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terça-feira, 30 de outubro de 2018

A construção de uma Frente Ampla Democrática, porL.A.Gomez de Souza e apresentação de Leonardo Boff


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  "Não posso deixar de lembrar, no passado, dois momentos traumáticos para o país: a eleição de Jânio e sua vassoura e de Collor com a denúncia dos marajás, dois presidentes sem equilíbrio nem apoio político. Receberam o voto de setores de classe média, como agora, pendentes de um discurso anticorrupção. Uma ética necessária virava um moralismo simplificador e enganoso. Aliás, a falta de ética desses dois presidentes foi ficando evidente, na vida privada e pública. Estaremos repetindo o mesmo erro, com os mesmos apoios?" - Luis Alberto Gomez de Souza


Luiz Alberto Gomez de Souza é um dos nossos mais brilhantes intelectuais católicos. Militou nos movimentos universitários católicos. Exilou-se. Ao voltar, junto com o Betinho, se dedicou a um processo de conscientização da sociedade civil. Possui boa formação teológica, a ponto de a PUC-SP dar-lhe um doutor honoris causa em Ciências da Religião. Publicou vários livros importantes sobre a relação da Igreja em diálogo com o mundo moderno, sobre o Concílio Vaticano II e inumeráveis e excelentes artigos de reflexão política e ética. Trabalhou em vários organismos internacionais como a FAO e outros. No Brasil foi diretor do CERIS da CNBB e na Universidade Cândido Mendes coordenava um centro de altos estudos de diálogo fé e ciências. Publicamos este artigo por ser objetivo e por manter viva a esperança que nasce de uma espiritualidade de características evangélicas e cristãs. Leonardo Boff
Nas últimas semanas, vivemos um certo movimento de tomada de consciência cidadã. Houve como que um despertar de alguns setores da população, que se deram conta de um perigo iminente. É o que se chamou uma possível virada eleitoral. Expressiva nas grandes cidades, com pessoas de todas as idades, mas particularmente entre jovens e mulheres. Tempo curto, que não impediu a derrota de nosso candidato Haddad, mas que mostrou um movimento saudável na sociedade e que poderá servir para desenhar um caminho futuro. Pela rua, no momento da votação, aqui no Rio, havia um grande número de botons 13, de pessoas de uma alegria contagiante. Do outro lado, uma certa perplexidade, diante de uma vitória que já não parecia tão fragorosa. Mesmo assim, foi uma ampla maioria, de cerca de 12%. Em São Paulo, ela foi enorme. Ali nasceram PT e PSDB, assim como fortes movimentos sindicais. E agora é o centro do conservadorismo. Em plano nacional, em relação às últimas pesquisas, foi caindo a diferença entre os dois candidatos, mas não levou a uma inversão no resultado final. Há como que dois brasis, o do nordeste, onde ganhou Haddad e as outras regiões. Temos, neste momento, alguns ingredientes básicos com que preparar um programa de ação política para o futuro.
Não posso deixar de lembrar, no passado, dois momentos traumáticos para o país: a eleição de Jânio e sua vassoura e de Collor com a denúncia dos marajás, dois presidentes sem equilíbrio nem apoio político. Receberam o voto de setores de classe média, como agora, pendentes de um discurso anticorrupção. Uma ética necessária virava um moralismo simplificador e enganoso. Aliás, a falta de ética desses dois presidentes foi ficando evidente, na vida privada e pública. Estaremos repetindo o mesmo erro, com os mesmos apoios?
Bolsonaro aproveitou o terrível atentado para posar como vítima ou para eximir-se de debater e de apresentar um programa de governo minimamente coerente. E então, assim, jornalistas a soldo, se lançaram como abutres contra a dupla democrática. Lembremos a valentia de Manuela diante de perguntas mal intencionadas num programa roda viva. Ou no mesmo programa a clareza de estadista de Fernando Haddad. Antes, ele fora agredido com violência por uma dupla raivosa, que não fazia perguntas mas desfiava acusações sem prova.
Gostaria de refletir sobre o que está acontecendo no país. Vivemos um tempo de divisão profunda, marcada pela intolerância, e, inclusive há que dizer, com a contribuição apaixonada de companheiros de nosso lado. Famílias, amigos, colegas, entraram em choque e ficou difícil a convivência. A sociedade adoeceu. Como recuperar o que os ingleses chamam sanity? Há uma lição a tirar para nosso lado democrático. Não podemos cair na síndrome paralisante da decepção e da derrota. Mas, principalmente, não deveríamos reagir com agressividade e rancor, por mais que pudesse haver razão de sobra, ao descobrir um trabalho criminoso de falseamento da realidade e de construção de slogans absurdos.
O curioso é que muitos votaram em Bolsonaro em nome do novo na política. Incrível a falta de memória. Esse cidadão foi deputado em mais de uma legislatura, obscuro, imerso há tempos no grupo informe do chamado baixo clero. Apareceu para a opinião pública naquela noite lamentável, capitaneada vingativamente por Eduardo Cunha, no encaminhamento do impeachment de Dilma Rousseff. Ali, na sua declaração, fez uma incrível homenagem a um dos maiores torturadores dos tempos da ditadura. Procurando descobrir sua atuação nas votações na Câmara, vemos que estava sempre ao lado do chamado grupo da bala, daquele do boi e de um fundamentalismo religioso. Nada mais velho e caduco.
Assusta ver pessoas inteligentes e de boa vontade dizerem coisas insensatas e sem provas, afirmando que o país correria o risco de se tornar uma nova Venezuela, ou que seria invadido por médicos cubanos doutrinadores. Ou invocando um inexistente “kit gay”. Ao tentar desmanchar esses equívocos, muitas vezes nos temos deparado com um semblante rígido e inexpressivo, incapaz de entrar num contraditório. Fiéis de igrejas pentecostais votam no que os pastores ordenam, considerando que só eles dizem a verdade. O diálogo torna-se quase impossível.
