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terça-feira, 30 de outubro de 2018

Do Justificando: Fake News e o crescimento da extrema direita, por Maira Pinheiro, criminalista




Em resposta à denúncia de que a campanha de Bolsonaro estaria se valendo de disparos de mensagens de WhatsApp em massa financiados ilegalmente por empresas para interferir no resultado eleitoral, um vídeo da campanha do candidato mostra pessoas dizendo que fazem campanha para ele de graça. .
Eu vou tentar mostrar nesse texto como o buraco é muito mais embaixo e como a manipulação psicológica e emocional em massa do eleitorado é perfeitamente compatível com as justificativas apresentadas pela campanha e o quão perigosa é essa forma de fazer política importada pelas campanhas de direita para o nosso processo eleitoral, e como essa manipulação é mais profunda do que parece a primeira vista. O texto é longo e as fontes estão no final.
Em junho de 2014, o facebook publicou um estudo[1] realizado a partir de um experimento realizado com quase 700.000 perfis, sem o consentimento dos usuários. No estudo, a rede social manipulou o conteúdo da linha do tempo dos indivíduos analisados, inserindo postagens negativas ou positivas em maior quantidade com o objetivo de identificar se a exposição a esses conteúdos influenciava em suas emoções.
O estudo concluiu que expor conteúdos negativos na linha do tempo levava os usuários a postarem mais conteúdos negativa. Basicamente isso significa que eles têm o poder de deixar as pessoas tristes ou feliz a partir da manipulação de sua timeline, e têm também meios de medir como e quanto essa manipulação interfere no comportamento dos usuários.
A divulgação desse estudo gerou uma repercussão negativa para a rede social [2], pelos dilemas éticos presentes em manipular as emoções de centenas de milhares de pessoas, a maioria delas jovens, sem seu consentimento.
Nas redes sociais, os clientes são os anunciantes e os usuários são o produto. Na era do big data, bancos de dados são uma commodity extremamente valiosa[3]. Com informações segmentadas é possível que as pessoas sejam catalogadas de forma que as propagandas sejam pensadas sob medida para incidir em suas emoções e induzir e modificar comportamentos.
Um estudo da Universidade de Stanford publicado em janeiro de 2015[4], identificou que através das curtidas do facebook, um algorítmo poderia ser capaz de prever traços de personalidade com a mesma precisão que um parceiro afetivo. A partir de um perfil psicológico com base em critérios de abertura, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo, as interações de um individuo na rede social poderiam ser utilizadas para prever tendências de comportamento com uma precisão assustadora.
Os estudos de Kosinski e Youyou serviram de base para a metodologia criada e implementada pela Cambridge Analytica para manipulação de processos eleitorais em diversos lugares do mundo.
Tudo começou lá no início dos anos 90 com a criação da SCL (Strategic Communication Laboratories), uma empresa especializada no estudo de comportamento de massa para elaboração de comunicação estratégica. A empresa possuía frentes de atuação voltadas às áreas de defesa, eleições e comercial. A SCL atuou interferindo em diversos processos eleitorais[5] na África, América Latina e Sudeste Asiático[6] e começou suas tratativas para atuar nas eleições americanas a partir de 2012[7].
A legislação eleitoral americana veda a participação de estrangeiros em campanhas[8], por isso foi necessário criar uma fachada, em que à primeira vista somente operavam cidadãos americanos. Contudo, a identificação de que diversos cidadãos britânicos, inclusive o CEO da empresa, Alexander Nyx, tinham papéis centrais na tomada de decisões durante a campanha levou a empresa a ser investigada pela justiça americana.
A Cambridge Analytica foi formada a partir da proposta de produção de conteúdo de campanha direcionado, com o potencial de modificar comportamento, a partir de informações obtidas em um banco de dados formado pela coleta de dados em massa (sem o consentimento dos usuários). O ex-integrante da companhia, Christopher Wylie, responsável pelas principais denúncias que fizeram com que o esquema viesse a público, descreveu a empresa como uma “máquina de propaganda”.
E aí que está o pulo do gato para entendermos o que está acontecendo.
Já sabemos que é possível manipular emoções e induzir comportamento a partir da exposição de conteúdo por meio das redes sociais.
Já sabemos também que a partir das informações que os usuários voluntariamente disponibilizam em suas redes sociais, empresas têm a capacidade de elaborar complexos perfis psicológicos, e a partir desses perfis, conteúdos são produzidos sob medida para jogar com as diferentes suscetibilidades de acordo com o perfil em que elas se encaixam.
