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quinta-feira, 22 de abril de 2010

A Super Parcialidade da Superinteressante sobre Chico Xavier



Carlos Antonio Fragoso Guimarães, Jáder Sampaio e Alexandre Moreira-Almeida


Que a indústria da imprensa, ao menos em seus setores mais poderosos, é um comércio que busca o lucro, por vezes em cima de polêmicas, por vezes em cima de deturpações, não chega a ser novidade. Na TV, por exemplo, o triste caso da Escola Base, ocorrido em 1994, bem ilustra tal fato. Na ocasião, professores e propietários da referida escola foram acusados injustamente pela Globo - e como geralmente ocorre em tais casos, o que a Globo fala é logo copiado pela maioria dos veículos de comunicação - de terem abusado sexualmente de uma aluna. Apesar de ter sido provado que os acusados nada tinham a ver com o que foi publicado, o descrédito, a desconfiança e danos morais e profissionais se abateram sobre aquelas pessoas, transformadas, de fato, em vítimas, e nada foi feito contra a poderosa denunciante e demais redes que seguiram a falsa acusação que, contudo, auferiram os lucros das vendas de jornais e das audiências de TV.

A parcialidade classista e preconceituosa de certos repórteres e "âncoras" de veículos de comunicação também teve uma ilustração patética no último dia do ano de 2009 quando Boris Casoy - o apresentador que por tantas vezes se auto-intitula de ético - fez um ácido e preconceituoso comentário assim que terminou de repassar os quadros das matérias a serem transmitidas àquela noite, em que apresentou-se os desejos de feliz ano novo que dois garis, por sinal muito simpáticos - sendo um deles já um senhor de certa idade -, gravaram para o Jornal da Band a pedido da própria emissora. O pronto comentário de Casoy, que não sabia que o áudio estava aberto após a chamada da reportagem, foi: "Que m... "Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras. Dois lixeiros! O mais baixo da escala do trabalho" (clique aqui para ver o ocorrido em video no Youtube). A polêmica geral levou Casoy a pedir desculpas no outro dia, mas de forma visivelmente contrariada, como também se pode ver em video do Youtube. Muito mais nobre e sensível foram as declarações posteriores dos próprios garis ridicularizados por Casoy, que pode ser vista clicando aqui.

Cabe, então, a dúvida se o citado apresentador teria expresso apenas a sua opinião pessoal ou esta seria reflexo do pensamento geral dominante nos meios de comunicação... Se for este o caso - e não faltam para isso indícios -, fica comprovado que não existe parcialidade jornalistica nas principais empresas de comunicação de massa, mas sim formas de repassar assuntos e comentários de modo a modelar o pensamento dos ouvintes, leitores e telespectadores de acordo com os critérios da ideologia e da visão de mundo de uma minoria economicamente dominante, com maquiagens de tolerância de democracia, como se pudessem cobrir lobos com peles de cordeiro.


O mesmo processo de tendenciosidade, de modo geral, pode se dizer que é encontrado no império gráfico da família Civita, dona do conglomerado Abril que edita - a agora já conhecida como mui-parcial - Revista Veja, que por tantas vezes já causou diversas polêmicas por, à guisa de ex-articulistas como Diogo Maynard e outros, promover matérias em prol de tal orientação política ou, super-financiada que é por empresários do Brasil e do exterior, para canalizar comportamentos de consumo, etc. (Veja também o seguinte link: http://www.consciencia.net/midia/revistaveja.html). Aliás, retomando o comentário do jornalista Luís Nassif, em seu blog sobre a mesma, de que "nos últimos tempos, Veja passou a praticar o jornalismo mais escabroso", parece servir também às outras publicações da Editora Abril, que têm assumido uma atitude superficial e tendenciosa em suas publicações, incluindo-se a revista que serviu de ponto de partido para este artigo, a Superinteressante. Cabe aqui uma frase célebre do jornalista Joseph Pulitzer (1847-1911), que daria nome a um dos prêmios mais cobiçados por jornalistas e escritores na mídia americana:

"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma."


O mais recente caso de "surf" oportunista das revistas da editora Abril se deu por ocasião do lançamento do filme sobre Chico Xavier, em dois de abril do corrente mês. Claro, uma boa reportagem se baseia, por lógica, na apresentação clara dos posicionamentos pró e contra determinado assunto, no caso, a polêmica da mediunidade do médium mineiro. Contudo, a reportagem escrita pela repórter Gisela Blanco pecou, para dizer o mínimo, pelo primarismo do que deveria ser uma "investigação" - se é que houve este espírito -, e não um pinçamento de opiniões das quais a parte destacada na estrutura da repórtagem impressa pareceu ter sido montada em um mosáico já previamente traçado pela repórter, talvez por ter já sua idéia preconcebida sobre a questão em pauta. Seja como for, a tal reportagem apresentou com inúmeras falhas e uma visível parcialidade que não escapou a quem, por mais cético que seja mas mantendo o senso crítico equilibrado, tenha suficiente equilíbrio para analisar e pesar uma escrito que se diz sério.

A falta de base em pesquisas psíquicas salta aos olhos, bem como a parcialidade e a ironia, com em se destacar mais os dizeres de outros quando pareciam confirmar a suspeita "naturalista" de fraude enquanto as opiniões opostas eram resumidas e reinterpretadas, quando não ironizadas, pelo discurso da repórter. Um simples exemplo: por que a jornalista Giesela Blanco não procurou seu colega de profissão mais experiente, Marcel Souto Maior, responsável pela pesquisa que deu origem ao filme? Não seria isso ao menos uma base reconhecida de pesquisa? Ele não teria nada a dizer sobre as questões de fraude que a repórter ventila? É por essas e outras que a mim ficou a má impressão de que todo o texto da "investigação" foi um arranjo do tipo "ouvi dizer que" seletivo, muito mais do que no confronto isento de referências. O "ouvi dizer que", especialmente quando catados para dar sustentação a preconceitos a priori adotados por quem os escolhe, pode bem servir para boataria e difamação, dando certo embalo a achismos, mas certamente não são provas de nada, muito menos fundamentos ou evidências sérias de uma reportagem que se pretente ser investigativa.


No caso, contudo, é visível que a reportagem de capa foi efetuada oportunisticamente e, parece, meio às pressas, já que a citada revista, para aproveitar a "onda" claramente esperada para a estréia do filme sobre Chico Xavier, resolveu aproveitar um tema popular e que, já se sabe, vende, e vende muito bem: o Espiritismo e, mais especificamente, a figura de Chico Xavier. Contudo, a imersão no paradigma de mercado claramente adotada pela Editora Abril não parece ter levado em conta a qualidade da pesquisa da matéria, talvez por supor, a priori, que o ponto de vista ultrapassado do modelo biomédico do tempo de Charcot, Freud e Janet, que viam nos "Médiuns" ou qualquer sujeito que aparente ter qualquer capacidade psíquica, incluindo a PES (perceção extra-sensorial, incluindo traços de telepatia ou precognição, etc.) como pessoas com sinais de desequilíbrio e/ou fraudadores mais ou menos hábeis, o que, segundo a revista citada, em uma forçada maquiagem cientificista resolveria o "mistério" que a mesma diz ter "descoberto", subrepticiamente postulando queas premissas do espiritismo é uma impossibilidade ante à comunidade científica, o que deixa claro o desconhecimento total da repórter pelos pesquisas mais básicas da área Psi, já que autores como o Prêmio Nobel Charles Richet (Traité de Metapsychique) e, mais recentemente, o parapsicólogo Joseph Banks Rhine (Fenômenos Psi e Psiquiatria), bem como outros pesquisadores, como Guy Lyon Playfair e o astrônomo britâncio Archie Roy, ambos membros atuantes da Society for Psychical Research, e todo o Departamento de Estudos da Personalidade da Universidade de Virgínia, EUA, cujas pesquisas e coleta de dados, especialmente as efetuados pelos Drs. Ian Stevenson e Jim Tucker (http://wwww.healthsystem.virginia.edu/personalitystudies), afirmam exatamente o oposto.

