"A melhor maneira que tem o homem para aperfeiçoar-se é aproximar-se de Deus".
"A Evolução é a Lei da Vida, o Número, a Lei do Cosmos e a Unidade é a Lei de Deus"
Pitágoras de Samos (570-497 a. C.)
Pitágoras: razão e sensibilidade como asas para a elevação da alma
Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Não há estudante secundarista que
não tenha tomado conhecimento do nome de Pitágoras. O famoso “teorema de
Pitágoras” tornou-se o fantasma de muitos alunos de matemática e instrumento
indispensável de arquitetos, engenheiros, astrônomos e físicos, por séculos.
Contudo, a contribuição e importância deste pensador ultrapassam em muito a
área da geometria, ainda que uma grande parte de, senão praticamente todo, seu pensamento esteja, hoje, intricadamente
mesclada à material posterior acrescentado ao núcleo original de sua obra, ou
invariavelmente perdido.
Além de geômetra,
Pitágoras também era filósofo, músico, místico e político e o impacto de sua
presença e ideias atingiu toda a Grécia clássica de fins do século VI a. C. até
a ruína do Império Romano do Ocidente. A admiração e importância de sua obra
pode ser avaliada pelo respeito que os pitagóricos obtiveram na antiguidade e
inícios da era cristã, e que pode ser testemunhada por filósofos e
historiadores de porte, como Diógenes Laércio, Platão, Aristóteles, Sêneca e
Plotino.
I – O homem
Infelizmente,
o que sabemos sobre Pitágoras enquanto indivíduo, é bastante fragmentário ou
envolto em meio a uma áurea talvez lendária, ao menos em parte. Mas esta “áurea
lendária”, por si, já aponta para o fato de que sua vida foi extraordinária e
motivo de admiração por parte dos contemporâneos e, ainda mais, de seus
discípulos. O movimento pitagórico permaneceu forte a atuante, intelectual e
politicamente, por ao menos três séculos após a morte de Pitágoras e seus
membros tinham um respeito e devoção quase religiosas por seu mestre. De
historicamente concreto podemos ter a certeza de que nasceu em Samos na segunda
metade do século VI antes de Cristo, tendo atingido o apogeu de sua vida
criativa e de ação por volta do ano 530 a. C, e morrido nas colônias gregas da
Itália no início do século V a. C.
Diógenes
Laércio, que foi, provavelmente, o mais conhecido dos biógrafos antigos de
Pitágoras – mas não o único -, deixou-nos um resumo de sua vida que é uma
pista, em pinceladas robustas, da dimensão do intelecto de Pitágoras e do
esforço que este fez, desde muito jovem, em se instruir e aprender, imergindo
nas fontes da filosofia, ciência e religião de mistérios gregos (especialmente
na escola órfica), de onde obteve estímulo e incentivo para ampliar
perspectivas, fazendo-se viajar por muito tempo para além das fronteiras da
Grécia.
Diz-nos
Diógenes Laércio que...
“Jovem e ávido de ciência, deixou a sua pátria e foi iniciado em todos
os ritos, escolas e mistérios, tanto gregos como bárbaros. Posteriormente, foi
para o Egito... Depois, ainda esteve entre os caldeus e magos do oriente.
Posteriormente, em Creta, com Epimênides, adentrou o retiro de Ida, mas no
Egito também adentrou nos santuários e muito aprendeu com os segredos da
teologia egípcia. Retornou, então, a Samos, mas, como encontrasse sua terra
natal sob a tirania de Polícrates, decidiu seguir para a Itália, em Crotona.
Ali, fundou uma comunidade e elaborou leis para os italianotas, assim
conseguindo grande estima e fama, junto com seus discípulos que, em cerca de
trezentos, administravam tão bem a coisa pública que seu governo foi quase uma
aristocracia” (adaptado de uma citação de Diógenes Laércio, contida em
Reale & Antiseri, 1991, História da Filosofia, Vol. I, p. 39, ed. Paulus, São Paulo).
Que
Pitágoras tenha viajado muito é bem possível, mas se estas viagens tiveram a
extensão espacial, temporal e – mais em
especial - em profundidade nas tradições sapienciais do oriente próximo e
médio, como citadas por Laércio bem depois dos fatos, é hoje objeto de alguma controvérsia,
a depender do posicionamento dos eruditos. Seja como for, é hoje um fato
reconhecido que, ao se estabelecer em Crotona, no sul da Itália, o filósofo
teve um impacto considerável na comunidade local – impacto que logo se estendeu
a outras colônias gregas do Mediterrâneo, em várias áreas, da ciência à
política.
II – As ideias
Os
alunos de Pitágoras, que viviam em comunidade, recebiam um ensino especial do
Mestre e eram estimulados a desenvolver em iguais proporções a razão e a
sensibilidade. Excesso de razão leva a um racionalismo frio, à arrogância e a meios de
justificação dos piores atos ( no que hoje podemos ver no pior da Modernidade
Mecanicista, calcada pela razão instrumental e impessoal), enquanto só a
sensibilidade exagerada leva ao excesso de sentimentalismo e à complacência
extremada. Razão sensível, voltada ao
crescimento pessoa e social, era o foco da comunidade pitagórica. Portanto, o
estudo da ciência e da música eram bastante cultivados na comunidade de Crotona,
assim como a poesia e – lógico – a filosofia. Este modelo foi posteriormente
copiado por Platão em sua Academia, e por Aristóteles, no Liceu.
