domingo, 6 de dezembro de 2015

“Ninguém pode ficar nas mãos de um chantagista (Eduardo Cunha)”, diz o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, Cláudio Couto


Em entrevista exclusiva à Agência Pública, Couto avalia que, se a tramitação do pedido fosse iniciada hoje, seria improvável a saída da presidente. Ele afirma que a decisão de partir para o confronto com o deputado, tomada por Dilma e pelo PT, foi uma estratégia acertada para mostrar que o governo não se submeteu a uma chantagem.



por Tatiana Farah - Agência Pública
Para o cientista político e professor da FGV, apesar do cenário de crise, o momento é mais favorável à presidente Dilma Rousseff do que ao pedido de impeachment aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Em entrevista exclusiva à Agência Pública, Couto avalia que, se a tramitação do pedido fosse iniciada hoje, seria improvável a saída da presidente. Ele afirma que a decisão de partir para o confronto com o deputado, tomada por Dilma e pelo PT, foi uma estratégia acertada para mostrar que o governo não se submeteu a uma chantagem.
Como o sr. vê a proposta de impeachment encaminhada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ)?
Há vários aspectos a serem considerados. O primeiro é o questionamento da legitimidade do aceite desse processo tendo em vista que Cunha se utiliza do cargo em benefício próprio para se proteger e retaliar seus desafetos. O segundo tipo de questionamento é formal, jurídico também.
Hoje, aqui, eu faria uma aposta de 80 a 20: 80% para não ter o impeachment 
Diz respeito ao seguinte: o tipo de transgressão que a presidente Dilma Rousseff porventura tenha cometido neste ano, dos decretos relativos à meta fiscal, pode ser passível de algum tipo de punição mas necessariamente não é enquadrado como crime de responsabilidade. Uma coisa é a presidente se tornar inelegível; outra coisa é ela ser considerada autora de crime de responsabilidade de modo a justificar o seu impeachment. E mais: a aprovação da nova meta fiscal agora de uma maneira corrige o problema dos decretos. O terceiro ponto é que o pedido tem de passar pela comissão e, se o governo obtiver maioria para derrubar o parecer já na comissão, o caso morre aí. Se ele passa na comissão e vai a plenário, eu acho que hoje, apesar de todas as dificuldades do governo, acho improvável que o governo não tenha pelo menos um terço dos deputados para se manter.
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O sr. considera o impeachment, então, improvável?
Acho que, apesar de todos os problemas, impeachment ainda é um desfecho improvável. Hoje, aqui, eu faria uma aposta de 80 a 20: 80% para não ter o impeachment. Claro que o cenário pode mudar, novos elementos podem aparecer; mas, pelo que se tem até agora, acho difícil que esse processo prospere.
A presidente Dilma e todo o PT querem que aconteça imediatamente. Isso pode ser um tiro no pé ou é a melhor saída para o governo. A argumentação de Dilma e do PT é que se o processo se estender o país vai se arruinar.
Acho um argumento correto, de que você não pode prolongar um processo desse tipo por muito tempo. Fica uma indefinição, ninguém sabe se o governo vai, se fica, e isso prejudica tudo, investimentos, negociações políticas. É claro que o governo tem de apostar em uma aceleração do processo. A questão é o que o governo vai fazer para isso. A presidente pode eventualmente convocar o Congresso no recesso para deliberar sobre isso. Seria um ato bastante ousado da presidente, em que ela mostra que quer encarar o problema, o que pode ser um elemento de fortalecimento. O outro lado da moeda é que pode azedar as relações com o Congresso mais ainda. Se ela convocar, não pode fazer isso unilateralmente: tem que primeiro conversar com os parlamentares, negociando essa convocação.
Para o sr. está claro que a aceitação do pedido de impeachment foi um ato de retaliação de Cunha contra o governo?
Não tenho dúvida sobre isso. Para mim, é tão claro quanto que o sol nasce todos os dias.