Josph Rhine, pai da moderna parasicologia, citando pesquisas de colegas em universidades, é taxativo ao afirmar que

"em todas as direções mencionadas é completa a ausência de qualquer conexão entre o sucesso em PES com aspectos neurôticos ou tendências psicóticas. Até hoje nada indicou qualquer elo especial entre funções psicopatológicas e parapsicológicas" (Fenômenos Psi e Psiquiatria, Hemus Editora, São Paulo, 1966, p. 40).


Tal tese associativa entre PES e psicopatologia, por mais esdrúxula que saibamos ser hoje, é, por motivos tendenciosos a-científicos, amplamente defendida por falsos ou pretensos auto-intitulados parapsicólogos, especialmente os de batina, como o folclórico Pe. Quevedo (que não é membro da Parapsychological Association de Nova York, embora diga que tenha seus livros validado por tal instituição. Estas e outras afirmações muito mais graves de Quevedo foram por várias vezes desmentido por pesquisadores autênticos da área, como podemos ver aqui) e seus diletos discípulos, Juarez da Silva Farias e o não menos virtualmente conhecido - posto que histriônico polmeista de sites da internet, contudo sem grandes recursos a não ser de repetir superficiais e já muitas vezes desmentidos chavões quevedianos -, o "fenômeno" Luiz Roberto Turatti.

Também existe uma impressão forte de que a repórter tivesse suprepticiamente expondo suas próprias idiossincrasias e preconceitos em uma repórtagem que deveria primar ao máximo pela imparcialidade, ainda mais por a repórter não ser nem psicóloga, nem cientista, mas alguém que tenta apresentar um assunto com base - ou ao menos deveria ser assim - em pesquisas bem fundamentadas, a menos que desde o início, até por uma questão de honestidade, a pessoa que levantou as informações já antemão esclarecesse que possuia uma visão definida, ainda que negativa, do caso Chico Xavier. Deste modo, ficaria claro para o leitor que o material, tal como foi a presentado, seguiria os critérios desta visão prévia, ou a priori, do assunto e por que assim o fez. Seja como for, pela estruturação e apresentação da matéria da Superinteressante, ficou claro que, nela, o Espiritismo é basicamente atacado em cima, como bem apontou Ricardo Alves da Silva, não por uma análise investigativa que procurasse uma dinâmica de pontos de vistas dípares, mas por ação "das falhas de um jornalismo realizado para atender interesses próprios (que gera e/ou justifica a pressa no levantamento das informações e conclusões da matéria)." (veja seu comentário integral no blog do Dr. Jader Sampaio, professor da UFMG, do qual extraimos um ensaio apresentado mais adiante).

Ao que tudo indica, das entrevistas feitas pela repórter da Superinteressante com as pessoas sobre Chico Xavier (muitas das quais forneceram materais que acabaram ou ficando de fora, ou sendo truncadas de acordo com a linha já anteriormente formatada pela revista antes mesmo das entrevistas, como ficou claro no testemundo do Dr. Alexandre Moreira-Almeida, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que teve sua entrevista estranhamente reduzida e "adaptada" na reportagem citada, descontextualizando e retirando muito do que foi dito pelo citado psiquiatra) foram pinçadas ou não dependendo do acordo que exibiam com a aproximação referencial já de antemão tomada pela repórter: a de que Chico é uma fraude. Veja-se, para tanto, que boa parte da reportagem parece se ter fundamentado nos trabalhos de Vitor Moura, que, ao estilo dos antigos pesquisadores de gabinete, também pínça qualquer texto que pareça dar margem à sua percepção pessoal de fraude, fazendo pouco de quem pensa (com base) o contrário de sua tese. Veja-se, de Moura, seu blog em http://obraspsicografadas.haaan.com

Sobre esta reportagem típica do império Civita pós-morte do seu fundador, Victor Civita, vejamos o que escreveu o professor do departamento de Psicologia da UFMG, Dr. Jader Sampaio em seu artigo "SUPERENVIESADO":

O difícil trabalho do jornalista


O trabalho do jornalista exige que ele apresente prós e contras de um ponto polêmico sobre o qual está escrevendo, aponte diferentes pontos de vista, favoreça o diálogo entre os atores sociais. Nem sempre o que ele escreve é afim à nossa forma de pensar, e o jornalista competente sabe traduzir os contraditos com qualidade e de forma bem embasada.

O mercantilismo da mídia e o jornalismo inescrupuloso

Ao lado da nobre profissão, temos o uso dos meios de comunicação como investimento, altas tiragens, vendas elevadas, etc. Ao transformar o jornalismo em produto mercantil, há quem não se incomode com o sensacionalismo e até mesmo com o direcionamento do que escreve para uma finalidade instrumental.

O Jornalismo Manipulador

Quem não se recorda da lamentável matéria televisiva veiculada por uma grande emissora após o debate entre os candidatos Lula e Collor? Eu havia assistido o debate na véspera e fiquei atônito ao ver que um órgão de comunicação havia escolhido os piores momentos de Lula e os melhores momentos de Collor no dia seguinte. (E olha que não votei em Lula na última eleição).


Eu conheço jornalistas sérios e notáveis. Recordo-me de um que após a entrevista que concedi, desabafou: não vou escrever a matéria, não tenho a clareza necessária sobre o tema.

Recordo-me de outro de uma revista de circulação nacional, que me telefonou, sedutor, dizendo que queria saber o que eu fazia de espírita na Universidade para dar visibilidade ao Espiritismo. Eu desconfiei do tom amigável e sedutor e não lhe disse nada. Ele insistiu, queria saber se eu ensinava Espiritismo em minhas aulas de Psicologia do Trabalho (!!!!) e se adotava outras atitudes claramente sem ética. Na semana seguinte vinha a matéria, que tinha por interesse vilipendiar um funcionário de alto escalão do governo Fernando Henrique, apenas por ser espírita confesso e atuante. Conversei com alguns dos entrevistados e eles me disseram que o repórter chegou com uma pauta e perguntou outras coisas sem qualquer conexão com o objetivo expresso, que publicou, pontual e maldosamente no artigo, visando desacreditar o Espiritismo, para com isto atacar sua vítima. Não preciso dizer que não houve qualquer menção à minha entrevista e à de outros que responderam de forma semelhante.
É inesquecível, em meus tempos de estudante de graduação, o trabalho de um jornalista que colheu entrevistas visando identificar irregularidades no ensino público superior. Suas informações ficaram guardadas por meses e vieram à luz na semana em que o congresso constituinte votava a gratuidade do ensino superior público. Não preciso dizer que não se publicou nada de bom das universidades públicas. Pergunto ao meu leitor: havia ou não intenção de interferir parcialmente no trabalho dos constituintes, na defesa da opinião dos donos do jornal?

O Jornalismo de Superinteressante

Não me surpreende, portanto, que a Super, adote eventualmente esta linha sensacionalista. Aparentemente o trabalho sobre o Chico Xavier quer mostrar dois lados de um debate sobre a mediunidade. Seria excelente se fosse apenas isso, mas as entrelinhas e insinuações da repórter denunciam sua intenção (será mesmo dela ou da revista?): a de gerar descrédito e até ridículo na imagem pública do Chico.

1. Para fazer o contradito eles procuraram especialistas que estudaram o Chico ou sua obra? Não.

2. Estudaram o trabalho do Chico em profundidade? Não.

3. Apresentaram os autores que pesquisam mediunidade? Sim e não (Ficou isolada e descontextualizada a entrevista com o Dr. Alexander Almeida).

