A Lava Jato é a última versão estratégia para garantir o saque do Estado apenas para a elite
Do site ICL Notícias:
A Lava Jato não é nenhuma novidade na vida política brasileira. Basta que não nos deixemos cegar pelas meras máscaras que um dispositivo de poder pode assumir. Nada como a perspectiva histórica para nos fazer mais inteligentes acerca do acontece no presente.
A Lava Jato é apenas a reedição do princípio falso moralista que vige no nosso país desde os anos 1930 como o dispositivo de poder da elite para se contrapor ao sufrágio universal.
Como o sufrágio universal se tornou a única forma de legitimação do poder político, a elite brasileira e seus intelectuais orgânicos, como Sérgio Buarque — que é o pensador mais importante do Brasil no século 20, seguido até hoje pela maioria da inteligência brasileira — inventaram um “interdito moral” para substituir o racismo racial aberto que impedia, antes dos anos 1930, o povo mestiço e negro de votar.
Essa ideia foi a de “povo corrupto”. Buarque pensou esta ideia como sendo uma característica de toda a sociedade, uma sociedade de corruptos e de inconfiáveis, que é, ainda hoje, a forma como a ciência hegemônica mundial percebe o Sul global — América Latina, África e Asia — para legitimar o saque colonial.
No entanto — atentemos a isso, cara leitora e caro leitor –, a elite de São Paulo, que já mandava no país, se via como “americana” a partir dos anos 1920, por força da metamorfose forçada do bandeirante em pioneiro ascético empreendedor, criando a ideia do “excepcionalismo paulista” que vige ainda hoje e é ensinado a todas as crianças nas escolas em SP.
A classe média, por sua vez, que se constitui também nessa mesma época é quase que inteiramente branca e de origem europeia recente.
A elite se pensa americana e a classe média branca como europeia. Desse modo, corrupto e eleitor de corruptos vai ser sempre só o mesmo povo pobre, mestiço e negro que antes era estigmatizado pela cor e agora será estigmatizado pela “falta moral”, a suposta imoralidade pública, a dimensão mais valiosa e importante de todo ser humano.
Estigmatizar o voto dos pobres e criminalizar a participação popular é a função latente e real do falso moralismo da corrupção no nosso país nos últimos cem anos.
A elite e a classe média branca que sai às ruas indignadas pela suposta defesa da moralidade pública, na verdade, não possuem nada contra a corrupção desde que seja a corrupção de todos os dias dela mesma ou da elite que ela inveja e admira.
Vejam a diferença de atitude na corrupção filmada e ouvida por todos de Aécio e Michel Temer, por exemplo, que não levou nenhum branquinho histérico às ruas. Com Lula e Dilma foi muito diferente.
Isso significa que o tema da corrupção entre nós é uma grande cilada e uma enorme mentira que precisa ser desfeita. Na verdade, todos os governos que tentaram promover alguma forma de inclusão social e diminuição da desigualdade, foram, todos, sem exceção, vítimas de golpes de Estado onde a suposta corrupção era um mote central: Vargas, Jango, Lula e Dilma.
A Lava Jato é, portanto, apenas a última versão, menos militar e mais midiática do que as outras, de garantir o saque do Estado apenas para a elite, via dívida pública fraudulenta e nunca auditada, por exemplo, e garantir o monopólio do capital cultural legitimo da classe média branca que lhe garante bons salários e reconhecimento social.
O mote da corrupção serve para garantir o bloco antipopular de classes no poder e estigmatizar e culpar as vítimas: os 80% que não são nem elite, nem classe média real.
Sergio Moro incorporou este sentimento de profundo desprezo antipopular, universal na classe média e na elite. Daí seu sucesso. Foi blindado por uma imprensa que é propriedade privada desta mesma elite que sempre foi usada entre nós para esconder e não para mostrar a verdade do mundo social.
É preciso, portanto, reconstruir a história da cultura de golpes de Estado entre nós, para percebemos o que foi de fato a Lava Jato e como poderemos evitar outras Lavas Jatos no futuro.
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