Há dois tipos de eleitores bolsonarescos. Uns, que tem a mesma síndrome violenta do candidato e que agridem adversários, odeiam negros e gays ou são de um machismo espantoso. Aí, pelo momento, há pouco a fazer, a não ser denunciar uma síndrome de destruição, que surge em todos as ocasiões que viram nascer o nazismo e o fascismo. Temos de apelar aos psiquiatras e aos psicólogos e lembrar com eles, Karen Horney e sua mentalidade neurótica de nosso tempo, ou o medo da liberdade de Eric Fromm. Joel Birman tem desocultado com maestria essa enfermidade coletiva.
Mas há outra parte dos que votaram Bolsonaro, que absorveu acriticamente notícias falsas ou deturpadas, difundidas pelos meios de comunicação ou por púlpitos. Com esses temos de preparar o caminho para um diálogo. Há que provar que realmente aceitamos o pluralismo e que estamos dispostos inclusive a rever nossas próprias posições. Tudo num clima de abertura e de simplicidade. Habermas falava da força da argumentação, e ela vale nos dois sentidos.
É preciso aprender com a história, nas vitórias, e especialmente nas derrotas. O grande poeta Antonio Machado, em 1939 partindo para o exílio, onde morreria logo depois, escreveu melancolicamente: “A história não caminha no ritmo de nossa impaciência”. Mas a resposta vem mais adiante, em 1973, na intervenção pela radio Magallanes de Salvador Allende. Vendo os aviões voar baixinho para bombardear o Palácio da Moneda e ouvindo Allende despedir-se, baixou-nos num primeiro momento uma enorme tristeza e uma sensação de impotência. Porém disse o presidente: “Más temprano que tarde volverá el pueblo a las grandes alamedas… La historia es nuestra, la hacen los pueblos”. Suas palavras foram retiradas do ar pela fúria dos vencedores. Mas nos trouxeram alento e esperança.
Tempos depois da derrota, alguns partidos de diferentes tendências criaram a Concertação, que elegeria os primeiros presidentes democratas. Eu estava em Santiago mais adiante, voltei à Moneda restaurada, atravessei comovido o pátio de los naranjos, convidado para almoçar ali pelo secretário-geral da presidência, que voltara do exílio. E no canto da praça, um busto de Allende estava voltado para a janela de onde tantas vezes ele se dirigira a seu povo. Na base, trechos de sua última alocução. Mais tarde, quando Ricardo Lagos tomou posse como presidente democraticamente eleito, entrou pela porta da rua Morandé, por onde chegava Allende, e que tinha sido taipada pela ditadura, foi até a sala de onde ele se tirou a vida e depositou ali uma rosa vermelha. E o corpo de Allende voltou a Santiago, atravessou a Alameda Bernardo O’Higgins, onde um povo comovido o acolheu em silêncio.
Tudo isso para dizer que a história pode redimir-se de seus tropeços. Sentimos isso, fortemente, os que retornamos ao Brasil entre 1977 e 1979.
Volto à atualidade. Passada a eleição, é hora de preparar um novo processo. Não deveria ser possível ressuscitar velhos ajustes de contas, nem fazer cobranças, mas é indispensável lembrar fatos nem sempre agradáveis de ouvir. Aqui seria necessária uma grande abertura, grandeza e sentido uma revisão histórica positiva. Temos uma realidade complexa pela frente.
Criou-se, certamente construído em bases falsas, um clima antipetista violento. Porém o próprio partido não sai totalmente absolvido. Faz muitos anos, Tarso Genro, então presidente interino, propôs sua refundação, no tempo dos escândalos do mensalão. Não foi ouvido. Depois, vieram mais denúncias, infundadas ou não. Talvez por culpa de alguns dirigentes, o partido passou um ar de arrogância e de incapacidade para confessar falhas. E não se abriu a uma aliança, em igualdade de condições, com outros partidos e políticos. Por isso, num momento futuro, o PT não tem condições de ser o catalizador de uma nova aliança, mas certamente será um dos membros principais desse processo.
A construção de uma frente deveria ser fruto de uma concertação em várias direções, como no Chile. O PCdoB tem dado um exemplo, colocando-se disciplinadamente nas alianças. Manuela d’Ávila deu um lindo sinal de firmeza e de discreção. Flávio Dino, reeleito largamente no primeiro turno, entrou de cheio da campanha de Haddad, ele que, na primeira eleição, viu dirigentes petistas apoiarem Roseana Sarney, agora uma vez mais derrotada. O PSOL, que sai com uma expressiva votação em Marcelo Freixo, teria de abrir-se a alianças, o que não conseguira fazer na eleição municipal, que levou o incompetente Crivella à prefeitura carioca. Assim por diante, são lições a tirar, sem mágoas, mas sem esquecer a dureza implacável dos fatos.
Podemos elencar deputados eleitos, que podem ajudar a costurar essa grande aliança: Alessandro Molon, Paulo Teixeira, Luíza Erundina, Jandira Feghali, Jean Wyllys e tantos outros que talvez eu esteja esquecendo. Temos senadores como Paulo Paim ou Jacques Wagner. E inclusive políticos excelentes que foram varridos pelo tsunami eleitoral, como Eduardo Suplicy, Jorge Viana, Dilma Rousseff, à frente em sondagens no começo do período eleitoral ou outros com boas raízes, como Lindbergh Farias, Chico Alencar e Roberto Requião.
É de prever que o futuro governo poderá ser errático, entre militares nacionalistas e economistas privatistas, com um presidente meio perdido no meio. Medidas draconianas poderão fazer perder avanços históricos populares, nosso petróleo seguirá sendo rifado, como está fazendo este atual governo liliputiano. Poderão crescer setores de repressão, à sombra de uma nova doutrina de segurança nacional. O que parece provável é que, por um desgoverno, o presidente caia mais adiante, vítima de suas contradições e de sua incapacidade. Poderá haver pela frente o terrível risco de uma intervenção militar. Ou então, teríamos, por um tempo, uma ciranda de governos fracos. Sem uma reforma política – e este parlamento será capaz de fazê-la? – nos espera um futuro bastante incerto. A não ser que, lenta, mas firmemente, se vá afirmando a tão sonhada Frente Ampla Democrática, Popular e Nacional.
Escrevendo este texto, depois dos foguetes e dos gritos de vitória, saiu de uma janela vizinha a voz de Chico Buarque: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Assim seja.