4. Usaram material de blogueiro, sem formação científica adequada? Sim.

5. Usaram termos da metapsíquica, há muito abandonados pela parapsicologia, como hipótese alternativa à mediunidade? Sim.

6. Usaram epistemologia positivista do século XIX? Sim (comprovação de hipóteses como sinônimo de verdade, em lugar de teste, corroboração ou falsificação de hipóteses).

7. Sugeriram a explicação da mediunidade a partir dos sintomas das crises de epilepsia? Surpreendentemente, sim.

8. Apresentaram hipóteses físicas sobre materialização como se fossem conhecimento científico? Curiosamente sim. (Eles calculam a energia necessária para "surgir uma massa do nada", o que não é hipótese espírita para a explicação de fenômenos de materialização).

9. Ocultaram o conteúdo do episódio envolvendo David Nasser, seu colega de profissão, mesmo falando da matéria de O Cruzeiro? Sim

10. Inventaram uma nova explicação para a mudança do Chico para Uberaba, sem qualquer evidência? Sim.

11. Criaram uma imagem pública depreciativa para o Chico ao alcunhá-lo como piadista? Sim. (Ao que me consta, ele não escreveu nenhum livro de piadas, e o próprio Simonetti indignou-se ao ver como usaram o título de um de seus livros)
12. Alegaram fraude para as mensagens psicografadas pelo Chico com base em boatos? Sim.

13. Fizeram um ataque ao filho de Chico Xavier, Eurípedes Higino, sem lhe dar o direito do contradito? Sim, e ficou insinuado que ele usa os direitos autorais do pai adotivo em benefício próprio.

14. Sugeriram com base em um depoimento de um repórter que todos os fenômenos de odores no ambiente de materializações são fraudes? Sim.

15. Omitiram as conclusões do trabalho do Marcel Souto Maior, que estudou o Chico e outros médiuns durante muito tempo para escrever seus livros? Sim.

16. Afirmaram a existência de uma indústria com o nome do Chico Xavier? Sim, e se esqueceram de afirmar que eles também estão auferindo lucros, ao publicarem esta matéria agora e não há um ano.

Concluindo

Depois disso tudo, devem ter vendido muitas revistas. Parabéns ao administrador financeiro da Abril, meus pêsames ao editor. Não vou ficar argumentando contra um trabalho tão pueril e maldoso. Se o leitor quiser, acesse o link do site de Richard Simonetti. Ele está indignado e escreveu de forma incisiva, mas apresentou muitas evidências em contrário do que publicou a Superinteressante (ou será Superenviesada?)

http://www.richardsimonetti.com.br/artigos/superinteressante.html

Posteriormente, o autor, Jader Sampaio, acrescetou ao seu blog:

Publiquei o seguinte comentário na SUPER:

Que tal a super fazer uma nova matéria consultando pesquisadores da obra do Chico? Recomendo o Dr. Alexandre Caroli Rocha - UNICAMP (mestrado e doutorado na obra de Humberto de Campos), dar um espaço maior ao Dr. Alexander Almeida, o Dr. Raul Teixeira - UFF, Benedito Fernando Pereira (Bacharel em Letras com monografia sobre Olavo Bilac) Franklin Santana Santos (USP), Ubiratan Machado, Carlos Augusto Perandréa entre outros. Acho que seria muito decente dar direito de resposta ao Eurípedes Higino.

Por que não entrevistam direito o Marcel Souto Maior, que ficou anos estudando a mediunidade do Chico antes de publicar os livros? Por que não listam todos os autores que escreveram através do Chico para podermos cotejar com a suposta biblioteca que afirmam que ele teria (com base no estudo da Magali?)?

Porque não descrevem o dia a dia do Chico antes e depois da aposentadoria, para vermos o tempo que ele tinha para o estudo? Por que não apresentam as conclusões do estudo de Alan Gauld sobre mediunidade (SPR - Inglaterra)?

Por que não apresentaram os resultados do trabalho de grafoscopia do Perandréa? Uma coisa é certa, voces continuam na linha crítica da mediunidade, como já tive a oportunidade de comentar em artigo escrito para a matéria médiuns de sua revista e em outros trabalhos que escrevi discutindo outras publicações da editora Abril sobre o tema. http://espiritismocomentado.blogspot.com/search?q=superinteressante.

Uma sugestão: saiam da suposta neutralidade jornalística e admitam que são críticos da mediunidade. É mais honesto.


E o Dr. Alexandre Moreira-Almeida, psiquiatra e pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora com vários estudos sobre mediunidade publicados, escreveu:

Abaixo, o e-mail que enviei ao editor da Superinteressante, Sérgio Gwercman

(...) No seu editorial da SUPER deste mês, você fala que uma boa reportagem deve ter respeito e não reverencia, que o jornalismo exige a coragem de fazer perguntas. Concordo plenamente, mas se um bom repórter deve ter a coragem de fazer perguntas incômodas, deve também ter a coragem ainda maior de ouvir e levar seriamente em consideração as respostas, mesmo que não estejam de acordo com a opinião do repórter. Caso contrário, infelizmente, se confirmará o que o meu supervisor de pós-doutorado na Duke Univeristy nos EUA, uma vez me disse:

"quando um repórter vai te entrevistar, ele geralmente já tem a matéria e as conclusões na cabeça dele, ele apenas vai buscar na sua entrevista algumas frases que dêem autoridade ao que ele quer escrever". E veja que esta opinião vem de um pesquisador líder no mundo e que já deu centenas de entrevistas aos mais importantes órgãos de imprensa do mundo.
(..)

Não vou me deter em aspectos gerais da matéria e que deveriam ser evitados em qualquer matéria de jornalismo científico respeitável, como evitar ironias, adjetivos e lançar suspeitas sem uma sustentação sólida. Me deterei apenas na parte que me diz respeito. (...) expliquei para a repórter as possíveis explicações para o fenomenos que têm sido levantadas por cientistas, inclusive indiquei para ela uma biblioteca virtual (www.hoje.org.br/bves) onde ela poderia ver artigos cientíticos nesta área. Algumas considerações:

- Embora ela tenha publicado que, para cientistas, a explicação não seria nem fraude, nem "palavras do outro mundo", eu incluí estas duas possibilidades nas minhas explicações. Possibilidades que são exploradas, por exemplo, nos artigos em anexo e em de vários outros pesquisadores de todo o mundo nos artigos da referida biblioteca virtual. Quem conhece pesquisas na área, sabe que estas são duas hipóteses que devem sempre ser consideradas.

- Sobre psicose, ela omitiu que a hipótese de psicose foi uma hipótese muito comum no início do século passado, mas que está desacreditada

- sobre o eletroencefalograma, enviei para a repóter dados da Liga Brasileira de Epilepsia e de vários pesquisadores enfatizando que não é possível fazer um diagnóstico de epilepsia com base apenas neste exame e ainda menos com base em um fragmento muito pequeno e sem descrição das condições em que ele foi realizado. A matéria ignorou todas estas informações para apresentar apenas o que foi publicado em uma matéria jornalistica dos anos 70, de que seria epilepsia.

Com relação às poesias psicografadas por Chico Xavier e atribuídas a poetas falecidos, indiquei que ela entrasse em contato com a maior autoridade academica na área: o prof. Alexandre Caroli Rocha que defendeu mestrado e doutorado em Literatura na Unicamp com base nos poemas e outros textos psicografados por Chico Xavier. Tive o prazer de fazer parte de sua banca de doutorado. Ela de fato o entrevistou, mas para minha surpresa ele ou as conclusões do trabalho dele não foram citados na matéria, que continha apenas um trecho em que afirma que eram "obras razoavelmente fiéis ao estilo dos autores que as assinavam", sem citar as fontes para tal afirmação.

