quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A lei e os dramas humanos:angústias de um verdadeiro magistrado. Texto de João Batista Herkenhoff, com introdução de Leonardo Boff



"Meu caminho, nas sendas do Direito, foi marcado de sofrimento em razão de conflitos íntimos.
Sempre aprendi que o juiz está submetido à lei. E continuo seguro de que este princípio é verdadeiro. Abolíssemos a lei como limitação do poder e estaria instaurado o regime do arbítrio."


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I- Introdução de Leonardo Boff

João Batista Herkenhoff do Espírito Santo é um conhecido magistrado, grande defensor dos direitos humanos, especialmente em tempos sombrios de nossa história e escritor nos mostra aqui com sinceridade as angústias de um magistrado que sabe distinguir o que é a lei, o que é o direito e o que é a justiça. E mostra as angústias de um juiz quando deve decidir, especialmente, quando se depara com situações complexas, sabendo dos dramas humanos aí subjacentes. Ele se mostra um pensador que vai além do estabelecido e sabe interpretar o espírito do direito e os limites da lei em função de realizar o bem maior que é a justiça verdadeira. Em tempos como os nossos, quando cada um se tornou mais ou menos um advogado de uma ou de outra causa política, especialmente, quando vemos que autoridades se sobrepõe à própria ética jurídica e decidem por “convicções” ou passam por cima do pacto social estabelecido por toda uma sociedade que se expressa pela constituição.Então estamos a um passo da anomia e do puro arbítrio. Este texto nos revela o interior de um juiz sério e filosofante que toma absolutamente a sério sua função/missão não sem as angústias a que estão submetidos todos os seres humanos conscientes e responsáveis, também os juizes. Agradecemos a Herkenhoff por seus livros e pela sinceridade deste testemunho.  
II- Texto de J. B Herkenhoff
Em outros tempos o cidadão comum supunha que o território do Direito e da Justiça fosse cercado por um muro. Só os iniciados – os que tinham consentimento dos potentados – poderiam atravessar a muralha. O avanço da cidadania, a partir da Constituição de 1988, principalmente em razão do Movimento Constituinte que precedeu a votação da Constituição, modificou substancialmente este panorama.

O mundo do Direito não é apenas o mundo dos advogados e outros profissionais da seara jurídica. Todas as pessoas, de alguma forma, acabam envolvidas nisto que poderíamos chamar de “universo jurídico”. Daí a legitimidade da participação do povo nessa esfera da vida social.

Cidadãos ou profissionais, todos estamos dentro dessa nau. De minha parte foi como profissional que fiz a viagem. Comecei como advogado, integrei depois o Ministério Público. Após cumprir o rito de passagem, vim a ser Juiz de Direito porque a magistratura era mesmo o meu destino. Eu seria juiz no Espírito Santo, como juiz foi, em Pernambuco, meu avô – Pedro Carneiro Estellita Lins. Esse avô, estudioso e doce, exerceu tamanho fascínio sobre mim que determinou a escolha profissional que fiz.

Meu caminho, nas sendas do Direito, foi marcado de sofrimento em razão de conflitos íntimos.
Sempre aprendi que o juiz está submetido à lei. E continuo seguro de que este princípio é verdadeiro. Abolíssemos a lei como limitação do poder e estaria instaurado o regime do arbítrio.

Não obstante a aceitação de que o “regime de legalidade” é uma conquista do Direito e da Cultura, esta premissa não deve conduzir à conclusão de que os juízes devam devotar à lei um culto idólatra.

Uma coisa é a lei abstrata e geral. Outra coisa é o caso concreto, dentro do qual se situa a condição humana.
À face do caso concreto a difícil missão do juiz é trabalhar com a lei para que prevaleça a Justiça.
Não foram apenas os livros que me ensinaram esta lição, mas também a vida, a dramaticidade de muitas situações.
Há uma hierarquia de valores a ser observada.
Não é num passe de mágica que se faz a travessia da lei ao Direito. Muito pelo contrário, o caminho é difícil. Exige critério, sensibilidade e ampla cultura geral ao lado da cultura simplesmente jurídica.

O jurista não lida com pedras de um xadrez, mas com pessoas, dramas e angústias humanas. Não é através do manejo dos silogismos que se desvenda o Direito, tantas vezes escondido nas roupagens da lei. O olhar do verdadeiro jurista vai muito além dos silogismos.

Da mesma forma que os cidadãos em geral não podem fechar os olhos para as coisas do Direito, o estudioso do Direito não pode limitar-se ao estreito limite das questões jurídicas. O jurista que só conhece Direito acaba por ter do próprio Direito uma visão defeituosa e fragmentada.

Estamos num mundo de intercâmbio, diálogo, debate.

Se quisermos servir ao bem comum, contribuir com o nosso saber para o avanço da sociedade, impõe-se que abramos nosso espírito a uma curiosidade variada e universal.
João Baptista Herkenhoff Magistrado aposentado (ES) e escritor.
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
Homepage: http://www.palestrantededireito.com.br<http://www.palestrantededireito.com.br/&gt;

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