Tempo de resistência, tempo de luta contra a barbárie, por Sergio da Motta e Albuquerque




   "Serão os membros da nova extrema-direita brasileira aceitos na comunidade internacional dos supremacistas brancos? Como será, se acontecer, a relação entre esses grupos? Enfrentamento? Dominação? Subordinação complementar?

   "A curiosidade e a ansiedade são grandes. Mas não há tempo para especulações, estupores, espantos ou fraqueza. Nem o merecido descanso, depois de tanto sofrimento nesta luta que agora, para muitos, parece inútil. Não é verdade. Há uma fera que anda solta no planeta, e a cena que se apresenta como futuro próximo assinala necessidade de luta. Não entender esta urgência significa pôr em risco a própria vida."



Tempo de luta, por Sergio da Motta e Albuquerque
atentado contra a Sinagoga em Pittysburg, Pensilvânia (27/10), perpetrado por um extremista da direita norte-americana, trouxe aos olhos do mundo os novos termos que definem o avanço da extrema-direita pelo mundo: ‘nacionalismo branco’ (“white nationalism”). Onze cidadãos de religião judaica foram mortos. O nacionalismo branco não é nazismo ou fascismo. Não pressupõe o mesmo controle sobre as grandes organizações sindicais, como faziam os regimes de Hitler e Mussolini. Em comum, todos esses movimentos têm o racismo.
Donald Trump, para  espanto de grande parte da imprensa e público americano, declarou-se “nacionalista”. O que o exclui do mundo neoliberal. Agora, as comunidades judaicas exigem que ele denuncie o “nacionalismo branco”, um tipo de doutrina fanática da direita assassina, que prega um nativismo belicoso. O extermínio dos “diferentes” e indesejáveis.
A imprensa ianque culpa a retórica de Trump pelos crimes de ódio nos Estados Unidos. O “Donald”, responde responsabilizando Hollywood, a imprensa e as “fake-news” pelo ódio e divisão nos Estado Unidos.. Diante dos repetidos ataques com armas de fogo praticados nas escolas norte-americanas por estudantes vítimas do ódio, ele propõe a resposta armada dos professores. Sua proposta deveria ser entendida, condenada e punida como administração irresponsável e criminosa. Ela expõe jovens e crianças a perigo de morte. Trump é um relapso. Ele repete os mesmos erros uma e outra vez. E tem a intenção de continuar a fazê-lo.
Aqui no Brasil, restam algumas considerações a fazer sobre o recente avanço da extrema-direita entre nós. Se nos Estados Unidos existe o “nacionalismo branco”, como se chama a nossa versão da extrema-direita nacionalista? Nacionalismo mestiço tupiniquim? Nativismo feito de ódio? Populações mais mestiçadas podem ser tão ou mais racistas que as mais homogêneas. Lembrem o Antigo Egito, com aquelas representações dos africanos da Núbia (hoje Sudão) – ajoelhados e atados pelo pescoço - escravizados pelos mestiços mais claros do Norte.
Serão os membros da nova extrema-direita brasileira aceitos na comunidade internacional dos supremacistas brancos? Como será, se acontecer, a relação entre esses grupos? Enfrentamento? Dominação? Subordinação complementar?
A curiosidade e a ansiedade são grandes. Mas não há tempo para especulações, estupores, espantos ou fraqueza. Nem o merecido descanso, depois de tanto sofrimento nesta luta que agora, para muitos, parece inútil. Não é verdade. Há uma fera que anda solta no planeta, e a cena que se apresenta como futuro próximo assinala necessidade de luta. Não entender esta urgência significa pôr em risco a própria vida.



Os inocentes de bem e a injustificabilidade do fascismo, por Eliseu Venturi, doutorando e mestre em Direitos Humanos e Democracia.


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“[...] o valor de verdade é inútil, tem sempre um duplo emprego; a verdade é o nome que nós damos às nossas opções, das quais não desistimos; se o fizéssemos, declararíamos decididamente que são falsas, tanto respeitamos a verdade; mesmo os nazistas a respeitavam, pois eles diziam que tinham razão: não diziam que estavam errados. Poderíamos ter respondido a eles que estavam enganados, mas para que serviria isso? Não estavam no mesmo comprimento de onda que nós, e, além disso, é platônico apontar como falsidade um tremor de terra”.  (VEYNE, Paul)