Naturalmente que um repórter deve ter a liberdade de escrever suas opiniões, mas, principalmente em uma publicação de divulgação científica que se preze, não deve ocultar deliberadamente as informações que não condigam com suas opiniões pessoais. Todo o fruto da investigação jornalística deve ser exposto para que o leitor faça seu julgamento. Espero que estas considerações sejam úteis à Superinteressante no apimoramento de sua missão de bem informar a população brasileira realiando um jornalismo científico criterioso e responsável.


Alexander Moreira-Almeida

- da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
- Diretor do NUPES - Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF www.ufjf.br/nupes

terça-feira, 20 de abril de 2010

A Formação do Cristianismo depois de Jesus - Parte I



texto de
Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Escrito em janeiro de 2000

Publicado originalmente na extinta GeoCities e lá exposto até outubro de 2009


Quando, hoje, buscamos referências sobre o início do Cristianismo, muito freqüentemente nos debruçamos nos documentos canônicos que constituem o chamado Novo Testamento, ou seja, os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, o texto intitulado Atos dos Apóstulos, as Epístolas de Paulo, de Pedro, de João e de Tiago, e o Apocalipse de João. Subsidiariamente, podemos consultar os escritos do judeu romanizado Flávio Josefo, em especial sua obra Guerras Judáicas, e alguns parcos comentários sobre o nascente movimento dos cristãos feitos por escritores romanos muito depois da morte de Cristo. Mas é pouco lembrado, porém, que os textos oficiais do Novo Testamento foram estabelecidos como tais em uma época bastante posterior aos acontecimentos que envolveram a vida de Jesus e o trabalho desempenhado por seus discípulos diretos, pois o cânone oficial só veio a ser estabelecido em 397 d.C. durante o chamado Concílio de Cartago, onde as diretrizes do que seria a Teologia Romana - paradoxalmente extremamente ligada aos processos políticos e administrativos do mesmo Império que havia perseguido tão duramente os cristãos - foram cristalizadas, num desdobramento político que veio se fazendo desde que Constantino oficializou o cristianismo como a Religião do Império - sem que tivesse, contudo, postergado diretamente a religião pagão anterior.

Por esta época estavam sendo erguidos os estatutos da instituição chamada Igreja - na verdade, mais especificamente os da Igreja Romana, incentivada pelo imperador Constantino, e que, por isso, deveria ser a hegemônica por estar ligada diretamente à sede do Império, pois várias eram as tradições cristãs vigentes, como as da Igreja Grega, a Igreja de Alexandria, a Igreja de Antioquia, a Igreja de Éfeso, a Igreja Copta, a Igreja Gnóstica e outras tradições, nem uma delas mais poderosa que as demais, com excessão, talvez, da Igreja de Alexandria, cujas profundidades ou idéias eram divergentes das de Roma e que seriam vistas e condenadas como ameaças ao poder do núcleo romano, sendo, pois, consideradas heresias. Parte destas igrejas orientais permaneceram críticas da teologia construída por Roma, com especial ênfase na primazia quase supra-humana do bispo de Roma, o Papa, o que levou, no século XI, ao cisma definitivo entre a Igreja Romana e as do Oriente, hoje conhecidas como Igrejas Católicas Ortodoxas.

Os textos que se tornaram a base da Bíblia Cristã oficial foram escolhidos, como hoje sabemos, entre vários outros que circulavam sobre a vida de Cristo à época - alguns extremamente fantasiosos, mas outros com aprofundadas informações sobre Jesus e o pensamento dos cristãos da época - e que, a partir de então, em especial com São Jerônimo, foram editados e copiados em um processo que, atualmente sabe-se, não escapou de ser cheio de manipulações e adaptações aos interesses da nascente instituição religiosa, em especial na construção e edição de um texto dirigido a leitores romanos, orgulhosos de sua nacionalidade e da história de seu Império, o que levou a expedientes como o recheio dos textos com enxertos de frases, supressões ou adendos interpretativos que procuravam dar uma visão de mundo que fosse concorde com os interesses da Igreja que se estabelecia como instituição. Um dos exemplos deste tipo de manipulação é o esforço para se minimizar a participação dos romanos na execução de Jesus, jogando a responsabilidade quase que completamente em cima dos judeus (a esta altura já dispersos pelo Império depois da destruição de Jerusalém por Tito no ano 70), esquecendo-se que o Galileu foi vítima de dois processos: um político-religioso, da parte dos judeus, e outro político, por parte dos romanos. Esta temática será desenvolvida mais adiante.

Os atuais estudiosos das Orígens do Cristianismo, porém, às custas de um esforço hercúleo ainda pouco reconhecido, relativamente livres, em sua maior parte, da pressão política e teológica das Igrejas estabelecidas (sejam Católicas - do Ocidente e/ou do Oriente - ou Protestantes), conseguiram, a partir dos dados de novas descobertas arqueológicas, como os achados vários documentos arqueológicos da época de Cristo (Manuscritos do Mar Morto; inscrições) ou próxima a ela (Evangelho de Tomé), estudos interpretativos e análise de textos, delinear um quadro mais aceitável da história da formação do Cristianismo do que a que se tinha até o início do século, e que era ainda a dada pela teologia oficial.

Após a morte de Jesus que, ao que tudo indica as mais recentes pesquisas (c.f. Bibliografia ao final do texto), teria ocorrido no ano 30 d. C. ( tendo Jesus nascido entre os anos - 8 a - 4 a. C. estando, portanto, nosso calendário errado em ao menos quatro anos ), o incipiente movimento por Ele liderado só não se dissolveu diante da crua realidade da execução do mestre e da forte oposição teológica, policial e política do Sinédrio -- preocupado em manter a ordem pública e evitar a ira de Roma, conseguindo, através de manobras, envolver o movimento galileu num falso halo de conspiração política que despertou a atenção da Administração Romana, o que levou Jesus à morte sob o peso de duas acusações: uma religiosa (blasfêmia) e outra política (Jesus como pretendente ao trono de Davi), sendo a primeira, crime capital pelas leis judáicas; a segunda, crime capital pelas leis de Roma -- por conta das chamadas aparições póstumas do próprio Cristo diante de seus abatidos discípulos, o que lhes estimularam e fortaleceram em seus ideais e lhes deram confiança e coragem para levar adiante o movimento de renovação espiritual, com conseqüências sociais notáveis, iniciado por Jesus. Convém notar, entretanto, que se tais aparições foram o impulso necessário ao maior sucesso religioso de todos os tempos, também causou, logo no princípio, uma mudança de ênfase, nos discípulos mais exaltados, do sentido da mensagem universalista do Nazareno, seu legado mais importante, para o da figura extraordinária do próprio Jesus, que passou a ser visto como muito mais que um iluminado profeta e homem que atingiu o pico mais alto de desenvolvimento humano para o de um Ser não humano, e com Paulo levou paulatinamente à idéia de que Cristo era o próprio Deus.

Não devemos nos espantar com o fato de que o movimento cristão primitivo se aglutinou ante os fenômenos que hoje chamamos de psíquicos, mediúnicos ou paranormais como, por exemplo, os das aparições póstumas de Jesus. Geddes MacGregor, em seu estudo dos vários movimentos cristãos paralelos que floresceram durante os primeiros quatro séculos de nossa era, é mesmo taxativo a este respeito ao dizer que "Toda a literatura do Novo Testamento, para não dizer a vasta literatura não canônica do cristianismo primitivo, foi escrita por e para pessoas que haviam desenvolvido considerável sensibilidade aos fenômenos psíquicos" (Cit. in Miranda, 1992, p. 29), e sobre os quais os vários relatos contidos nos Atos dos Apóstolos, em especial a Conversão de Paulo, por exemplo, são ricos exemplos. Mesmo que não se aceite o fenômeno, convém porém lembrar que foi a convicção dos discípulos nestas aparições que se tornaria o "Big Bang" do maior sucesso religioso de que se tem notícia na História ( sucesso no sentido de se expandir uma doutrina que teve orígem em Jesus, mas que não foi tão bem sucedida da conservação e transmissão da real mensagem original do Cristo, como nos mostram vários estudiosos ).
Apesar das novas idéias e revigoração da ética humana trazidas por Jesus, o grupo galileu ainda era - e assim se via até a diáspora judáica do ano 70 - um movimento de renovação dentro do judaísmo, baseado na herança teológica deste povo, e que visava passar adiante uma mensagem mais espiritualizada e humana da relação entre Deus e os homens e, através desta, uma nova forma de relação ética entre estes, baseada na fraternidade que resulta do fato de todos sermos filhos do mesmo Deus (C.f. a home page Jesus e Sua Mensagem e os livros abaixo relacionados).

