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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O neobolsonarismo e a minimização dos riscos reais à democracia, por Luís Nassif


  1. É falso comparar Bolsonaro com qualquer dos presidentes brasileiros em período democrático. Nenhum deles foi defensor do estado de exceção, como Bolsonaro.
Do Jornal GGN:



Há várias formas de adesão política.
Se não puder defender seu aliado, ataque seus críticos. Se não puder defender os abusos de seu aliado, minimize-os.
Hoje em dia, o adesismo a Bolsonaro se dá em duas frentes. Junto à malta, a defesa de todas suas excentricidades. Junto ao público um pouco mais sofisticado, a minimização: ele é meio estranho, mas não traz riscos à democracia. É uma modalidade de neobolsonarismo, de apoiadores envergonhados do capitão.
Segundo esse pensamento, a oposição acusava Lula de pretender transformar o Brasil em uma Venezuela. Agora, a oposição acusa Bolsonaro de pretender implantar uma ditadura. Nos Estados Unidos, os democratas acreditavam que os republicanos representavam riscos à democracia, assim como a oposição a Obama e a oposição a Donald Trump apontavam os mesmos riscos. Logo, apontar riscos à democracia é comportamento habitual das oposições e, por isso mesmo, os alertas devem ser minimizados.
Há características absolutamente distintas entre Brasil e Estados Unidos, entre Obama, Trump, Hitler, Lula, FHC e Bolsonaro. Mas transforma-se um ponto em comum – o fato da oposição dramatizar os riscos da situação – em regra universal, e coloca-se todo alerta sobre os riscos à democracia no mesmo balaio, do superdimensionamento de riscos por parte da oposição. Pronto, está resolvido, poupando o analista do teste da análise complexa.
A lista dos falsos paralelismos é longa. Vamos a duas delas:
  1. É falso, mas que isso, é ridículo comparar a tradição democrática americana com a brasileira. Ao longo de toda a história republicana, a marca política do Brasil foi a ditadura ou a instabilidade política em regime democrático.
  2. É falso comparar Bolsonaro com qualquer dos presidentes brasileiros em período democrático. Nenhum deles foi defensor do estado de exceção, como Bolsonaro.
Talvez os ímpetos de Fernando Collor pudessem sugerir algum comportamento mais bonapartista. Mas não se identifica nenhuma atitude dele – e de seus sucessores – que pudesse ser classificada como ameaça à democracia.
Bolsonaro é um caso único. É um presidente claramente inimigo da democracia, envolvido com milícias e com os porões, com ligações com as pessoas que comandam o Escritório da Morte, no Rio de Janeiro, e suspeito de participação em crimes políticos. E presidindo um país sem a menor tradição democrática.
Confira o seguinte teste:
LulaFHCBolsonaro
Controle sobre a Procuradoria Geral da RepúblicaNãoSimSim
Controle sobre a Polícia FederalNãoNãoSim
Medidas para impedir investigaçõesNãoSimSim
Defesa do estado de exceçãoNãoNãoSim
Desmonte dos sistemas de fiscalização ambientalNãoNãoSim
Mudança nos critérios de distribuição de verbas de publicidadeNãoNãoSim
Censura nos patrocínios culturaisNãoNãoSim
Envolvimento com milícias, afastando fiscais que impediam o contrabando no porto de ItaguaíNãoNãoSim
Puniu fiscais que o multaramNãoNãoSim
Eliminação de conselhos de participaçãoNãoNãoSim

Nem se critique FHC pelo fato de manter Geraldo “Engavetador” Brindeiro no comando da Procuradoria Geral da República (PGR). Nenhuma democracia séria do mundo confere poder ilimitado a uma corporação não eleita, e com atribuições de processar o próprio Presidente da República. Nos EUA, o presidente da República tem o poder de demitir procuradores sem precisar se explicar. Só a ingenuidade petista para esse gesto de “republicanismo”.
Bolsonaro não apenas enquadrou a PGR e a PF, como atuou para impedir investigações sobre seu filho; afastou fiscais da Receita que atuavam em áreas sensíveis a contrabando de armas, desarmou a fiscalização em áreas indígenas e de preservação ambiental; impôs censura cultural nos patrocínios de empresas públicas e acabou com todos os conselhos de participação.
E está montando uma rede nacional, com apoio das milícias, do neopentecostalismo, das Polícias Militares, das empresas privadas de segurança, dos donos de cartório.
Esses malabarismos, para não aceitar os riscos que Bolsonaro representa, se explica apenas pelos ganhos pontuais do mercado com Paulo Guedes. Mas é a prova definitiva de que o mercado não pensa além do próximo exercício de opções.

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