Por Grazielle Albuquerque
No Justificando
Algo chama a atenção na atual crise brasileira: a nossa incapacidade de achar um gatilho efetivo que nos tire da espiral decrescente e veloz na qual parecemos nos movimentar. Nem sempre é fácil, a história nos ensina que determinados níveis de ruptura necessitam chegar aos efeitos mais extremos antes de anunciar um novo ciclo.
Contudo, em determinados momentos, uma espécie de ponderação eficaz serve de freio. Não à toa Jürgen Habermas cunhou a ideia de esfera pública, esse espaço de deliberação em que a razão seria não só um freio contra aventureiros como também um mecanismo que ajudaria a decidir qual o melhor rumo a seguir. Para ele, a política é procedimento. Mas quando tentamos fazer uma relação entre essa ideia e o cenário brasileiro, parece que o conceito deu um bug, para usar um termo moderno.
Longe de ironias, o ponto é: há pouco mais de um ano vimos um Brasil indignado sair às ruas clamando contra a corrução. Até aquele momento, no cenário do impeachment/golpe, fato consumado em setembro de 2016, a disputa nas manifestações públicas e na mídia fez diferença no impulso de determinado grupo na tomada de poder.
Falamos sobre isso em nosso primeiro texto para o Justificando, em 28 de março de 2016. Lá estava a análise do manejo que Dilma Rousseff faziam da imprensa internacional para tentar ganhar voz em um cenário mais neutro. Curiosamente, após Michel Temer assumir a presidência da República e começar sua derrocada em busca de meta histórica de impopularidade.
Segundo dados da pesquisa Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em setembro deste ano, 77% dos brasileiros consideravam o governo “ruim” ou “péssimo”.
O índice dos que avaliavam positivamente o governo caiu de 5% para inacreditáveis 3%.
Com isso, Temer conseguiu superar até mesmo a margem de erros das pesquisas, que é de 5%. Como num esquete da TV Pirata, programa humorístico clássico dos anos 1980, temos um presidente “numericamente” desprezível.
Naquele período, em que a popularidade do governo se desmanchava, as duas votações no Congresso Nacional relativas ao recebimento das denúncias da Procuradoria Geral da República contra Temer mostravam como a voz das ruas, dessa vez, importava menos do que em julgamentos passados.
Ora, convém perguntar: quando a opinião pública importa e que opinião pública é essa?
Também já tratamos desse tema aqui por matizes diferentes: olhando o cenário internacional versus o dos veículos estrangeiros. Agora, próximo às eleições de 2018, mais uma vez Temer parece ser um morto-vivo político do qual todos querem se descolar tendo em vista a campanha do ano que vem. Novamente, o que se desenha é um movimento pendular.
Decifrá-lo implica entender que não existe uma só opinião pública, nem mesmo conceitualmente, e que há aí uma linha de tensão e aproximação entre a sociedade e as instituições, que em alguns momentos trabalham priorizando os mecanismos internos e noutros não. Perceber que essa não é uma rota contínua é importantíssimo para uma boa análise da conjuntura política.
Mesmo sendo um terreno minado, a relação entre a mídia, o Executivo e o Legislativo é comumente vista, até porque, salvo soluções de última hora e piruetas normativas, estes são poderes eletivos ligados ao escrutínio popular. Na ponta, com o input do voto majoritário e proporcional, a população escolhe seu candidato.
Se pensarmos em termos midiáticos, nesta época de pós-verdade se ressalta o óbvio: opinião pública e opinião publicada são distintas. As redes sociais e as fake news expuseram com eloquência esse outro fator de análise.
Contudo, para embaralhar ainda mais a cabeça de quem tem certezas, chamo atenção é para o fato de que, além dos dois tradicionais Poderes da República, o até algum tempo atrás ilustre desconhecido Poder Judiciário ganhou os holofotes.
Digo mais, para ter justeza, como convém à instituição: é preciso alargar o raciocínio, considerando o Sistema de Justiça como um todo. Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia e Polícia aprendem de forma bem própria que as disputas institucionais não acontecem apenas nos salões. É fora dos muros, num espaço por vezes midiatizado, que muitas batalhas se definem.
Pensar essa fronteira, que na verdade está mais para campo de força, espécie de Medusa que atrai e repulsa, sempre instigou os sentidos. Aqui e acolá, um elemento salta aos olhos e um ponto de análise merece destaque.
A gama de temas pode ir de matérias cujo título enceta “5 frases de barracos do STF para vencer qualquer discussão”, mostrando que uma vez na agenda midiática nem sempre é possível garantir a pompa, ao exame de dados mostrando o comportamento deste ou daquele Tribunal, deixando claro que não é mais possível se esconder no “jurisdiquês”.
Hoje, há quem cubra o Sistema de Justiça na narrativa de fatos e há quem o faça com a melhor técnica. Existem assessores de comunicação dentro das instituições e jornalistas especializados na área, ambos em um trato muito profissional. Uma nova relação se cria. Analisar o que nem sempre aparece na superfície dessa mecânica é importante.
De todos os ângulos, uma certeza: é impossível descolar o Sistema de Justiça da política.
Estar na agenda midiática, para alcançar a agenda pública, num conceito de opinião pública que certamente está mais próximo de Walter Lippman do que de Jürgen Habermas, não é à toa. Esta dita opinião coletiva seria a representação de um conjunto de opiniões individuais semelhantes entre si que abordam questões de interesse coletivo. Não se trata de deliberar, mas de ter uma ideia sobre algo.
É simples: a política carece de imagem, mesmo que não careça de votos.
Assim, ainda que magistrados, procuradores, promotores e defensores não passem pela deliberação popular, certamente eles estão presentes em uma realidade em parte construída pela mídia.
Desse modo, a agenda midiática ajuda a compor um juízo de valor sobre o que eles são. Por isso, mesmo aos excelentíssimos, tão importante quanto ser é parecer ser.
Eis aí a nossa missão: tentar entender esse movimento. Fernando Sabino costumava dizer que, muitas vezes, o tabuleiro não é nem preto e nem branco, é de outra cor, com quadrados pretos e brancos por cima. Mais instigante do que olhar para o Sistema de Justiça e para a opinião pública como lados isolados, é perceber a relação entre ambos.
Para usar uma metáfora old schooll, muitas vezes o lance mais significativo está na Coluna do Meio. O nome batiza a seção. É dessa fresta que a gente pretende enxergar o jogo e, aqui e acolá, compor uma análise de conjuntura que toque em outros cenários e atores. Então, com certo atrevimento, uma espécie de verniz arengueiro, a gente começa a escrita.
Grazielle Albuquerque é jornalista e doutoranda em Ciências Políticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi research fellow no German Institute of Global and Area Studies (Giga), em Hamburg. É pesquisadora da área de Ciência Política, estuda Sistema de Justiça, em especial, sua interface com a mídia.
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