Na verdade, apesar da ignomínia e covardia que o Sinédrio havia cometido para com Jesus, ninguém no grupo dos nazarenos pensou em romper com o judaísmo, até mesmo porque, apesar das manipulações de Anás e Caifás, haviam simpatizantes do movimento de Jesus dentro mesmo do Templo e, como judeus que eram, com toda a tradição e história típicas da raça, não havia sequer a possibilidade de pensarem em ser outra coisa que não judeus que acreditavam ser mensageiros de uma atualização da Lei mosáica contida na Torá. Mas com a evolução dos acontecimentos, o que de início começara como um movimento de questionamento e de novas idéias sobre o judaísmo logo iria se transformar em algo mais: teria, aos olhos dos demais judeus, conotações de uma seita - ainda dentro do judaísmo - para, por fim, se delinear como um movimento plenamente independente, em especial a partir da dispersão dos judeus pelo Império - como conseqüências de duas sublevações nacionalistas contra Roma - e do ministério de Paulo pelos países adjacentes à Palestina até chegar em Roma.

De início ainda titubente, diante das forças do Sinédrio e de Roma, mas com a segurança que só a convicção mais absoluta logra obter, os discípulos de Jesus, após as suas últimas aparições e depois do Pentecostes, começaram a sair e se fazer cada vez mais presentes na comunidade judáica, de início em Jerusalém e, logo após, por toda a Palestina. O sucesso da mensagem do Cristo - ou ao menos da parte de sua mensagem que chegou até nós, ainda assim plena de acréscimos, cortes e manipulações, como o demonstram os estudos de experts vários em cristologia (veja a Bilbliografia sugerida abaixo) - se deve em grande medida à força da convicção destes homens e mulheres heróicos nas primeiras décadas da segunda metade do século I de nossa era, muito embora já a ênfase começasse a ser dada, devido ao impacto ocorrido com as aparições de Cristo, mais à figura do histórica de Jesus que ia se transformando em mito - pois para eles, Jesus era o "super-homem" que havia Ressuscitado (ou melhor, se dado a ver algumas vezes "estando as portas trancadas", como disse João em seu Evangelho) - que à sua mensagem propriamente dita, o que era o mais importante.
Eles eram conhecidos, inicialmente, como os Nazarenos ou representantes de um movimento que se intutulava O Caminho e, a rigor, nos primeiros anos, só se diferenciavam de tantos outros braços e correntes do judaismo, como os Fariseus, Saduceus, Essênios, Zelotes e outros, pela sua impetuosidade, pela minoria nômica e pelas idéias - que poderíamos chamar, mantendo a devida diferenciação com a conotação da palavra nos dias de hoje, de socialistas - o que explica, como muito bem nos aponta Mircea Eliade, que de toda produção intelectual da cultura ocidental apenas o Cristianismo e o Marxismo tenham chamado realmente a atenção de outros povos e civilizações, como a Oriental ou a Africana, por exemplo, exatamente porque ambas têm como objetivo resgatar o homem enquanto homem das amarras negras que o prendem, seja por conta de uma visão de mundo ainda brutal, seja por conta de uma visão patriarcal e xenófoba, como no caos do judaísmo ao tempo do Cristo, seja por conta de um sistema econômico explorador, como no caso do Capitalismo, muito bem dissecado por Marx . Outro ponto em comum entre Cristo e Marx foi o fato de que seus seguidores acabavam por os interpretar à sua maneira, como veremos mais adiante, pois muito do que foi dito por Cristo foi recebido de acordo com o entendimento e maturidade espiritual de quem o ouvia, o que não deixou de trazer várias interferências na mensagem original de Jesus.

Devido ao orgulho pátrio, à crença na superioridade do Povo Escolhido de Deus e na esperança da vinda de um Messias que restabeleceria a glória de Israel frente às demais nações, em especial à odiada Roma, por cujo jugo estavam submetidos, bem como a um não completo entendimento da missão espiritual do Mestre, paulatinamente os futuros cristãos mesclariam ainda mais o entendimento parcial da doutrina de Jesus às várias revelações apocalípticas vigentes então, que viam o domínio de Roma sobre Israel um sinal de decadência drástica ao qual só uma reforma radical do mundo, marcando um fim do mundo antigo e trazendo um vitorioso Reino de um Deus dos Exércitos, o Yhavé de Moisés, poderia fazer renascer uma nova humanidade. Daí o cunho escatológico tão freqüente na narração dos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas de Paulo, o que não deixou de se refletir especialmente na redação dos Evangelhos, cujos textos iniciais foram escritos bem depois de Jesus, mais ou menos na época da destruição do Templo no ano 70.

Isso não significa, porém, que já na época de Cristo não houvesse algum ou alguns textos ou mais especificamente algumas anotações feitas por admiradores alfabetizados, contendo os principais pontos de sua doutrina e que tenham servido de base aos debates entre os discípulos e aos demais textos posteriores. Possivelmente estes existiam, se não diretamente contemporâneos a Cristo, ao menos esboçados pouco depois de sua morte. Hoje existe quase uma unanimidade em relação à existência de, ao menos, uma fonte primitiva escrita, que se perdeu. Este texto fonte primário (quelle em alemão) é conhecido entre os especialistas como o Evangelho Q (de quelle), cujos traços podemos ver nos demais evangelhos e que tem, provavelmente, sua expressão mais aproximada no chamado Evangelho de Tomé (ou de Tomás) que foi encontrado, aliás, redescoberto (pois já tínhamos conhecimento da existência deste evangelho nos primeiros quatro séculos de nossa era por meio de citações dos primeiros teólogos da Igreja) em 1945 no Egito, isso se não for quase todo ele, ou boa parte dele, o próprio Evangelho Q, como pensam alguns.

A força da personalidade de Jesus (cujo nome em hebráico é Yoshua sendo Jesus a adaptação latina da forma grega Iesous), junto com a eletrizante notícia de suas aparições iria se amalgamar na imaginação dos novos discípulos que cada vez mais se juntavam aos primeiros para se fazer nascer a crença, com poucas exceções, de que Jesus seria realmente o Messias reformador esperado, tendo poderes supra-humanos no imaginários popular e que não apenas iria fazer surgir uma nova espiritualidade e uma ética social revolucionária decorrente desta - seu real objetivo -, mas que iria, de fato, estabelecer fisicamente um Reino de Deus na Terra em sua segunda vinda ao orbe - tema este que surgiu devido à exaltação dos discípulos e a uma má interpretação das palavras de Jesus, o que se justifica, em parte, pelo fato de que nos primeiros séculos, as várias comunidades cristãs eram formadas por grupetos de gente que estavam espalhadas em áreas díspares, especialmente depois da diáspora dos judeus na década de 70 do século I. Era difícil o contato entre estas comunidades, e muito do que se sabia sobre Cristo era esparso, fragmentário e transmitido oralmente. Nestas comunidades, aos poucos, a ênfase recaia nos talentos de cura extraordinários de Jesus e em seu carisma pessoal, o que fortalecia ainda mais a esperança de ser ele o Messias político esperado, o que, infelizmente, eclipsou grande parte de sua mensagem, e fez nascer a imagem mítica de um ser sobrenatural, singular, cada vez mais distante da humanidade. A ênfase messiânica acabou por contaminar mesmo os escritos evangélicos em detrimento de uma melhor apresentação de sua mensagem e na distorção de certos fatos históricos.

