quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Crônica (ansiosa) do WhatsApp, por Dora Incontri

 


É urgente que façamos uma contenção de horas no celular. Que baixemos a ansiedade com coisas reais, que nos abasteçam psiquicamente



Crônica (ansiosa) do WhatsApp

por Dora Incontri, no Jornal GGN

Enquanto escrevo este artigo, preciso decidir se silencio o WhatsApp, para me concentrar melhor. E se alguém próximo tem alguma urgência? E se uma pessoa ligada ao meu trabalho precisa me dar uma notícia? Silencio, mas fico olhando de vez em quando. Atenção dividida, concentração comprometida.

Mais tarde, olho as mensagens não lidas. Não consigo responder todas (algumas são de “bons dias com florezinhas”, mas de pessoas solitárias e queridas…). Respondo algumas e deixo outras para mais tarde. Mas elas vão para baixo e se perdem no meio do tsunami de outras mensagens. A culpa se instala, quando lembro horas ou dias depois de não ter respondido. Quando lembro. As pessoas se magoam, se sentem negligenciadas, abandonadas etc.

Mando uma mensagem importante para um grupo próximo. Nem um joinha. A maioria nem viu. Os que viram não responderam e não comentaram. Agora sou eu que fico chateada.

Envio uma carta para 50 pessoas (como fiz essa semana) a respeito de um convite importante – pessoas próximas e interessadas na causa em questão. Para a maioria precisei passar pelo menos duas ou três vezes, cobrando uma resposta de sim ou não. Depois de uma semana de insistência, a maioria respondeu, alguns nunca vão responder.

Estou vendo as mensagens das últimas horas e de repente, entra uma notificação do Instagram ou de algum jornal que sigo, com alguma notícia alarmante. Saio do WhatsApp e vou saber das tragédias que estão acontecendo no mundo. Deprimida ou indignada, me esqueço de voltar às mensagens. Constato dias depois, quando a pessoa me cobra, que havia escrito uma resposta, mas não foi enviada, porque saí às pressas do WhatsApp. Achava que tinha mandado. Ansiedade aumentando.

No meio da noite, que deixo desligadas as notificações, com exceções de pessoas muito próximas que podem precisar de mim, de repente ouço o tilintar das mensagens. Acordo assustada. Já aconteceu de ser coisa grave mesmo. Mas também já aconteceu de a pessoa achar que estou acordada ou não saber (ou lembrar) que tem esse status privilegiado no meu WhatsApp e mandar algo que poderia ser enviado no dia seguinte… e assim se vão horas de sono.

Esse breve relato mostra como vivemos sobressaltados, invadidos, ansiosos 24 horas por dia. Acrescente-se a isso a enxurrada de notícias (geralmente ruins), informações e apelos comerciais, que nos tomam a cada instante. E assim a ansiedade cresce, o sono se perturba, a memória se altera.

Ainda numa geração como a minha – 61 anos, quase 62 – temos uma formação, que nos garante o livro impresso, a concentração num trabalho, uma conversa em família ou com amigos, com o celular desligado. Mesmo assim, somos atravessados por essa dispersão perturbadora.

As gerações mais novas, que cresceram com o celular na mão, não conseguem mantê-lo à parte, num jantar de família, num estudo, numa tarefa qualquer.

Isso impacta igualmente a nossa capacidade de conexão interior, de elevação espiritual, numa prece, numa meditação, na participação de uma reunião religiosa… Ou ainda, a nossa capacidade de ler um livro, apreciar uma obra de arte (que não seja num ritmo alucinante e pesado). Ou seja, aquilo que poderia nos ajudar a abaixar a ansiedade, as novas gerações têm ainda mais dificuldade em acolher, justamente por essa invasão desordenada de apelos, que já fez parte de sua formação.

E nem vou me deter aqui nos exércitos de produtores de Fake News que formam redes de seguidores pelo WhatsApp e doutrinam multidões no mundo, que não querem ou não sabem se informar por jornais sérios, ou por uma leitura mais aprofundada da história.

O que fazer com tudo isso? As pessoas que se recusam a participar e nem instalam o WhatsApp (pode haver uma necessidade grave de saúde mental para isso) vivem alienadas e a mim me irritam, pela dificuldade de comunicação.

É urgente que façamos uma contenção de horas dedicadas ao celular. Que baixemos a ansiedade com coisas reais, concretas, que nos abasteçam psiquicamente: como toques físicos trocados entre pessoas queridas, leituras em papel, concertos tranquilos, exposições de arte, passeios no meio da natureza, almoços e jantares preparados e compartilhados amorosamente, momentos de oração individual ou coletiva.

Medidas urgentes precisam ser tomadas para nos livrarmos da drogadição das telas. Menos ansiedade e mais calma no dia a dia. E estou falando também para mim mesma!

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.


Um comentário:

  1. Amei o texto
    Não devemos esquecer que quase sempre a melhor comunicação é a que ocorre cara a cara.
    Gratidão

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