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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Marx, a religião como ideal de ação e o fanatismo como expressão de desespero num mundo mercantilzado



A  miséria e dor da religião é, ao mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. É o suspiro da criança oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.

Karl Marx
in "Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", 1844




     Apesar do que interpretam um sem-número de críticos de Marx (e mesmo de alguns pretensos marxistas superificias), o pensador alemão não está, no texto acima, criticando a religião e as já surradas palavras "A religião é o ópio do povo", se apresentadas distante do restante do pensamento, pode acabar por levar a uma infeliz interpretação do que realmente quis dizer Marx.  

      O que aqui Marx diz - e muito claramente - é que, diante das dificuldades de um mundo que usa as pessoas apenas como elementos do jogo de produção e enriquecimento de uma minoria - a dor da luta pela existência em um mundo cada vez mais burocratizado, mercantilizado, mecanizado e desumanizado - estas, as pessoas procurarão um elemento que possam dar sentido a esta dor de serem menos humanas, um suporte que lhes possam dar apoio em uma realidade opressora. 
   Para isso, elas podem tentar se voltar a uma experiência espiritual que as ajudem a desenvolver plenamente, inclusive compartilhando ideais e propostas que permitam uma transformação do mundo para melhor, ou se entregarem impensadamente a uma doutrina qualquer que lhes digam o que querem ouvir, levando a uma espécie de conforto narcisista e individualista de pequenês intelectual e alienação social. A primeira é uma forma positiva de espiritualidade, a segunda, uma forma negativa e cristalizada de fanatismo. Uma ou outro, contudo, são expressões que surgem da busca por sentido à vida e à experiência humana e mesmo o fanatismo é uma reação gritante a uma forma de opressão, de uma atmosfera opressora alienadora e sufocante. Assim, ao mesmo tempo que expressa o ideal do melhor das possibilidades humanas, ideal que, diante das pressões e exploraçãos no plano existencial, é projetado em um universo espiritual (o "céu", a vida além), refletindo o que seria possível mas que falta ao contexto em que vive o oprimido, também pode ser utilizada por uma minoria para tranquilizar os seus anseios ou mesmo de distraí-los de sua condição de oprimido. Portanto, o erro está mais no contexto opressor que permite e mesmo incentiva o desvirtuamento da busca espiritual -  que ao invés de levar a uma liberdade acima das picuinhas religiosas, leva, ao contrário, à religião como instituição de manipulação igual às outras do próprio sistema opressor - que na própria religião em seu sentido de religação com o que se pensa ser o divino.
    A religião seria, portanto, uma projeção das possibilidades e do que falta a uma sociedade que reduz as pessoas à condição de semi-escravos e jpeças descartáveis em um tabuleiros de interesses de uma minoria (veja-se todo o discurso cientificista dos economistas e dos empresários para justificar as explorações, demissões, arroxos e demais "medidas" de "solução de problemas" a ocorrer agora na Europa) e que podem, no seu positivo, ajudar a estimular uma mudança desta situação desumana e, no sentido negativo e patológico, produzir discursos protecionistas, bairristas, reacionários, individualistas, fascistas e fanáticos. 
   Assim, para Karl Marx, a religião não se reduz a uma mera ilusão. Se bem entendida, ela expressa o que há de melhor no ser humano, enquanto possibilidade: a de concretizar seus ideais possíveis. Veja-se a proposta da Teologia da Libertação, por exemplo. Do contrário, ela se transforma em um meio de distração e manipulação dos oprimidos em benefício tanto de quem explora quanto de quem se aproveita da fé acrítica para enriquecer e obter poder (veja-se, por exemplo óbvio, a expansão das seitas pentecostais televangélicas na aturalidade brasileira). Se a primeira vertente pode ajudar a desenvolver o sentimento de fraternidade e o engajamento social na mudança de uma realidade brutal e desumana, a outra manipula as pessoas a aceitarem esta mesma realidade. 
    Enquanto os oprimidos acreditarem que a sua dor lhe trará algum benefício apenas para o futuro em um outro mundo e não que o Reino da paz e da felicidade relativa possa ser implantado neste mundo a partir da ação das pessoas, elas estarão se conformando à sua própria situação de semi-escravos e oprimidos como se fosse algo natural e não, como de fato é, como uma coisa histórica, ou seja, imposta por outras pessoas (uma minoria). É por isso que Marx diz que a religião pode funcionar como um meio de diminuir a dor da existência, a anestesia do sofrimento, ou o "ópio do povo". O problema é que anestesia demais distorce a percepção da realidade.


Carlos Antonio Fragoso Guimarães

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