As tentativas de justificação do neofascismo e a “mea culpa” causal
Uma avalanche de elocuções de senso comum busca “explicar” o neofascismo, o que é compreensível pela velocidade do fenômeno, assim como, de modo mais deletério, tentam também “justificá-lo”.
Usam-se, propositadamente, os verbos entre aspas, primeiro, porque as “explicações” mencionadas não advém de estudos metodologicamente controlados, enquanto que as “justificativas”, ora foco deste texto, mostram-se simplesmente insustentáveis em todos os planos democráticos legítimos sobre os quais se possa abrir a questão.
Mescla de antirresistência com um confuso e generalizado sentimento de dever de “mea culpa”, termo viralizado para lamúrias que parecem deduzir algum dia ter havido governo perfeito, governo sem críticas ou possibilidade política irrepreensível no cooptado cadáver da “terrae brasilis”, tais justificativas apenas refletem uma insana busca de razões ao injustificável – no caso, o neofascismo.
Não há “mea culpa” porque não há apagamento, ou perdão, ou esquecimento, ou qualquer antecedente que se coligue à explicação ou justificação do subsequente que o seja “fascismo”. A questão não é se há sobre o que se autocriticar, ou mesmo sobre o que se pedir desculpas: isto, obviamente, há de sobre, por diversos agentes. O que não há é o nexo de causalidade mesmo para os efeitos que se pretende obter com tal enunciação. Fascismo não é política, é infrapolítico. Mal é discurso, é ajuntamento de palavras e ajuntamento de pessoas.
Injustificável, indesculpável, impassível de isenção de responsabilidade, inrreabilitável: impassível de inocência. Fascismo ou neofascismo não admitem tolerância, não admitem condescendência, não admitem desculpas, não se justificam nem eticamente, nem moralmente, nem juridicamente e, tampouco e muito menos, contingencialmente, como se tem pretendido, a quatro ventos, fundamentar. Nunca. De modo algum. E, sobretudo: por causalidade alguma.
Trata-se, então, de imprimir os mesmos efeitos do fascismo violento a esta oposição? De modo algum. A reduzir estes elementos a uma política de ódio? Também não. De compreender a intolerância democrática do mesmo modo que procede a intolerância fascista? Novamente, não. A cultura democrática possui seus pontos de intolerância no sentido de que estas práticas fascistas justamente não se albergam na legitimidade, posto que contrárias às bases da existência democrática, de modo que o efeito é sígnico: paira sobre esta intolerância a marca do ilegítimo, que antecede o ilegal, o inconstitucional e o inconvencional. É um anterior ético do jurídico. É ainda mais grave. E um grave que não se traduz em punição, como sugeriria uma visão infantilizada do Direito punitivista. Espera-se muito mais maturidade do cidadão. E este é o problema.
Uma disputa que parecia “esquerda-direita” com alguma formação “centro” facilmente diluída se agigantou em uma disputa democracia e fascismo, fazendo ficar evidente as justificações morais que as pessoas podem apreender para suas decisões. E, neste movimento, muita gente se viu assustada com a possibilidade de escolhas de algumas outras pessoas por quem tinham afetos e admiração. Sim, há muitas relações de identidade, identificação e valoração positiva do grotesco, e isto revela dimensões corroídas do caráter que podem ser muito dolorosas de evidenciar.
O grande problema dos tempos atuais não é o estereotipado “tempos sombrios”. São tempos de extrema clareza, e a violência, o desgosto e o desespero advém justamente desta clareza toda evidenciada nas falas, nas adesões, nas alianças e, mesmo por debaixo dos rostos que encarnam a bondade, todo o sadismo da exclusão de direitos alheios. A luz cortante e seca e mostra o perfil, a silhueta, as opções, as valorações: a justificativa de decisão e a evidência de um desconfortável juízo de valor. É isto que as pessoas precisam administrar, agora, por todos os lados. "As clear as an azure sky of deepest summer. You can rely on me, Fred", como diria o ultraviolento Alex DeLarge, de “Laranja Mecânica”.
Alegar que o neofascismo se explica ou justifica pelos erros do governo anterior ou suas identidades ideológicas equivale a uma falha formal de raciocínio. Algo como, hipoteticamente, se justificar a tortura ou a pena de morte a um criminoso confesso, como se o crime justificasse uma pena cruel, desumana ou degradante – aliás, como se no plano institucional quaisquer políticas pudessem se dar legitimamente neste sentido. O problema deste raciocínio que pretende extrair normatividade de pretensos fatos é que se trata de olhar para o lugar errado com a intenção errada, seja pela falta de causalidade, seja pela desconexão com escolhas políticas e compromissos institucionais anteriores.
Assim, o primeiro ponto claro é que não há justificativa ou razão que se pretenda dar ao neofascismo que possa ser admissível diante do nefasto legado histórico (mundial ou nacional), por um lado, nem que encontre, no Direito, qualquer forma de legitimação. Estas razões são epistemológicas e políticas.
Suspendamos, por um instante, o envolvimento de partidos no debate, centrando-se, então, no teor material das pretensas argumentações fascistas em curso – posto que as alegações deste campo sequer poderiam se considerar “discurso” ou “argumentação”, seja por sua irracionalidade, seja pela rechaçabilidade de seu conteúdo material. O que estas pessoas estão falando e o que tem falado é o foco, não quem elas são, ou de onde (contexto, vinculação) elas falam. E o que as pessoas que aderem a este discurso têm a responder – e não o fazem, em razão de impossibilidade lógica e ética.

Um campo semântico, uma ordem de desvalores, um corpo de sentidos para repulsa ou adesão
Chamemos de fascismo, neofascismo, antidemocracia, ou discurso ou política do ódio. Ou, ainda, aquele modo específico de compreender a política com desprezo aos direitos humanos, às políticas de reconhecimento e de diferença, com apego ao autoritarismo, ao militarismo, ao racismo, à ditatura (seja estatal, seja do mercado), ao Estado teológico. Aquele gosto pela discriminação negativa, aquele prazer sádico da tortura em privar o outro da vida e reduzir-lhe à insignificância.
Chamemos aquela força que sacrifica sem pudor as minorias (tanto física quanto simbólica e juridicamente), que se regozija na intensificação das vulnerabilidades, que inverte polos de agressor e vítima, que se endeusa no posto da moralidade-moralismo mequetrefe, por mais contraditórios que sejam valores e práticas nas vidas privadas dos defensores, e que condena o mundo e a diversidade a partir de si; que tem pânico moral da multiplicidade e, ainda mais, da singularidade.
Chamemos aquele híbrido de nacionalismo de ajuntamento com um populismo de seletivismos classistas pontuais, com triunfo do discurso ideológico quando o sujeito milionário assume, então, a feição de povo em busto de gesso, um povo bem seleto e determinado, diga-se.
Chamemos aquele híbrido emulsificado por mentes inscientes e robôs, por “nós” de redes que proliferam absurdos apenas assimiláveis por subjetividades completamente desorganizadas e desestruturadas, em um nacionalismo também de aparência, calcado em símbolos nacionais esclerosados e que ignora a existência de uns tantos brasis nas regiões, nas diversas línguas portuguesas que se fala, estes brasis dentro dos brasis em caleidoscópios de cores que a noção antiquíssima de “nação” simplesmente faz evanescer, junto com a Constituição esmorecente.
Chamemos de fascismo este fascismo mesmo, sem grandeza, apenas delineado em tepor, mesclado com entreguismo neoliberal e precarização do trabalho, juntando decrépita economia renovada a outras medidas homofóbicas, misóginas, anti-ambientais, e que evidenciam o desprezo pelos direitos e pela cultura da sustentabilidade integral (ser humano, economia, meio ambiente, animais, direitos, sociedade), seu ataque e sua destruição.
Chamemos de fascismo aquela anti-alteridade na contramão das constatações da cultura no novo mundo inaugurado após 1945: as origens do presente, segundo Hans Ulrich Gumbrecth, e cuja cultura dos direitos humanos mais uma vez é arruinada e destruída naquilo que já tivera de novo e florescente diante dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

