O filme está ótimo, com toda a dor do momento histórico, retratada com sensibilidade e contenção. Mas a repercussão está melhor ainda. Firma-se o cinema nacional internacionalmente, depois de um período de descaso no desgoverno anterior, e estamos mostrando uma brasilidade no que tem de melhor para o público internacional, com toda a campanha feita pela esquipe, mas sobretudo com Fernanda Torres. Está desenvolta, bonita, com falas precisas e originais e sempre politizadas.
Do Jornal GGN:
Ainda estamos aqui!
por Dora Incontri
Neste domingo próximo, teremos a premiação do Oscar e o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, com Fernanda Torres e Selton Mello, inspirado do livro de Marcelo Rubens Paiva, está indicado para três prêmios: de melhor atriz, de melhor filme e melhor filme estrangeiro. Há uma torcida entusiástica nas redes sociais para emplacarmos esses prêmios e penso que, principalmente, o de melhor atriz para Fernanda Torres.
O filme está ótimo, com toda a dor do momento histórico, retratada com sensibilidade e contenção. Mas a repercussão está melhor ainda. Firma-se o cinema nacional internacionalmente, depois de um período de descaso no desgoverno anterior, e estamos mostrando uma brasilidade no que tem de melhor para o público internacional, com toda a campanha feita pela esquipe, mas sobretudo com Fernanda Torres. Está desenvolta, bonita, com falas precisas e originais e sempre politizadas.
Afinal, exibir um filme passado durante a ditadura militar, em plena era Trump, com a ascensão da extrema direita e já ter sido premiada com o Globo de Ouro e ter sido indicada ao Oscar, já é uma glória. Fernanda não tem economizado palavras, com toda a simpatia herdada da mãe, contextualizando o caso de Rubens Paiva e o ativismo de Eunice Paiva numa ditadura que foi promovida e apoiada pelos Estados Unidos, durante a Guerra Fria.
Mede-se a importância desse filme estar sendo um sucesso de bilheteria no Brasil e assistido por muita gente nos EUA e na Europa, pela cada vez maior movimentação de movimentos nazifascistas no mundo e em entre nós.
É um filme que deveria ser passado nas escolas. Como já contei aqui nesta coluna, quando morei na Alemanha, na minha adolescência, na década de 70, durante a vigência da social-democracia do SPD (Partido Social Democrata), ainda não tão rendido ao neoliberalismo, havia propaganda antinazista nas escolas, com filmes, documentários, palestras, livros de história crítica. É o que deveríamos fazer aqui em relação à longa história de golpes e ditaduras no Brasil, como um antídoto à renovada adesão das massas a tendências autoritárias. Claro está, com o recente crescimento da extrema direita na Alemanha que, ou esses programas escolares foram descontinuados, aliás, com o rebaixamento do ensino que se deu nas últimas décadas no mundo ocidental, e ou, ao mesmo tempo, houve a captura das novas gerações pela mídia digital, que manipula gostosamente o povo do planeta no rumo do radicalismo de direita. Aliás, a melhora do desempenho do partido Die Linke (A esquerda), deve-se ao dinamismo e ao discurso ágil e fortemente presente nas redes de Heidi Reichinnek, que conseguiu atingir os jovens.
Apesar dos méritos do filme e da sua relevância neste momento histórico, há grupos que se queixam e tecem críticas – aliás muito elegantemente respondidas por Marcelo Paiva durante a Roda Vida de que participou recentemente. É que se trata da história de uma família branca de classe média e, segundo essas críticas, não há a menção de que a ditadura que se tinha na época continua existindo nas periferias brasileiras, com a morte sistemática de jovens negros, com a presença opressora e repressora de todo um aparato policial (que agora será mais reforçado com a ampliação de poderes da Guarda Civil Municipal em São Paulo, que poderá prender em flagrante, fazer revistas, entrar em propriedades etc.).
É verdade que o filme não se estende a essa questão que, em nossa sociedade, ainda é a continuidade do período de escravidão, com o sistemático apartheid da população negra e periférica. Mas não era disso que se tratava. O livro de Marcelo Paiva e o filme de Walter Salles estão focados no relato de uma família que, embora branca e de classe média, sofreu com a ditadura de forma brutal, como tantas outras famílias sofreram. Não podemos menosprezar nenhuma dor, nenhuma luta, nenhuma forma de resistência, em que pese a profunda divisão de classes no Brasil.
Além disso, Eunice Paiva, a maior heroína do relato de Marcelo, que dedica o livro sobretudo à figura de sua mãe e de quem Fernanda Torres não se cansa de falar, depois da tragédia do desaparecimento de seu marido, tornou-se durante anos uma ativista dedicada à causa indígena, outra população que sofre segregação e genocídio, desde a vinda dos portugueses para o Brasil.
Por tudo isso, está valendo muito o filme, o seu sucesso, a sua divulgação no Brasil e no mundo e me permito torcer muito pelo Oscar. Afinal, serão os EUA premiando um filme que é uma crítica a tudo que apoiaram de mais tenebroso na história.
Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.
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