segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Uma entrevista com a filósofa Márcia Tiburi sobre “Como conversar com um fascista”. Por Nathali Macedo



Márcia Tiburi é a representação da mulher da Nova Era. Filósofa, artista plástica e escritora brasileira, é autora do livro Como conversar com um fascista, na lista dos mais vendidos de 2015.
Nenhum jargão pomposo, nenhum academicismo inútil, nenhum resquício da ideia de que a filosofia não pode empoderar aos leigos; Márcia confere à sua filosofia uma simplicidade que a torna genial.
Simpática e direta, ela me respondeu algumas perguntas sobre política, mídia e, é claro, a sua última publicação literária.
A entrevista de Márcia Tiburi com Nathali Macedo foi publicada no Diário do Centro do Mundo

1. Como surgiu a inspiração para “Como conversar com um fascista?
Márcia
A mentalidade autoritária que está na origem dos fascismos históricos sempre fez parte dos meus estudos, das aulas de filosofia, dos trabalhos acadêmicos em geral. Há bastante tempo que venho observando o afeto básico do autoritarismo, a saber, o ódio, como fenômeno social em nível cotidiano. Aquilo que os pensadores frankfurtianos, tais como Theodor Adorno, chamavam de “personalidade autoritária”, o “fascista em potencial”, erguia-se sobre o ódio.
A questão do autoritarismo perturba a todos aqueles que tem um senso de respeito ao outro e de responsabilidade com a sociedade democrática e os direitos fundamentais. O fascismo é o ódio ao outro – nas variadas formas de negação, repressão, recalque, esquecimento, preconceito, agressão, violência simbólica e física – transformado em norma política.
Na verdade, essa norma deforma a política e gera uma espécie de fenômeno paradoxal, a antipolítica. As pessoas vivem a política hoje em dia num clima antipolítico que é justamente gerado pelo ódio. Mas o ódio não é um afeto natural. Ele é produzido e fomentado. Ele é incentivado sobretudo pelos meios de comunicação que poderiam incentivar outros afetos, como, por exemplo, o amor. Não o fazem por que o “amor”, como afeto produtor de relações positivas e criativas, neste momento, não seria tão útil para os fins do jogo de interesses econômicos e políticos em vigência, ao qual damos o nome de capitalismo.
Escrevi esse livro a partir dessa percepção do avanço tanto dos gestos e atitudes de negação do outro quanto do medo à liberdade nos últimos tempos, justamente quando a crença geral era de que o Brasil estava para vivenciar uma espécie de renovação na sua cultura política.
2. “Como conversar com um fascista” foi aclamado pela crítica, mas houve também algumas análises negativas – talvez por parte dos próprios fascistas. Como você lida com isso? Costuma ler os comentários dos internautas?
Alguns gostam do livro, outros, como é natural, nem tanto. Fico feliz em saber que as pessoas estão lendo o livro, preocupadas ou, ao menos, interessadas com os temas desenvolvidos. Mas, o que chama atenção é o ódio que o livro desperta.
Algumas pessoas dirigem esse ódio contra mim, outros ao meu livro. Mas essas expressões de ódio não se constituem em análises do livro, trata-se apenas de xingamentos. Como qualquer xingamento, são coisas muito toscas e seu objetivo deve ser apenas a manutenção do ódio pela gritaria.
Mas quem lê um desses comentários lê todos, até porque reproduzem nessas “análises” os mesmos chavões vazios de significado que direcionam a tudo o que percebem como “progressista”, então, não se pode levar a sério. Nada mais do que a “gritaria” que o livro critica. Infelizmente, a grande maioria que age assim, não leu o livro. Essas pessoas se identificam com o “fascista” do título e simplesmente passam a odiar o livro. É terrível ver que pessoas que não leram o meu livro, o odeiam de antemão, não pelo livro, pois esse é o seu assunto e o seu sentido também está em denunciar esses afetos, mas porque odiar, para essas pessoas, é uma condição existencial, seu jeito de estar no mundo.
3. Não raro, o discurso de ódio – especialmente o discuso fascista – tem tomado o espaço das discussões políticas sadias no Brasil. A que você atribui isto? Há uma solução para a desconstrução desse hábito moderno?
