sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Xadrez do Exército e da tentativa explícita de golpe, por Luis Nassif

 

Leniência com baderneiros permitiu que a serpente colocasse a cabeça para fora. Expôs de maneira inédita militares golpistas



Peça 1 – a estrutura do golpe


O golpe foi meticulosamente armado, porque com extensão nacional e mantendo o mesmo modelo em todos os estados. O golpe consistiu no seguinte:

  • Cooptação de militares – Montagem de acampamentos golpistas em áreas do Exército, com participação de famílias, idosos e aposentados. A seleção se deu por duas razões objetivas: oferecer blindagem da ocupação contra eventuais ações das prefeituras municipais, já que eram áreas militares; facilitar a participação de familiares de militares, sensibilizando os militares a aderir ao golpe – típica manobra de guerra híbrida. Militares atuaram também nos edifícios invadidos, para impedir a captura dos baderneiros e a entrada da Polícia Militar nos acampamentos, ou orientando os invasores do Palácio a fugirem. Em São Paulo, o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas segurou a remoção do acampamento em frente aos quartéis, até que os integrantes pudessem sair sem serem fichados.
  • Militares bolsonaristas – Várias manifestações de militares bolsonaristas, visando manter a vigília até o momento do golpe. Há vídeos mostrando o general Braga Netto e o próprio Bolsonaro criando expectativas.
  • Empresários – Financiamento das ocupações. De cidades do interior às capitais, o modelo era o mesmo, com banheiros químicos e esquemas de alimentação. As investigações certamente irão bater na barra pesada dos ruralistas, dos Clubes de Atiradores e Caça (CACs), mineradores clandestinos e empresários municipais. Enfim, os atores do que se sabia ser um governo de milicianos.
  • Acampados – Convocaram-se famílias, aposentados, idosos em geral, familiares de militares, visando sensibilizar as tropas nos quartéis. Manteve-se esse clima até a invasão, com a intenção de quebrar as noções de hierarquia e conseguir a adesão para o golpe. Típica manobra de guerra híbrida.
  • Invasores – Houve uma mescla covarde de famílias, com idosos e crianças, servindo de blindagem a baderneiros, o lumpen de várias cidades, todos confiando que o Exército iria garantir a invasão. Some-se a articulação do Secretário de Segurança do GDF, Anderson Torres, com o governador Ibaneis Rocha. Torres viajou de férias. Como poderia ter férias se havia assumido o cargo há poucos dias sem cumprir o interstício legal de 360 dias para gozar o direito? Chama atenção a completa irresponsabilidade de alguns militares com seus próprios familiares, colocando-os nas linhas de frente, correndo o risco de serem marcados como terroristas. Depois, quando chegou a PM, houve a ação desesperada de coronéis, tentando evacuar os baderneiros.
  • Os guardiões dos templos – Finalmente, a cooptação dos militares incumbidos da defesa do Palácio do Planalto, deixando-o totalmente desguarnecido.
  • Os estrategistas – É evidente que o planejamento foi militar, a começar da montagem nacional de acampamentos em áreas militares, com familiares chamando os parentes para o golpe, a concatenação da invasão com o desmonte da PM de Brasília e da defesa do Palácio do Planalto.

Peça 2 – a resistência democrática

A leniência com os baderneiros permitiu que a serpente do golpismo colocasse a cabeça para fora da toca. Inclusive expôs de maneira inédita parte dos militares golpistas. Inaugura, também, uma nova era política – que alguns analistas estão batizando de governo Lula 4.

Nosso colunista Luiz Alberto Melchert levanta um ponto relevante para organizar a política dos novos tempos:

“Assim como a direita usa a figura do comunismo para catalisar a população em torno dos seus interesses, nós temos de usar a destruição para catalisar a população contra a extrema-direita. Assumir um inimigo é que tem mantido os Estados Unidos coesos. Primeiro foi a União Soviética, depois os árabes, hoje a China. 

Sem um inimigo real ou imaginário, o sistema não se sustenta. A tentativa de golpe e a destruição devem estar sempre na argumentação dos democratas para servir de vacina, que não dura mais de um ano. Os escândalos a serem descobertos precisam ser servidos um a um, sempre com 8 de janeiro como molho”.

De fato, o vandalismo produziu uma união inédita entre todos os poderes, partidos políticos e mídia, desmontou o esquema de acampamentos, enfraqueceu eventuais propósitos golpistas das Forças Armadas e transformou o bolsonarismo, definitivamente, em inimigo da democracia. A ordem de prisão de Anderson Torres – por causa mais que justificada – abre espaço para uma ofensiva sem precedentes contra a estrutura miliciana montada pelos Bolsonaros.

Haverá farto material, tanto nos celulares dos invasores quanto nos dos 8 baderneiros que provocaram incêndios em Brasília anteriormente. Alexandre Morais autorizou a Polícia Federal a quebrar o sigilo telefônico não apenas deles, mas de todas as pessoas que mantiveram contato telefônico com os terroristas. Dificilmente o Gabinete do Òdio e a família Bolsonaro escaparão desse escrutínio.

Em suma, foi uma operação tão Tabajara que suscitou em alguns adeptos da teoria da conspiração a tese de que houve uma Revolução Colorida às avessas visando desmontar a ultra-direita brasileira. Bolsonaro é tão sem-noção que chegou a publicar um tuite questionando novamente as eleições, apagando-a em seguida.

Peça 3 – os rachas na frente

Passado o impacto do episódio, se entrará no mundo real, com as diferenças que marcam o grande arco de alianças, especialmente em relação aos temas econômicos.

De qualquer modo, os episódios reforçam a necessidade de Lula assumir medidas que aliviem o peso da crise econômica sobre a população.

Ainda é cedo para saber quando e como serão recebidas as propostas de incluir os ricos no Imposto de Renda e os pobres no orçamento.

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