Então, minha gente, não é só sobre obtenção de dados de usuários sem seu consentimento, por meio de aplicativos pegadinha que sugam os dados dos perfis (tipo aqueles testes toscos que muitos de nós fizemos para descobrir de qual casa do harry potter seríamos ou qual cara teríamos se fôssemos do sexo oposto); ou por meio da invasão de perfis mesmo, conforme aconteceu recentemente na falha de segurança do facebook[9].
Também não é só sobre o envio de mensagens em massa financiado por empresas em desacordo com a legislação eleitoral brasileira. Porque se a gente analisar a situação de maneira fragmentada, não fica suficientemente claro o potencial destruidor dessas mensagens, dos conteúdos que vem sendo produzidos e pela degradação do debate que essa forma de comunicação promove.
E aí que entra o Steve Bannon e sua guerra contra o que ele chama de “marxismo cultural”. Essa história é sim sobre manipulação de resultados eleitorais, mas é também sobre uma disputa ideológica e cultural muito mais profunda, que pode até certo ponto explicar o avanço conservador, neofascista que estamos vivendo.
Desde os anos 90 que conservadores americanos vem falando de marxismo cultural. Segundo esses pseudo-teóricos, haveria um plano “da esquerda” de se infiltrar nas sociedades ocidentais para “destruir seus valores” por meio de uma coalizão formada por “negros, estudantes, mulheres feministas e homossexuais”. Essa galera criticava desde a presença de LGBTS em programas de televisão até demandas por direitos civis e por igualdade como expressões desse “ramo” do marxismo cujo objetivo seria a destruição do modo de vida defendido pelos ideais conservadores.
Essa cartilha foi importada pela direita conservadora brasileira e passou a aparecer nos ataques contra a “ideologia de gênero”, em projetos como o “escola sem partido”, e na construção desse novo discurso de direita, ora mais raivoso e descontrolado, ora pretensamente erudito.
Lembram dos diferentes tipos de perfis psicológicos e suas diferentes suscetibilidades? Então, eles entram em cena na hora de elaborar diferentes táticas de produção de conteúdo.
Um dos grandes arautos do combate ao marxismo cultural[11] é justamente Steve Bannon, que dirigiu a Cambridge Analytica e foi um dos principais estrategistas da campanha de Trump[12] e do início de seu governo. Bannon é um dos responsáveis pela produção de conteúdo de extrema direita Breitbart, um laboratório de produção de conteúdo sensacionalista e de disseminação de discurso de ódio contra minorias políticas e de fake news.
Bannon formulou uma teoria de guerra cultural e a partir de táticas militares aplicadas à comunicação, criou uma verdadeira arma de guerra comunicacional, por meio da qual seria possível manipular culturalmente grandes números de pessoas de maneira altamente personalisada por meio das redes sociais[13].
Sabe aquele amigo que foi ficando cada vez mais empolgado com o passar do tempo, que compartilhava vários conteúdos de fonte duvidosa e ultimamente tá na base dos memes e do caps lock “FORA PT LULA NA CADEIRA BANDIDOOOOS”? Então, essas pessoas vem sendo bombardeadas há meses por conteúdos desenhados sob medida pra elas, produzidos pelas mesmas pessoas que analisam esses bancos de dados massivos e sabem exatamente como manipular cada tipo de pessoa de uma determinada forma[14].
E essa tática é particularmente eficiente quando se baseia na desconstrução da imagem do opositor. Essa poderia ser uma das explicações sobre porque o antipetismo chegou nesse ponto raivoso e irracional que estamos agora: porque esse tipo de discurso de nós x eles é extremamente eficiente para induzir comportamento, e é mais fácil manipular e induzir as pessoas quando elas estão movidas pela raiva e pelo medo dos bandidos vermelhos.
Christopher Wylie abandonou a Cambridge Analityca quando começou a ser discutida pela campanha de Trump a possibilidade de produção de conteúdo voltado a dissuadir eleitores negros de votarem como forma de favorecer eleitoralmente o candidato republicano. Após a saída da empresa, Wylie foi ouvido como testemunha perante o congresso americano [16] e o parlamento inglês [17] para esclarecer o papel desempenhado pela empresa na interferência no processo eleitoral dos EUA e também no referendo do Brexit.
A relação da campanha de Bolsonaro com a extrema direita internacional e as táticas de comunicação utilizadas por sua campanha sugerem que os métodos utilizados pela Cambridge Analytica, na proposta de guerra cultural defendida por Steve Bannon[18] estão operando no Brasil e com êxito.
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