Inocência
Nem todo eleitor (sua vó, seu pai, seu “crush”, seu professor de Direito) do candidato que sustenta diversas alegações de cunho fascista pode ser tomado por fascista. Parece uma consideração correta, até certo ponto. E é bem corrente, em nome de uma onda de apaziguação social que, como sempre, acoberta as latências e aquece ainda mais os ânimos. Ao mesmo tempo em que uma tendência de equalização e igualmento dos distintos: “ah, são dois extremistas em disputa”. Ledos enganos, iníquas comparações.
Aliás, uma acusação político-jurídica tão grave, “você é fascista”, poderia facilmente assumir ares de leviandade. O mesmo se for outra expressão similar, “neofascismo”, ou, ainda, nazista ou termos afins.
Os tempos são outros, e pura e simplesmente remeter-se à história é anacrônico, assim como apelar às identidades íntegras seria ilusório. Não existem identidades totalizadas, embora várias revelem tendências e intensidades a se considerar. As tecnologias do ego mudaram também.
Estaríamos diante da possibilidade de nominar, portanto, apenas grupos como os “skinheads” ou outras comunidades de extrema-direita organizada, por exemplo, em grupos de aplicativos (no que teríamos problemas graves atualmente).
Fato apenas é que a natureza dos discursos e das práticas da parcela dos eleitores inocentes, as pessoas de bem preocupadas com o futuro do país regido por Deus Supraconstitucional, ou nem isso, permite tal qualificação negativa, em diferentes intensidades. É a estrutura da valoração que revela a intimidade do caráter, e não são estandartes verde e amarelo que podem mascarar isto.
E este já parece ser um problema suficiente: há intensidades, há modulações de adesão à prática destes preceitos políticos. Mas são adesões, adesões que no final das contas culminam na maior escolha eleitoral possível: a eleição mesma. Parece relevante?
Em um exemplo exagerado: não precisa o sujeito construir um campo de concentração para ser considerado fascista, ou usar uniformes históricos e sair mundo afora, mas se o fizer, provavelmente será. Obviamente estas atitudes tornam o sujeito fascista, em uma acumulação de práticas e adesão a símbolos e a discursos; é uma construção progressiva cuja teleologia está posta na partida. Mas não é uma relação de necessidade, é apenas a construção de uma identidade forte e cercada.
Mas, então, e aquelas pessoas de bem, cuja afinidades discursivas são preocupantes e contraditórias com outros sistemas que dizem adotar (religiões, no geral, ou campos científicos, como o Direito), por um lado, e, por outro, democraticamente mais efetivo, são intoleráveis; estas não seriam fascistas, em um estado de inocência cívica, ou apenas seriam mais um ponto do espectro da diversidade político-moral?
A segunda questão tem resposta clara: não são mais um ponto do espectro da diversidade. São um antiponto do espectro, uma negação da democracia. Ao menos daquela democracia calcada em direitos. Direitos de minorias, direitos de criminosos, direitos de todos, aliás. As pessoas de bem se julgam insuscetíveis ao crime, dada sua megalomania moral insuflada. Se julgam insuscetíveis às minorias, embora várias pertençam ou virão a pertencer a esta categoria: ou estariam rejuvenescendo? Ou são todos homens?
Outro ponto é se as pessoas estariam, então, motivadas pela repulsa a um partido, sentimento este legítimo a despeito das razões e da percepção formada para tanto. Embora tivesse mais de dezena de opções no primeiro turno, fizeram sua escolha, provavelmente pelo cálculo do voto útil-voto perdido em candidato sem projeção. Seja qual for a causalidade, escolheram o discurso mais fascista visto na história contemporânea do Brasil.
Alternativamente, as pessoas estão desejosas de mudança; outra postura legítima, embora arriscada, pois a promessa de mudanças “para melhor”, além de imprecisa, é repleta de potenciais de retrocesso e, no mais, pode mostrar a perda de situações positivas que antes sequer se percebia. Seja qual for o desejo, escolheram o discurso mais fascista visto na história contemporânea do Brasil.
E como lidar com a responsabilidade moral e cívica de, adotem-se quais forem as justificativas fracas que se adotem, aderir ao discurso, este sim, de claro matiz neofascista? Não se fala de pessoas, “este ou aquele é um fascista”, mas sim de ideias e, a partir destas, a corroboração de práticas, políticas e, sob uma visão formalista, “valores”. Propriamente, anti-valores que determinam justificações falhas de decisões estapafúrdias, em um encadeamento retrocedente de problemas morais.
Bem, sua avó, seu pai ou seu professor de Direito não são fascistas, mas as opiniões deles são o que, então? Humanistas? Afins a uma ética do cuidado? Revolucionárias? Parece difícil encontrar em tais opiniões qualidades políticas afins aos valores e objetivos históricos postos no contra-horror dos direitos humanos pós-Segunda Guerra.
Quando o sujeito toma uma decisão, esta é antecedida por julgamentos morais. Julgamentos morais que, em uma democracia, devem ser não apenas justificáveis como moralmente relevantes.
A escolha destes eleitores de bem, assim, se revela carcomida nos julgamentos morais, o que vai ainda pior, pois cedem a cultura democrática diante de questões como corrupção, desejo de mudança, repulsa por um partido.
Tomam partes pelo todo e elidem a democracia. Abusam do direito do voto pelo voto irrefletido, irresponsável, leviano e irracional. Admitem o ódio a grupos sociais em nome da economia. Admitem a violência em nome da propriedade. Admitem a ruptura com o direito e com a ordem democrática em nome de “standards” que sequer têm sido atacados nas últimas décadas (a família, a probidade, a liberdade, tudo isso enquanto valor político e jurídico não apenas é defendido como potencializado e fomentado formalmente na última década). É preciso que a crítica seja acompanhada de honestidade intelectual e justiça histórica.  
Esta série de admissões de elementos e contravalores neofascistas não encontra argumentação, nem justificação racional plausível. Há muito tempo esta inviabilidade destas práticas no campo de uma ética comunicacional do discurso é uma questão bem elaborada na Filosofia do Direito, na Filosofia Política, no Direito Constitucional e no Direito Internacional dos Direitos Humanos, e em experiências internacionais que precisam enfrentar as ondas neofascistas.
Esta impossibilidade intelectual, contudo, é o que aproxima o discurso do fascistóide e celebrado Professor Doutor em Direito ao discurso do telejornalista policial punitivista, o que une o policial civil ao Magistrado, ou o que une sua inocente avó a algum Ministro do Supremo Tribunal. Pode ser também o que una seu pai e sua mãe a qualquer outra pessoa que investiu um dinheiro em produtos da CBF em torno de outras pessoas no ajuntamento neofascista.
São estas amarras compreensivas e valorativas que fazem com que todo esse grupo de notáveis, ao final de um projeto político escrito em tópicos de PowerPoint, aponham sua assinatura no projeto do ódio às diferenças e da devastação neoliberal. Podem não ser neofascistas com registro em carteira e, afinal, acusar alguém tão peremptoriamente realmente é algo difícil. Mas aderem, corroboram, votam. Em termos práticos, é difícil concluir que sejam outras coisas. Inocentes.
Contudo, há uma série de valorações envolvidas que permitem algum grau de questionamento e de constrangimento. Qual a responsabilidade moral dos inocentes, incapazes de argumentar e cindidos nos mesmos mantras?
O ônus argumentativo do fascista, assim, só pode se assentar no negacionismo, por um lado, e no showcase de falácias por outro. Não há, portanto, argumentação ou justificação moral racional das escolhas. Daí os ataques pessoais serem indispensáveis, assim como as generalizações e a linguagem bronca.
Aquela parcela da população que, ao olhar em si o fascismo alinhado na imagem no espelho trincado, encontra conforto para sua irracionalidade e para a maldade que precisou defrontar saindo da própria boca. O álibi moral universal da corrupção, que exonerou os brasileiros de qualquer responsabilidade eternamente, afinal o crime se concentrou em um ponto do universo (com partido e endereço), somou-se à justificação universal das motivações do eleito.
Água perfeita para lavar as mãos.
Pólvora suficiente para a explosão programada.
Eliseu Raphael Venturi é doutorando e mestre em direitos humanos e democracia pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná. Editor executivo da Revista da Faculdade de Direito UFPR e Membro do Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos da UFPR. Advogado.
¹ Disponível em: < https://www.wikiart.org/en/joan-miro/the-bull-fight>. Acesso em: 21 out. 2018.
² VEYNE, Paul. Acreditaram os gregos nos seus mitos? Lisboa: Edições 70, 1983. p. 145.