Com o constante crescimento dos simpatizantes da causa do Cristo entre os judeus - não nos esqueçamos que este movimento ainda era visto como um movimento de Reformas dentro do Judaísmo, pelos discípulos, muito embora a visão de Jesus fosse universalista - o Sinédrio se inquietou ainda mais, em ressonância com o crescente clima de rebelião que se fazia sentir em toda a Judéia ocupada. Se antes eles eram relativamente tolerados até mesmo dentro do Templo por demonstrarem seguir as normas das cerimônias ortodoxas, o aumento geométrico de simpatizantes trouxeram os mesmos receios na elite sacerdotal que provocara a morte de Jesus. Pedro e outros apóstolos foram detidos mas escaparam da morte com a ajuda dos aliados que tinham em meio aos sacerdotes - e que, infelizmente, devido às urdiduras de Caifás, não puderam comparecer em grande número ao julgamento de Jesus. A mesma sorte, porém, não tiveram outros discípulos, como por exemplo, Estevão, que foi morto a pedradas, não porque lhe faltassem defensores, mas por causa do ardor de seu posicionamento diante da Doutrina de Cristo, o que feriu muito as susceptibilidades dos Doutores da Lei. Entre os que estavam presentes, um dos mais irados foi Saul de Tarso, que se fizera um implacável combatente das idéias do Cristo (e dos seus discípulos). Ele foi o responsável direto pela prisão de inúmeros discípulos e simpatizantes do Cristo.
Saul (ou Saulo) era exaltado e inteligente, de temperamento forte e com extremo espírito combativo, um futuro sacerdote exemplar do Templo. Mas seu posicionamento ante o cristianismo iria dar uma completa reviravolta.

Em uma de suas viagens, Saul passou por uma experiência psíquica que lhe impactou tanto que de perseguidor passou a ser o maior defensor do cristianismo entre os judeus e, posteriormente, entre os não judeus, chamados por estes de gentios. Na estrada para Damasco, onde iria levar a cabo mais perseguições e prisões de cristãos, Saul teve ele mesmo uma experiência não usual ao ver o próprio Jesus diante de si (os que o acompanhavam presenciaram igualmente "alguma coisa" que não souberam definir).

Ao mesmo tempo, os primeiros judeus helênicos e egípcios, junto com gentios destes mesmos países e que tinham entrado em contato com Jesus e sua doutrina, começaram a formar núcleos em Antioquia e em Alexandria, no que seria os primeiros passos reais do cristianismo pelo mundo.

Após as primeiras perseguições, os ânimos do Sinédrio, em especial diante da atitude moderada de sacerdotes como Gamaliel, se acalmaram por um certo tempo, outros problemas políticos melindrosos com relação à Roma se tornaram mais importantes, mas o movimento Galileu não foi negligenciado totalmente, e por uma década os discípulos que haviam escapado dos primeiros embates diretos com o Sinédrio passaram a retomar à divulgação da Boa Nova com maior sucesso especialmente na Galiléia, região relativamente livre do domínio direto de Roma e mais distante do braço fiscalizador do Sinédrio. O núcleo de Jerusalém ficou sob o comando de um irmão de Jesus chamado Tiago, o Justo (assim chamado por ser fiel cumpridor de grande parte da ortodoxia judáica que não se chocava com as idéias do irmão).

Enquanto isso, Pedro iria ser um grande divulgador da mensagem de Cristo nas demais regiões (muito embora tenha sido ele a começar a fazer de Jesus mais que um Messias espiritual, desenhando-o cada vez mais como o Filho Unigênito de Deus e como o Messias militar que era esperado pelos judeus). Tiago, porém, iria ser morto ao redor do ano 62 por ordem dos sacerdotes do Templo. Esse foi o início de uma nova fase de perseguição aos cristãos na região da judéia, tendo muitos, por isso, procurado refúgio da Galiléia e em outras localidades, até mesmo em outras países, como foi o caso, por exemplo, de Tomé, que foi à Índia, ainda que pelo caminho tenha pregado a outros povos, como os Egipcios e os Persas. Foi Tomé o autor do evangelho que leva seu nome, e que se julgava perdido até que foi reencontrado, como já dissemos, junto com outros documentos, em 1945 no Egito, perto da cidade de Nag Hammadi, uma cópia copta deste evangelho, o que trouxe uma retumbante reviravolta nos estudos cristológicos e históricos, talvez potencialmente maior que a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, que foi feita em 1947. Estudiosos como Elaine Pagels, Helmut Koester, Hans Jonas e outros admitem que os aforismos contidos neste evangelho são os mais próximos das palavras autênticas de Jesus - o que serve como referência para se saber o que foi enxertado na mensagem dos Evangelhos sinóticos oficialmente reconhecidos pela Igreja, sem falar de outros pontos que só são encontrados neste evangelho, o que muito ajuda a esclarecer o real pensamento de Jesus, que é um tanto diferente de muitos pontos defendidos pelas igrejas cristãs oficiais. Para um estudo aprofundado sobre este tema, aconselhamos a leitura de "O Evangelho de Tomé - Texto e Contexto" de Hermínio C. Miranda, 1992, Editora Arte e Cultura, Niterói; e de "O Evangelho de Tomé" de Marvin Meyer, Editora Imago, Rio de Janeiro, 1993.

Ao mesmo tempo, por esta época, a situação política na Judéia tinha chegado a um grau explosivo, com muitas subvleções contra o domínio romano, em especial diante da militância do movimento dos Zelotes, que possuiam vários líderes carismáticos que se supunham, um após outro, serem o próprio Messias.

A Formação do Cristianismo depois de Jesus - Parte II




Em 66 d. C., a maior parte dos judeus se rebelaria contra Roma e seu jugo. A maior parte dos cristãos, que eram pacifistas, se mudaria para cidades neutras, quase nada sofrendo. A destruição definitiva do Templo por Tito e seus soldados fora entendida pelos cristãos como a concretização das palavras de Cristo de que não restaria pedra sobre pedra da esplêndida edificação, refeita há mais de setenta anos por Herodes, o Grande, e que era o coração mesmo da religião judáica. Os judeus que foram dispersos viram com despeito o fato de que os judeus cristãos estavam seguros em cidades ao redor do Jordão, na galiléia e em núcleos judeus no Egito e Síria, onde, aliás, haviam outras correntes do judaísmo com pontos em comum com o cristianismo, como os Essênios e os Terapeutas, e sabiam o que estes diziam a respeito da destruição do Templo. O ódio que começou a se alastrar entre os judeus dispersos e os cristãos acabariam por cindir definitivamente as duas correntes.

Com a expulsão dos judeus de Jerusalém e da Judéia - a diáspora -, os apóstolos e seus discípulos passaram a ser mais atuantes entre os judeus mais abertos à mensagem de Jesus em vários centros cosmopolitas, indo de Damasco à Roma. Enquanto Felipe marcou profunda presença na Samaria e em Cesaréia, João seria o responsável pela fundação de um dos mais importantes núcleos cristãos em Éfeso e outras regiões da Ásia Menor.