O ensino cultivado
dentro da comunidade era restrito aos discípulos e noviços, sendo exigido
sigilo sobre os pontos mais aprofundados dos estudos discutidos. Para os de
fora, os discípulos eram instruídos a repassarem princípios simplificados, mais
de acordo com o nível ou grau de desenvolvimento cognitivo e intelectual dos
leigos (modelo também adotado por Platão e Plotino, séculos depois). O melhor
exemplo desta dupla característica do ensino de Pitágoras, esotérica para os
iniciados, e exotérica para os leigos, ficou melhor demonstrada no conceito de Reencarnação, adotada por Pitágoras.
Enquanto para os iniciados, a doutrina da reencarnação implicava a
possibilidade de desenvolvimento da alma – cujo processo seria mais ou menos
rápido a depender dos esforços da mesma em cada vida -, parece que o conceito,
para ser melhor gravado nas mentalidades mais rasas dos leigos de fora da
comunidade, acabou por tomar contornos mais disciplinares. Lembremos que os
ensinos da comunidade não eram repassados para os de fora e só muito tempo
depois é que alguns discípulos começaram a escrever algo sobre o que se
discutia nas reuniões dos alunos com os mestres.
Assim, a ideia da Reencarnação foi popularizada com uma
pintura mais dura no conceito menos avançado de Metempsicose, o conceito segundo o qual as almas – especialmente as
mais rudes ou que agiram mal – poderiam reencarnar não apenas em formas humanas
(veja-se o destaque) mas, se ainda não aprendessem ou melhorassem, poderiam
voltar em corpos de animais. Era uma imagem pesada, mas ajudava as pessoas a se
regrarem mais, quando a mera lógica da ética e da ideia de ação e reação não
parecia surtir efeito nas mentalidades mais infantis. Seja como for, existem
indícios de que Pitágoras dizia lembrar-se de várias vidas anteriores, sempre
em formas humanas. O fato é que para
Pitágoras (assim como para o orfismo e várias das religiões do oriente), o
objetivo da vida é o aperfeiçoamento da alma até o ponto em que esta não
precise mais voltar ao mundo terreno. Neste aperfeiçoamento, o desenvolvimento
intelectual, afetivo e moral deve ser harmônico, equilibrado e constante e a
melhor maneira para tanto é o estudo, a reflexão e o convívio com seus
semelhantes, aprendendo e ensinando, além de partilhando.
Coube também a
Pitágoras e seus discípulos o reconhecimento da ordem na natureza ( significado
da palavra grega Kósmos). Como vários
dos mais importantes fenômenos naturais possuem uma periodicidade (as estações
do ano, os ciclos de vida, dia e noite, etc.) e são proporcionais ou possuem relações
entre si (dia-noite, claro-escuro, par e ímpar, macho e fêmea, as notas
musicais, as relações harmônicas, etc), Pitágoras intuiu que a ordem que vemos
segue os parâmetros de uma ordem implicada, mais perfeita (por exemplo, a
harmonia entre os corpos celestes, que ele chamava “harmonia das esferas”) e
que, como podem ser representadas matematicamente, toda a ordem visível é
expressão de uma matemática divina. Daí a ênfase (para nós, bem distante no
tempo, aparentemente exagerada) de Pitágoras nas relações numéricas: estas
podiam representar a divina proporção oculta (ou nem tanto) nas coisas. Para
isso, além da geometria, contribuiu grandemente os estudos de Pitágoras com a
música: as notas de uma escala são padrões numéricos e frequências em números
precisos (relações entre a oitava, a quarta, a quinta, etc., que estabelecem os
graus da escala musical).
O avanço dos
discípulos nas comunidades pitagóricas (assim como ocorria também com as
órficas) ficou patente quando estes começaram a assumir funções na
administração pública, promovendo avanços sociais variados e menos práticas
coronelistas. O foco estava no correto agir, não só individualmente, mas também
socialmente – objetivo coerente e resultante da filosofia da comunidade de purificação
e libertação da alma. Não demorou muito para que – como sempre ocorre quando
novas ideias surgem promovendo maior justiça e equidade – a classe tradicional começasse a odiar Pitágoras e seus
discípulos. O fato é que alguns “coronéis” e membros da “Casa Grande”
tradicional de Crotona, querendo reaver o poder que tinham, acabariam por
incendiar a comunidade de Pitágoras. Segundo algumas fontes, fora assim que o
Mestre acabou por morrer, assassinado pelos conservadores (imaginem o quanto
mais intensa teria sido a perseguição se nesta época houvesse uma mídia com as suas Globo e a Veja influindo e manipulando acríticos superficiais....), mas outras fontes
dizem que Pitágoras teria conseguido escapar à tentativa de assassinato,
morrendo algum tempo depois.
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