Bob Fernandes: Bolsonaro eleito - a crônica do salto para a escuridão




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Todo o Sistema político-partidário-empresarial já estava contaminado, há muito tempo. Seu DNA nos computadores e dados das empreiteiras, bancos.

Mas porções do judiciário seguiriam na escolha que já vinha dos mensalões: amputar apenas o tentáculo “vermelho”, PT e aliados.

Objetivo claro. Retomar o Poder. Aqui não faltaram alertas: mesmo à revelia da porção engajada do judiciário, demais partidos ainda acabariam sendo expostos...

... Foram, e quando expostos viriam desilusão, desencanto. E a raiva, o abandono das multidões de amarelo quando caísse o PSDB. Caiu. Depois de Dilma.

Bandos no Poder, corrupção, e estrondoso, revelador silêncio das panelas e amarelos.


Do Jornal da TV Gazeta




Bolsonaro presidente, com 57 milhões de votos: 39% dos 147 milhões de eleitores. Haddad, 47 milhões, 31% do eleitorado.

Quase um terço dos eleitores, 42 milhões, disse “não” à Política: abstenção, anulação e voto em branco.

Entregue de bandeja pelo PT em 2013, a Comissão de Direitos Humanos  foi palanque definidor.

Ecoou, deu liga a fundamentalismos: religioso, de usos e costumes, das tribos espalhadas nas redes sociais.

Junho de 2013: direita e seus extremos tomam as ruas.

2014: Lula erra ao não admitir riscos e fragilidades da recandidatura Dilma. Erra de novo ao antecipar 2018, anunciar-se

Forças de oposição se agrupam. Não só partidos. Também o ente o “O Mercado” e Mídias.

PSDB, erro fatal: alia-se, se junta a Bolsonaro e Temer para derrubar Dilma.

Todo o Sistema político-partidário-empresarial já estava contaminado, há muito tempo. Seu DNA nos computadores e dados das empreiteiras, bancos.

Mas porções do judiciário seguiriam na escolha que já vinha dos mensalões: amputar apenas o tentáculo “vermelho”, PT e aliados.

Objetivo claro. Retomar o Poder. Aqui não faltaram alertas: mesmo à revelia da porção engajada do judiciário, demais partidos ainda acabariam sendo expostos...

... Foram, e quando expostos viriam desilusão, desencanto. E a raiva, o abandono das multidões de amarelo quando caísse o PSDB. Caiu. Depois de Dilma.

Bandos no Poder, corrupção, e estrondoso, revelador silêncio das panelas e amarelos.

A Política se deixou ferir. E teve magnificados seus erros, feridas. O Poder não admite vácuo. Outros poderes ascenderam...

...Na sequência, mostrariam pesquisas, seriam feridos... Judiciário e Mídias tradicionais...

...Caminho aberto para o Vale-Tudo. Para redes de mentiras. Ignorância, ódios se impondo à razão....

E aí, ensina a História, resta a escuridão. O salto no escuro.

