mulheres e de LGBTs. Não à toa, os ministérios construídos pelo governo do PT para cuidar especificamente dessas causas devem ser os primeiros a sumir do novo mapa do Planalto.

Os advogados do diabo podem até rebater: o PSC de Marco Feliciano já fez parte da base aliada do primeiro governo Dilma. Aliás, a presidenta até renegou a discussão sobre direito ao aborto – bandeira histórica das esquerdas – para se eleger em 2010. De fato, tudo isso é verdade. A era petista nem de longe foi o paraíso prometido aos movimentos sociais que sempre lhe deram sustentação.
Porém, ao mesmo tempo, não é segredo para ninguém que o PT jamais se bicou com Bolsonaro, Feliciano e companhia limitada. No frigir dos ovos, as gestões de Lula e Dilma foram mais simpáticas aos movimentos progressistas do que aos conservadores.

O sequestro do debate político por dogmas religiosos e valores conversadores é um efeito colateral inevitável do impeachment – queiram ou não os defensores mais bem intencionados do impeachment da presidenta.
Talvez, num futuro não muito distante, eles se deem conta de que a vida não se resume a um extrato de conta bancária. Ela é vivida no dia-a-dia das escolas que silenciam sobre a homofobia, nos hospitais que não salvam a vida de mulheres vítimas de abortos clandestinos, nas batidas policiais e nas penitenciárias superlotadas que têm cota preferencial para negros.

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