"Uma das características dos midiotas – aqueles cidadãos que se orgulham do pouco que sabem, e buscam consolidar sua ignorância em textos da imprensa – é acreditar em soluções mágicas para problemas complexos. A proposta de criminalizar a adolescência é parte desse rol de crenças, que, em grande medida, inclui ainda a convicção de que a pena de morte seria adequada para a redução da violência."
MAIORIDADE PENAL
Um grande passo atrás
Por Luciano Martins Costa em 01/04/2015 na edição 844 do Observatório da Imprensa
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 1/4/2015
Os jornais destacam, nas edições de quarta-feira (1/4), a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, da proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. As reportagens registram que a iniciativa foi apoiada majoritariamente pelos principais partidos da oposição – PSDB, DEM e Solidariedade – com adesão da maior parte da bancada do PMDB, que oficialmente ainda integra a aliança governista.
A primeira página do Estado de S. Paulo reflete não apenas o perfil típico do Congresso, tomado pelo obscurantismo – com grande número de parlamentares comprometidos com agendas reacionárias –, mas revela principalmente o caráter conservador que vem dominando a própria imprensa brasileira. A escolha editorial de completar o relato factual da decisão parlamentar com dois quadrinhos de texto, um a favor da proposta e outro contrário, é indicador da pobreza de raciocínio que orienta a mídia tradicional.
Uma das características dos midiotas – aqueles cidadãos que se orgulham do pouco que sabem, e buscam consolidar sua ignorância em textos da imprensa – é acreditar em soluções mágicas para problemas complexos. A proposta de criminalizar a adolescência é parte desse rol de crenças, que, em grande medida, inclui ainda a convicção de que a pena de morte seria adequada para a redução da violência.
O problema se torna uma questão de interesse nacional quando uma parte significativa do Congresso Nacional parece atacada da mesma síndrome, e a imprensa finge que uma questão como essa tem apenas dois lados.
O fato de a proposta de redução da maioridade penal ter partido de integrantes da chamada “bancada da bala” precisa ser destacado para lembrar que esse conjunto de parlamentares representa um resquício do que houve de mais deletério no período da ditadura militar. A eles se juntam líderes de seitas religiosas conhecidos pela similaridade com os grupos de militantes que pelo mundo afora são chamados, de modo tão genérico quanto equivocado, de “fundamentalistas”. Mas indivíduos que pregam a lei de talião, ou da retaliação, não podem ser chamados, como costuma dizer a imprensa, de “cristãos fundamentalistas”.
Os “humanos direitos”
Escudados na religião, recortam seletivamente os textos que os cristãos consideram sagrados para criar uma versão comercial do Evangelho. A esses personagens horroriza tudo que se refere aos direitos humanos, ainda que eles atuem na fronteira de tolerância da democracia, ou seja, agem constantemente contra a própria democracia – e, por extensão, contra seus próprios direitos. Entre as pérolas declamadas por esses atores e seus acólitos, em discursos na tribuna ou nas redes sociais, citam uma suposta contradição entre os “direitos humanos” e os “humanos direitos”.
A imbecilidade é uma debilidade mental que se caracteriza pela dificuldade do indivíduo em definir o território em que sua singularidade se mescla ao campo social. Assim, o midiota – expressão do imbecil em sua relação com o ambiente midiático – julga-se diferenciado da humanidade por ser, segundo seu próprio arbítrio, um ser humano “direito”, portanto, superior aos demais. Faltou a ele dar o passo definidor do processo civilizatório, entre o “eu” e o “outro”.
Pois é para esse cidadão sem cidadania que legisla a Câmara, ao admitir uma mudança na Constituição para criminalizar a adolescência. No entender dos parlamentares que votaram pela proposta, uma sociedade ideal deve armar seus cidadãos e estabelecer a punição como princípio basilar na relação entre o Estado e a sociedade.
Mas esses parlamentares não ganhariam um mandato se não tivessem sua popularidade amplificada pela mídia – em alguns casos, atuando como radialistas ou participantes de programas populares de televisão, em outros pregando sua visão de mundo retrógrada sob o manto da religião, e quase sempre ganhando espaços nobres para suas patacoadas maniqueístas.
A chamada mídia tradicional, aquela que precisa manter ao menos uma imagem de compromisso com o processo civilizatório e a modernidade, trata como iguais duas visões de mundo antagônicas e inconciliáveis. Uma delas puxa a sociedade para baixo, para o conflito, a intolerância e a barbárie. A outra luta desesperadamente para preservar e fazer avançar o que foi conquistado até aqui de civilizado no período que se sucedeu às trevas da ditadura militar.
Por que a imprensa não se engaja integralmente no campo democrático e progressista? Porque é entre os midiotas reacionários que encontra as bases de sua ação política.
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