Do Justificando: Fake News e o crescimento da extrema direita, por Maira Pinheiro, criminalista




Em resposta à denúncia de que a campanha de Bolsonaro estaria se valendo de disparos de mensagens de WhatsApp em massa financiados ilegalmente por empresas para interferir no resultado eleitoral, um vídeo da campanha do candidato mostra pessoas dizendo que fazem campanha para ele de graça. .
Eu vou tentar mostrar nesse texto como o buraco é muito mais embaixo e como a manipulação psicológica e emocional em massa do eleitorado é perfeitamente compatível com as justificativas apresentadas pela campanha e o quão perigosa é essa forma de fazer política importada pelas campanhas de direita para o nosso processo eleitoral, e como essa manipulação é mais profunda do que parece a primeira vista. O texto é longo e as fontes estão no final.
Em junho de 2014, o facebook publicou um estudo[1] realizado a partir de um experimento realizado com quase 700.000 perfis, sem o consentimento dos usuários. No estudo, a rede social manipulou o conteúdo da linha do tempo dos indivíduos analisados, inserindo postagens negativas ou positivas em maior quantidade com o objetivo de identificar se a exposição a esses conteúdos influenciava em suas emoções.
O estudo concluiu que expor conteúdos negativos na linha do tempo levava os usuários a postarem mais conteúdos negativa. Basicamente isso significa que eles têm o poder de deixar as pessoas tristes ou feliz a partir da manipulação de sua timeline, e têm também meios de medir como e quanto essa manipulação interfere no comportamento dos usuários.
A divulgação desse estudo gerou uma repercussão negativa para a rede social [2], pelos dilemas éticos presentes em manipular as emoções de centenas de milhares de pessoas, a maioria delas jovens, sem seu consentimento.
Nas redes sociais, os clientes são os anunciantes e os usuários são o produto. Na era do big data, bancos de dados são uma commodity extremamente valiosa[3]. Com informações segmentadas é possível que as pessoas sejam catalogadas de forma que as propagandas sejam pensadas sob medida para incidir em suas emoções e induzir e modificar comportamentos.
Um estudo da Universidade de Stanford publicado em janeiro de 2015[4], identificou que através das curtidas do facebook, um algorítmo poderia ser capaz de prever traços de personalidade com a mesma precisão que um parceiro afetivo. A partir de um perfil psicológico com base em critérios de abertura, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo, as interações de um individuo na rede social poderiam ser utilizadas para prever tendências de comportamento com uma precisão assustadora.
Os estudos de Kosinski e Youyou serviram de base para a metodologia criada e implementada pela Cambridge Analytica para manipulação de processos eleitorais em diversos lugares do mundo.
Tudo começou lá no início dos anos 90 com a criação da SCL (Strategic Communication Laboratories), uma empresa especializada no estudo de comportamento de massa para elaboração de comunicação estratégica. A empresa possuía frentes de atuação voltadas às áreas de defesa, eleições e comercial. A SCL atuou interferindo em diversos processos eleitorais[5] na África, América Latina e Sudeste Asiático[6] e começou suas tratativas para atuar nas eleições americanas a partir de 2012[7].
A legislação eleitoral americana veda a participação de estrangeiros em campanhas[8], por isso foi necessário criar uma fachada, em que à primeira vista somente operavam cidadãos americanos. Contudo, a identificação de que diversos cidadãos britânicos, inclusive o CEO da empresa, Alexander Nyx, tinham papéis centrais na tomada de decisões durante a campanha levou a empresa a ser investigada pela justiça americana.
A Cambridge Analytica foi formada a partir da proposta de produção de conteúdo de campanha direcionado, com o potencial de modificar comportamento, a partir de informações obtidas em um banco de dados formado pela coleta de dados em massa (sem o consentimento dos usuários). O ex-integrante da companhia, Christopher Wylie, responsável pelas principais denúncias que fizeram com que o esquema viesse a público, descreveu a empresa como uma “máquina de propaganda”.
E aí que está o pulo do gato para entendermos o que está acontecendo.
Já sabemos que é possível manipular emoções e induzir comportamento a partir da exposição de conteúdo por meio das redes sociais.
Já sabemos também que a partir das informações que os usuários voluntariamente disponibilizam em suas redes sociais, empresas têm a capacidade de elaborar complexos perfis psicológicos, e a partir desses perfis, conteúdos são produzidos sob medida para jogar com as diferentes suscetibilidades de acordo com o perfil em que elas se encaixam.
Então, minha gente, não é só sobre obtenção de dados de usuários sem seu consentimento, por meio de aplicativos pegadinha que sugam os dados dos perfis (tipo aqueles testes toscos que muitos de nós fizemos para descobrir de qual casa do harry potter seríamos ou qual cara teríamos se fôssemos do sexo oposto); ou por meio da invasão de perfis mesmo, conforme aconteceu recentemente na falha de segurança do facebook[9].
Também não é só sobre o envio de mensagens em massa financiado por empresas em desacordo com a legislação eleitoral brasileira. Porque se a gente analisar a situação de maneira fragmentada, não fica suficientemente claro o potencial destruidor dessas mensagens, dos conteúdos que vem sendo produzidos e pela degradação do debate que essa forma de comunicação promove.
E aí que entra o Steve Bannon e sua guerra contra o que ele chama de “marxismo cultural”. Essa história é sim sobre manipulação de resultados eleitorais, mas é também sobre uma disputa ideológica e cultural muito mais profunda, que pode até certo ponto explicar o avanço conservador, neofascista que estamos vivendo.
Desde os anos 90 que conservadores americanos vem falando de marxismo cultural. Segundo esses pseudo-teóricos, haveria um plano “da esquerda” de se infiltrar nas sociedades ocidentais para “destruir seus valores” por meio de uma coalizão formada por “negros, estudantes, mulheres feministas e homossexuais”. Essa galera criticava desde a presença de LGBTS em programas de televisão até demandas por direitos civis e por igualdade como expressões desse “ramo” do marxismo cujo objetivo seria a destruição do modo de vida defendido pelos ideais conservadores.
Essa cartilha foi importada pela direita conservadora brasileira e passou a aparecer nos ataques contra a “ideologia de gênero”, em projetos como o “escola sem partido”, e na construção desse novo discurso de direita, ora mais raivoso e descontrolado, ora pretensamente erudito.
Lembram dos diferentes tipos de perfis psicológicos e suas diferentes suscetibilidades? Então, eles entram em cena na hora de elaborar diferentes táticas de produção de conteúdo.
Um dos grandes arautos do combate ao marxismo cultural[11] é justamente Steve Bannon, que dirigiu a Cambridge Analytica e foi um dos principais estrategistas da campanha de Trump[12] e do início de seu governo. Bannon é um dos responsáveis pela produção de conteúdo de extrema direita Breitbart, um laboratório de produção de conteúdo sensacionalista e de disseminação de discurso de ódio contra minorias políticas e de fake news.
Bannon formulou uma teoria de guerra cultural e a partir de táticas militares aplicadas à comunicação, criou uma verdadeira arma de guerra comunicacional, por meio da qual seria possível manipular culturalmente grandes números de pessoas de maneira altamente personalisada por meio das redes sociais[13].
Sabe aquele amigo que foi ficando cada vez mais empolgado com o passar do tempo, que compartilhava vários conteúdos de fonte duvidosa e ultimamente tá na base dos memes e do caps lock “FORA PT LULA NA CADEIRA BANDIDOOOOS”? Então, essas pessoas vem sendo bombardeadas há meses por conteúdos desenhados sob medida pra elas, produzidos pelas mesmas pessoas que analisam esses bancos de dados massivos e sabem exatamente como manipular cada tipo de pessoa de uma determinada forma[14].
E essa tática é particularmente eficiente quando se baseia na desconstrução da imagem do opositor. Essa poderia ser uma das explicações sobre porque o antipetismo chegou nesse ponto raivoso e irracional que estamos agora: porque esse tipo de discurso de nós x eles é extremamente eficiente para induzir comportamento, e é mais fácil manipular e induzir as pessoas quando elas estão movidas pela raiva e pelo medo dos bandidos vermelhos.
Christopher Wylie abandonou a Cambridge Analityca quando começou a ser discutida pela campanha de Trump a possibilidade de produção de conteúdo voltado a dissuadir eleitores negros de votarem como forma de favorecer eleitoralmente o candidato republicano. Após a saída da empresa, Wylie foi ouvido como testemunha perante o congresso americano [16] e o parlamento inglês [17] para esclarecer o papel desempenhado pela empresa na interferência no processo eleitoral dos EUA e também no referendo do Brexit.
A relação da campanha de Bolsonaro com a extrema direita internacional e as táticas de comunicação utilizadas por sua campanha sugerem que os métodos utilizados pela Cambridge Analytica, na proposta de guerra cultural defendida por Steve Bannon[18] estão operando no Brasil e com êxito.
Continue lendo aqui.

