segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A fonte do ódio está na Elite e sua mentalidade exclusivista, por Jorge Alexandre Neves



Filhos da elite vêm facilitando não apenas a reprodução socioeconômica, mas também a transmissão intergeracional do ódio à igualdade.

A fonte do ódio

por Jorge Alexandre Neves, no GGN

Há quase um ano, em outra coluna minha aqui do GGN (1), eu mostrava um gráfico da evolução do IDH no Brasil e na Venezuela. No nosso caso, eu ressaltava que, a partir de 2016, entramos em um processo de estagnação de nosso desenvolvimento humano. O último resultado do IDH – referente aos dados de 2018 – confirmou essa avaliação, como bem demonstra o gráfico abaixo.
O gráfico acima mostra bem o sucesso do pacto social estabelecido pela CF-88. Todavia, revela também as consequências da ruptura desse pacto, a partir das grandes manifestações sociais de 2013 (2). Como eu já disse antes (3), uma importante parte da elite brasileira – marcadamente o estamento – cansou de brincar de socialdemocracia.
Vale ressaltar, contudo, que nossa elite está longe de ser monolítica. O estamento tem – até aqui – total apoio da mídia e da banca financista (além, muito claramente, do aparelho estatal estadunidense). A burguesia produtiva, por sua vez, não deve estar lá tão satisfeita. A vitória dos chineses no leilão de construção da ponte Salvador-Itaparica é um marco da destruição da competitividade da engenharia nacional, não apenas na África e em países da América Latina, mas no próprio Brasil, como bem ressaltou Nassif (4).
Adriano Servenkevics, do INEP e da USP, trouxe no seu twitter um gráfico (ver, abaixo) que representa uma eloquente e didática narrativa sobre a fonte do ódio que levou o estamento a promover o golpe de Estado que terminou por depor Dilma Rousseff da presidência da República e por encarcerar o ex-presidente Lula sem qualquer prova de que tenha cometido crimes. Não é à toa que a universidade se tornou a grande arena de conflito político, hoje, no Brasil.
O gráfico de Servenkevics mostra que a participação do quintil superior da renda no total de matrículas no nível universitário caiu de 76% para 39% em 20 anos (de 1995 a 2015). Mostra também que foi a partir do primeiro governo Lula (2003) que esse processo de transformação de consolidou (5). Esse processo levou a uma nova realidade, que defini assim (6):
“O estamento burocrático e profissional brasileiro passou a travar um conflito de status com os membros dos estratos socioeconômicos inferiores que jamais imaginou que precisaria enfrentar, até menos de duas décadas atrás.”
Para piorar as coisas, como ressaltei nas minhas duas últimas colunas (7), o estamento tem gasto fortunas com uma formação educacional em escolas privadas que não valem o quanto pesam. Aliás, o leitor Henrique Pacini colocou um comentário abaixo da minha última coluna que vale a pena ser reproduzido e discutido. Uma parte, em especial, me chamou a atenção:
“As escolas de nossa elite racista são caras para que os filhos dessa camada não se misturem com os pobres, pretos e pardos. Essa é a verdadeira “mercadoria” que vendem, mais significativa que uma ‘educação de qualidade’. Quanto à escola pública, apesar de iniciativas isoladas e meritórias, no Brasil existe como forma de ‘administrar’ a pobreza, mantendo sob controle os filhos da classe trabalhadora, para que possam minimamente seguir servindo à classe dominante. Trata-se, portanto, de questão cultural própria de uma sociedade de privilégios herdeira do escravismo.”
Pacini faz uma boa adaptação ao caso brasileiro da reflexão do sociólogo francês Pierre Bourdieu sobre “a distinção”. O que as análises sobre a diferença de resultados entre alunos de escolas públicas e privadas, no Brasil, mostram é que, do ponto de vista específico do desempenho educacional, não vale a pena o que se paga de mensalidade para as escolas particulares. O que faz com que as elites façam tais gastos, então? Uma das respostas diz respeito às redes sociais bem mais “sofisticadas” que se formam nos colégios privados (além do chamado “efeito dos pares”, que se dá sobre o desempenho educacional). A outra – que é justamente o que ressalta Pacini, no seu comentário – diz respeito à “distinção”. Essa é particularmente relevante para as famílias estamentais. Chama a atenção, contudo, que nossa “distinção” é fundamentalmente credencialista, pois, como mostrou Juliana Candian (8), aqui em terras tupiniquins o pertencimento à elite não representa uma distinção (clivagem) cultural tão clara como aquela observada por Bourdieu na França da década de 1970. Nossas elites são culturalmente onívoras. Nem para isso nossas escolas privadas prestam, não formam gostos culturais muito mais sofisticados. Todavia, servem para apartar e distinguir (através de credenciais) os filhos da elite – em particular, a estamental – dos que estão abaixo, facilitando assim não apenas a reprodução socioeconômica, mas também a transmissão intergeracional do ódio à igualdade.
Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
  • Candian, Juliana F. “Determinação de Gostos e Práticas Culturais: o caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte”. Belo Horizonte: UFMG (Monografia de Bacharelado em Ciências Sociais), 2006. [8]

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