A presidente Dilma, ao falar do impeachment, disse que não era ela que tinha conta na Suíça, se referindo ao Eduardo Cunha. O sr. acha que há uma questão moral que pode afetar o processo tanto no Congresso quanto na opinião pública?
Evidentemente, se ter o Cunha como inimigo é ruim, pelo fato de que é um político terrível, agressivo, vingativo, chantagista e não tem escrúpulo para fazer o que for necessário para não só se proteger ou para prejudicar o adversário e é poderoso, com muito apoio na Câmara, por outro lado, ninguém consegue, impunemente, dizer que é aliado de Cunha. Fora o Paulinho da Força (SD-SP), que não teme esse desgaste, é difícil alguém entrar nessa. Então, se apresentar como inimigo do Cunha é um trunfo. O governo mostra que “se ele está contra mim, alguma coisa de boa eu devo ter”.
Mas essa estratégia do PT e do governo de confronto com Cunha é correta neste momento ou é uma estratégia de risco?
Neste momento é o correto. O errado foi no começo do ano, na eleição da Câmara. Ali era hora de se compor com Cunha. Mas agora é hora de bater. Ninguém pode ficar na mão de um chantagista. Portanto, recusar a chantagem e pagar para ver é algo que o governo tem de fazer nessa hora. Se não, ele fica vendido o tempo todo.
Recusar a chantagem e pagar para ver é algo que o governo tem de fazer nessa hora. Se não, ele fica vendido o tempo todo
Como fica o PSDB endossando uma proposta do Cunha?
O PSDB tem de fazer um discurso de que o fato de Cunha ter dado o encaminhamento ao impeachment, por ser o presidente da Casa, não deslegitima o processo em si. Do ponto de vista procedimental, é um argumento correto. Agora, para que não pareça que o partido está do mesmo lado de um facínora como o Cunha, o PSDB tem de pedir junto, e com muita ênfase também, a cabeça do Cunha para mostrar que, na realidade, “pau que bate em Chico bate em Francisco”. Não é por que o PSDB é contra o governo que ele não vai ser contra o Cunha. Ao fazer isso, ele ganha legitimidade.
O sr. acredita que as manifestações contra o governo, do começo do ano, vão se repetir e se ampliar?
Olha, elas têm agora um motivo que não tinham antes, que é o andamento do processo. Se elas têm fôlego, é uma outra história. Eu entendo que houve uma certa perda de fôlego das manifestações. É claro que essa mobilização pode voltar a se constituir, dependendo das denúncias que aparecerem, se for algo que chegue mais perto da presidente ou algo como “ela sabia de algum tipo de transgressão”. Porque elas já foram perdendo força e as redes sociais, é claro, vão mostrar fotos do Kim Kataguiri (líder do Movimento Brasil Livre, que impulsionou os protestos anti-Dilma) ao lado do Cunha…
Essa aproximação com o Cunha, assim como a de movimentos de extrema direita, fez com que as manifestações dessem uma arrefecida?
Acho que ajudou. São os black blocs da direita. Os black blocs da esquerda atrapalharam muito as manifestações de junho de 2013. Esses caras que agora pedem o golpe militar ou coisas assim atrapalham o atual movimento. São aliados incômodos.
O PSDB tem de pedir junto, e com muita ênfase também, a cabeça do Cunha
E os movimentos sociais? O sr. acredita que eles vão para a rua mesmo desiludidos com com Dilma, com o que ela prometeu e não cumpriu?
Acredito, mas pode ser também não tão forte como se precisa. O momento é mais favorável a Dilma, neste momento, do que à oposição. De alguma forma o enfraquecimento de Cunha lhe favoreceu. E o Alckmin (governador de São Paulo, do PSDB) deu uma forcinha também. Ele conseguiu de alguma maneira acender o rastilho dos movimentos à esquerda do PSDB.
Com o protesto dos estudantes contra o fechamento de escolas?
Exatamente. O protesto dos estudantes desloca um pouco o eixo das manifestações para a esquerda. Não quer dizer que seja um movimento de esquerda, mas é um movimento à esquerda do que vinha sendo o movimento anti-Dilma, o que equilibra um pouco o jogo. O Alckmin, sem trocadilho maldoso, fez chover na horta dos movimentos de esquerda.

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