Jeferson Miola: Resistir é imprescindível




Resistir é preciso. Resistir ao fascismo é imprescindível.

E resistir é, acima de tudo, o único caminho que a história reserva aos democratas, aos libertários e aos humanistas do Brasil e do mundo.

Uma eleição não é garantia automática de democracia. Hitler ascendeu ao poder na Alemanha em 1933 depois de ter sido eleito. Em questão de meses, o hitlerismo foi convertido em filosofia oficial e em política de Estado do nazismo.

Não temos o direito de ser ingênuos. O mesmo pode acontecer no Brasil, se nada for feito para deter o itinerário que leva ao precipício nazi-fascista. A justiça eleitoral, entendo eu, dá evidentes sinais de ter se convertido em quartel-general do bolsonarismo.

Bolsonaro não é um acidente de percurso. Ele é a opção consciente, a aposta escolhida pela classe dominante para cumprir 2 missões especiais no próximo período.

A primeira missão consiste em exterminar o petismo, os progressistas, os democratas e tudo o que a esquerda representa e que o neoliberalismo desconstrutivo da democracia tolerou, como a diversidade, a igualdade, a pluralidade, a justiça social, a liberdade, a democracia e os pobres no orçamento e nas prioridades públicas, para implantar um regime duro, de terrorismo econômico, político e social.

Bolsonaro deixou isso claro na manifestação macarthista que fez no Facebook depois que sua eleição foi matematicamente confirmada: “não podíamos mais flertar com o socialismo”.

A segunda missão do nazi-bolsonarismo consiste em implementar um projeto econômico selvagem e ultraliberal de caráter anti-povo, anti-nação, anti-soberania e anti-democracia que unifica todas as frações da classe dominante em torno de um novo pacto de dominação do establishment diante da crise mundial do capitalismo iniciada em 2008.

O posicionamento dúbio de expoentes da burguesia nacional [como FHC]; do PSDB, do MDB e de intelectuais orgânicos da classe dominante diante do avanço do nazi-bolsonarismo é clara evidência da funcionalidade do Bolsonaro aos interesses estratégicos e históricos da elite.

Na Alemanha dos anos 1930 a adesão da aristocracia, da burguesia e do grande capital alemão; assim como da elite, das monarquias e de todo estamento europeu ao hitlerismo e a Hitler adotou estas 2 premissas infames. A resultante, todos sabemos, foi o holocausto; uma das maiores tragédias da história da humanidade.

Auschwitz, que Hitler considerava o “ânus da Europa”, a chaminé que livraria a Alemanha dos judeus, é o que Bolsonaro representa hoje, como encarnação do antipetismo racista.

É preciso, antes de tudo, ter a consciência de que o fascismo não é um fenômeno datado, um episódio guardado na prateleira da história do período entre-guerras do século 20 – e, portanto, um fenômeno inofensivo que só pertenceu ao passado.

O fascismo, segundo ensina o historiador britânico Roger Griffin, é uma tradição política que se situa entre o liberalismo e o socialismo e, portanto, representa uma ideologia viva de poder que pode se tornar majoritária em processos eleitorais formais.

O peso crescente da extrema-direita nas eleições europeias desde os anos 1980 na Europa são prova disso.

O fascismo no Brasil finalmente saiu do esgoto das redes sociais e das mídias digitais. Agora está presente na arena pública através da figura torpe, ridícula e estúpida do Bolsonaro.

O fascismo ocupará a presidência no Brasil não sem a oposição de mais de 47 milhões de brasileiros e brasileiros que terão no Haddad, no PT, no PSOL, no PCO, no PCdoB e em todos os setores democráticos, humanistas e libertários, o enfrentamento e a resistência que farão abreviar sua existência.

No discurso final de campanha, Haddad declarou que um professor não foge à luta. Nós não faltaremos a essa missão histórica.

Eles não passarão.

Jeferson Miola