Mais que um hábito, é um procedimento bem antigo. O poder nas suas diversas formas sempre se valeu do ódio, assim como se vale de diversos afetos. Lembremos de Maquiavel falando do amor e do medo ao príncipe. No entanto, não podemos colocar a culpa do que estamos experimentando politicamente no Brasil atual no ódio que é um afeto muito mais complexo e merece ser mais estudado.
O que precisamos analisar hoje é o uso do ódio para os fins do poder econômico. Como produzimos ódio? Como os detentores do poder econômico e do poder político manipulam o ódio? Como manipulam outros afetos? O ódio atual é o ódio útil. Ele serve para estimular o povo e assim usá-lo. Pense-se, por exemplo, no ódio estimulado pela “Bancada da bala” no Congresso Nacional, que faz com que direitos fundamentais sejam afastados em nome de promessas descumpridas de segurança.
Pense-se, também, no ódio promovido por extremistas religiosos a impedir que questões como o aborto sejam tratadas racionalmente. E usam esse ódio para quê? Como elemento estratégico a contribuir na realizaçao de projetos políticos. Sem o ódio não se poderia investir na orquestração de golpes contra a democracia. Isso ocorreu no Brasil em 1964, isso ocorre atualmente.
4. Há quem diga que a grande mídia – especialmente as grandes emissoras de TV – estão em franco declínio no Brasil, em decorrência da ascensão das WebTV’s e, principalmente, do levante popular contra a alienação midiática. Você concorda com isso? Como enxerga o futuro da televisão brasileira?
Quando a televisão surgiu levantou-se a ideia de que o cinema pudesse ser superado. Isso não aconteceu. Do mesmo modo que o livro digital não eliminou o livro de papel. Verdade que o códice eliminou o livro na forma de rolo. E o papel superou o pergaminho. Mas isso quer dizer apenas que, a prazos diversos, todas as tecnologias tendem a ser superadas. Quem ainda usa telefone com fio? Quem usa televisão sem controle remoto?
Com isso quero dizer que algo que é próprio da televisão será em grande medida superada. Não apenas tecnologicamente falando, mas também essa televisão aberta e hegemônica que é um órgão, um braço do poder.
Quando escrevi Olho de Vidro – A televisão e o estado de exceção da imagem (Record, 2011) eu sugeri que a televisão não é apenas um sistema empresarial-midiático, mas também um “campo”. A televisão é um registro estético e de conhecimento, mesmo que seja usada para promover a ignorância, o que ela não faz sem intenções políticas específicas. Assim podemos falar que as telas controlam e definem nossa relação com o conhecimento. E que o campo do “televisivo” ocupa nossas vidas de um modo absoluto.
O televisivo é um regime no qual estamos inseridos como seres controlados por mensagens e imagens na forma de mercadorias que estamos condenados a ver e que, por isso, orientam nossas vidas.
Tendo isso em vista, há muitas questões em jogo, éticas e estéticas, epistemológicas, sociais e políticas a serem pensadas.
Contudo, é certo que a historia da televisão está intimamente conectada à história da democracia atual e, neste sentido, é válido entender o que fizemos em termos de televisão e em termos de democracia até aqui para traçar uma perspectiva para o futuro.
Creio que a televisão hegemônica tende a perder seu espaço cada vez mais, do mesmo modo que o grande poder vem perdendo espaço para o poder exercido pelas minorias que é, na verdade, uma desconstrução do poder.
Verdade que, nessas horas em que se incrementam as práticas democráticas, o poder autoritário fica ainda mais autoritário por medo de perder seu espaço. Num futuro melhor, as pessoas criariam o seu próprio poder e a sua própria televisão. Tomar a televisão, ocupar seus espaços como fazemos hoje com a internet e o YouTube, Vimeo, etc. é o caminho da democracia.
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Nathali Macedo
Sobre o Autor
Colunista, autora do livro "As Mulheres que Possuo", feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua. Canta blues nas horas vagas.


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