Pedro, ao lado de Paulo, era um dos mais infatigáveis divulgadores de Jesus como um ser muito mais divino que humano, esquecendo-se que o próprio Jesus fazia questão de estabelecer a irmandade de todos os filos de Deus, sendo ele o que conseguiu atingir o propósito da vida e se fazer UM com com os desígnios do Pai. Sua pregação se fez em especial pelas regiões adjacentes à Ásia Menor, Capadócia, Bitínia e Ponto, tendo ido várias vezes à própria Roma até ser finalmente cruxificado na cidade imperial em 64 d. C. Foi por intermédio de Pedro e Paulo, exatamente pela presença de ambos em Roma, que se atraiu a atenção e a conversão não só de judeus, como de muitos gentios. Com Pedro, o cristianismo viria a adotar muitos dos elementos do judaísmo, em especial sua ênfase escatológica em um fim dos tempos que estaria próximo, e várias festas tradicionais judáicas, em especial a Páscoa. Com o tempo, a mescla de cerimônias judáicas seria visto pelos cristãos romanos como uma brecha para que outras cerimônias e vestimentas, dos antigos ritos pagãos, fossem igualmente mesclados ao cristianismo.

Como nos fala muito lucidamente Albert Paul Dahoui, "a diáspora facilitou o desenvolvimento do cristianismo, pois o movimento dos judeus de um lugar para outro, suas ligações com o Império, especialmente financeiro, ajudado pelo comércio, pelas estradas e pela paz romanas, acelerou a expansão do novo credo. No entanto, se em Jesus e em Pedro (especialmente neste último) o cristianismo era judeu, em Saul metamorfoseou-se em grego e no catolicismo tornou-se romano" (DAHOUI, 1999, volume VII, p. 301).

A partir da década de 70 em diante, as primeiras edições dos textos que dariam orígem aos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) começaram a circular entre as comunidades cristãs, mas estas sementes estavam em meio a muitos outros textos que foram totalmente perdidos, ou que nos chegaram na forma de fragmentos ou como textos apócrifos, ou seja, não reconhecidos pela Igreja. Hoje sabemos, como já o dissemos, que os três sinóticos citados acima se basearam em uma fonte em comum que, antes, se pensou ser um texto primitivo do que seria o Evangelho de Marcos, mas hoje já se ventila a hipótese de que esta fonte (quelle em alemão), o famoso evangelho Q seria um conjunto de aforismas e anotações dos ditos de Jesus muito próximos do que se acha inscrito no Evangelho de Tomé, podendo ter algumas anotações biográficas em um outro texto que faria parte do Evangelho de Mateus. Já o Evangelho atribuído a João teve o início de sua redação no fim do século I e tem um linguajar bem diferente, especialmente diante do público alvo a que se dirigia, ou seja, aos gregos. É o mais gnóstico dos quatro evangelhos e o mais próximo, no seu espírito, ao evangelho de Tomé, mas é, igualmente, o que melhor permite ver que foi amplamente modificado em vários pontos, ou seja, que foi escrito por mais de uma mão. Mas, de qualquer forma, deve-se ter em mente que todos foram escritos tendo por objetivo divulgar uma imagem do Cristo, e muito do que foi narrado (e não foi adulterado posteriormente por copistas e editores) ainda assim deve ser visto com certo cuidado, pois se baseiam nas memórias de discípulos das ocorrências de quase quarenta anos antes.

O ministério de Paulo foi, de longe, o mais atribulado do dos demais discípulos do Cristo, ainda que Paulo nunca tivesse tido contato com o próprio Jesus quando este vivia na Terra. Impetuoso, Paulo viajou por quase todo o Império onde haviam comunidades judáicas e teve sérios atritos com os demais discípulos. Tentou apresentar Cristo como um dos grandes Filósofos iniciados, em Atenas, mas teve um êxito desprezível neste primeiro momento. Suas viagens estão narradas nos Atos dos Apóstolos e em documentos vários, como suas Epístolas (ao menos, às que lhe são atribuídas e que não sofreram ainda maiores interferências posteriores que os Evangelhos, sem falar de outras que simplesmente desapareceram depois do século IV). Morreu em Roma, após anos de prisão. Foi este o período em que Saul se transformou em Paulo, o apóstolo dos gentios, e que devido à distância com os demais colegas discípulos e aos anos em meio a várias outras culturas, teve tempo de formar a primeira Teologia sistemática cristã que é um tanto diferente da mensagem original de Cristo, em especial por conter uma forte ideologia patriarcal bem judáica, conter um halo mítico a existência de Cristo e que mais ênfase dá na figura de Jesus que em sua mensagem. Foi dele, embora inconscientemente - ou talvez nem tanto assim - a idéia que, mal interpretada, se insttituiu o dogma da Ressureição física - que por um erro de interpretação posterior, que passou por cima do que Paulo chamava de "Corpo Espiritual" do Cristo, para dar início a uma tradição que iria admitir a volta de Cristo à vida no próprio corpo físico, o que provocou interpolações nos sinóticos, como no caso de João, em que fizeram Tomé - talvez exatamente o mais lúcido dos discípulos - a tocar as chagas de um cadáver que teria retomado a vida, e não pela presença gloriosa de Cristo que se fez presente e visível através da materialização de seu espírito.

Foi Paulo também que instituiu grande parte da idéia de que Cristo morreu para redenção do mundo, tirando parte da responsabilidade pessoal de cada um por seu próprio progresso espiritual, bastando qualquer pessoa se converter para ser salva, devido à fé, e a qualquer tempo durante a vida, e ganhar o paraíso. Esta idéia foi retomada com ardor pelos protestantes 15 séculos depois, e seria a principal marca das Igrejas Reformadas.
Mas a teologia de Paulo foi realmente levada em conta quando as primeiras gerações de cristãos, as que conheceram Jesus ou seus apóstolos, já havia desaparecido. Com o desejo de Constantino de ter um Império com um só Imperador e uma só Igreja, as epistolas de Paulo (já devidamente "editadas" junto a outros documentos que lhe eram atribuídos) foram usados como fundamento para o sistema da teologia Católico-Romana.

Nos fala Alberto Paul Dahoui que "foi através de Paulo que nasceu a teologia cistã, mas este fato não aconteceu de imediato. Um século depois de morto, Saul havia sido esquecido e somente quando as primeiras gerações de cristãos haviam passado, a tradição oral dos apóstolos desapareceu, e as heresias começaram a desorientar o espírito cristão, é que as epístolas de Paulo foram ressuscitadas. Passaram a servir de arcabouço para um sistema de fé que uniu as esparsas congregações em uma poderosa Igreja Central
"Saul havia criado um novo mistério, uma nova forma do drama da ressurreição, que iria sobreviver a todas as demais versões. Ele mesclou a ética utilitária dos judeus com a metafísica dos gregos e transformou o Jesus dos evangelhos no Cristo Invicto da teologia. Para Saul, Cristo morreu na cruz para a redenção do mundo, pois, com sua morte, ele retirou o pecado original do orbe e oferecia, com sua paixão na cruz, a salvação.

"Saul continuaria, entretanto, obscuro e esquecido até que a reforma protestante de Lutero levantou-o das cinzas do passado, e Calvino também encontrasse nele os textos na crença da predestinação. Os dois não entenderam que Saul havia preconizado que o homem justo será salvo pela fé, e não que todos seriam salvos pela fé (...). Com o desvirtuamente das palavras de Saul, qualquer um que aceitasse Jesus estaria imediatamente salvo.

"O protestantismo foi o triunfo de Saul sobre Pedro, e o fundamentalismo foi o involutário triunfo de Saul sobre Cristo e ambos só atestaram que a doutrina de Jesus foi parcialmente esquecida. Jesus, que queria que a maior prova do homem fosse a virtude, acabou sendo substituído pela [mais cômoda] fé preconizada por Saul. Para Jesus, o reino de Deus era uma nova atitude íntima perante a vida, que desembocaria numa sociedade mais justa e fraterna, e para os que usaram Saul de forma indevida, era apenas adesão" (Dahoui, 1999, volume VI, pp. 306-307).

Mais adiante, o mesmo autor arremata:

"O cristianismo não iria destruir o paganismo. Pelo contrário, o novo cristianismo [Romano, mais tarde cindido entre as duas Igrejas Católicas, a do Império Romano do Ocidente e do Império Romano do Oriente, conhecido como Igreja Católica Ortodoxa], que nada tinha a ver com Yeshua de Nazareth, iria adotar os ritos e idéias dos pagãos, assim como de outras religiões existentes na época. Substituiria a profusão de deuses subordinados a um distante Deus criador, por uma multidão de santos subalternos a Jesus Cristo. O espírito grego ressurgiu na teologia e na liturgia da igreja. A língua clássica grega foi usada durante séculos na liturgia, para depois ser substituída pelo latim, mas, mesmo assim, tornou-se o veículo da literatura e ritual cristãos".

Nesse sentido, convém notar que o estabelecimento do dia 25 de dezembro como sendo o dia de Natal do Senhor convinha ao Império por ser a data tradicional de celebração do solstício de inverno, onde se celebrava a volta do Sol Invictus, símbolo adotado por Constantino. O solstício de inverno era também comemorado em outras culturas pagãs e representava o ponto máximo do inverno, o ponto onde recomeçaria o ciclo da volta do sol.
As conseqüências da oficialização e institucionalização do cristianismo pelo Império - ou melhor, a adaptação romana da mensagem original do Cristo - não tardou a dar estranhos frutos: exatamente na época da "conversão" de Constantino (entre aspas, pois o imperador manteve implicitamente a liberdade de culto às demais religiões e aos muitos ritos, tradições e costumes pagãos, sendo ele mesmo o incentivador de que todos os considerassem uma espécie de encarnação divina, adotando o emblama tradicional do Sol Invictos dos cultos pagãos como estandarte e selo próprios) em 325, sendo o bispo de Roma, à época, Silvestre I, a promoção pelo Imperador, por desejo pessoal, com base num jogo de táticas políticas, e sem levar em consideração o que pensasse o bispo (ou papa) de Roma, do Concílio de Nicéia, tendo expulso neste perto 1.700 participantes do conclave composto por 2.048 pessoas, exatamente os que se recusaram a aceitar a imposição do imperador em declarar, a partir de então, como meio de realçar ainda mais as ligações entre a religião e o Estado de um Único Poderoso Imperador, que Jesus não era tão só o filho de Deus, mas o próprio Deus, e, portanto, Imperador do Universo do qual Roma e seu Império deveriam ser espelhos. Desde então, passou-se a construção de uma Teologia Católico Romana, que se esforçou para eliminar qualquer traço de oposição ou crítica ao que passou a ser imposto como o cristianismo oficial, pleno de traços e ritos adaptados do paganismo, incluindo o uso de roupas sarcerdotais especiais, o uso do incenso, ritos, imagens, etc.

Portanto, depois de vinte séculos, só agora o esforço devotado de inúmeros pesquisadores sérios em todo o mundo pôde levantar o mofo e a poeira de séculos de dogmas e doutrinas espúrias e fazer sobressair, aos poucos, e ainda em seus luminares mais brandos, parte da real mensagem que um meigo jovem da Galileia teve a genialidade e a coragem de lançar ao mundo e que, mesmo que truncada, maquiada e manipulada, teve força suficiente para modificar a história, se mostrando ainda mais linda e impressioanante em sua pureza original que a versão mítica e enviesada que as Igrejas impuseram às massas nestes quase dois mil anos e que, no máximo de deturpação da mensagem de Jesus, deu origem à aberrações sangrentas como as Cruzadas, a "Santa" Inquisição (que, ao contrário do que se pensa, ainda está ativa, embora de forma mais branda, no chamado Conselho para Defesa da Fé, no Vaticano, de que não escaparam de terem suas obras censuradas nem Pierre Teilhard de Chardin, nem Leonardo Boff), e movimentos extremistas como a TFP, por exemplo, no lado Católico e, no lado dos evangélicos, a Igreja Universal do Reino de Deus, entre outros históricos e tristes exemplos. Mas, aos poucos, a mensagem original está sendo regatada, quem sabe para fazer com que o Cristo realmente renasça em cada um e por cada um...

João Pessoa, Paraíba, 15 de janeiro de 2000


Bibliografia

Baigent, Michael; Leigh, Richard & Lincoln, Henry. O Santo Graal e a Linhagem Sagrada. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.

Charlesworth, James H. Jesus Dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1992.
Crossan, Jean Dominic. O Jesus Histórico. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1994.

Dahoui, Albert Paul. Jesus, o Divino Mestre. Niterói, Editora Heresis, 1999.

Miranda, Hermínio C. O Evangelho de Tomé - Texto e Contexto. Niterói, Editora Arte e Cultura, 1992.

O'Grady, Joan. Heresia - O Jogo de Poder das seitas cristãs nos primeiros séculos do cristianismo. São Paulo, Editora Mercuryo, 1994.

Tricca, Maria Helena de Oliveira. - Apócrifos, Os Proscritos da Bíblia. São Paulo, editora Mercuryo, 1989.

Welburn, Andrew. As Origens do Cristianismo. São Paulo, Editora Best Seller, 1997.

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segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Estado Brasileiro: instrumento de poucos para explorar muitos




No Brasil fica demonstrado à exaustação o fato de que o Estado é uma máquina a gerir os interesses de uma minoria... Enquanto estes interesses forem atendidos, vivemos em uma "democracia". Caso contrário, a coisa mais fácil é mudar a constituição, financiar revistas semanas e emissoras de TV a "popualrizarem" um discurso que justifiquem a sangria do próprio povo ou, se isso falhar, apelar para uma "revolução" de direita, como a de 64, sempre será uma possibilidade... Afinal, só vale aquele que consome e produz enquanto consome e produz para setores cada vez mais restritos do grande capital...

Vejamos, então, a ação de rapinagem do setor "produtivo" no que tange ao processo de de dizimação dos aposentados - cruelmente chamados de "vagabundos" pelo ilustre déspota FHC, que iniciou a dizimação dos velhinhos -, em artigo do jornalista Carlos Chagas publicado no blog do Jornal Tribuna da Imprensa, do Rio, em 16 de abril de 2010:

Vão chamar o Herodes?

Carlos Chagas


Comportam-se certas elites como o mar: chegam em ondas. Alegando déficit na Previdência Social, insurgem-se contra os aposentados sempre que, no Congresso, discute-se a reconquista de direitos surripiados daqueles que pararam de trabalhar. Desta vez, criticam projeto aprovado no Senado desobrigando os aposentados de descontar para o INSS. Da mesma forma, rejeitam o reajuste de 7,7% para quantos recebem pouco mais do que o salário mínimo.

O raciocínio básico desses privilegiados é de que tudo deve dar lucro, no governo e fora do governo. Se dá prejuízo, precisa ser fechado. Ou que se penalize ainda mais os envolvidos. Ignoram o sistema dos vasos comunicantes, que se aprendia no ginásio. Porque se a Previdência Social dá prejuízo, o Imposto de Renda dá lucro, ficando as coisas pelo menos equilibradas.

Trata-se de uma aberração exigir que aposentados tenham parte de seus vencimentos desviados para a Previdência Social, cujo objetivo é precisamente arcar com as aposentadorias. Estarão descontando para um segundo benefício, a ser conquistado dentro de trinta anos, no cemitério?

Pior é o reajuste. Quem recebe salário mínimo tem os vencimentos corrigidos de acordo com a inflação. Acima disso, menos, coisa que os 7,7% poderiam corrigir. Continuando esse abominável regime, em poucos anos todos os aposentados estarão nivelados por baixo, fazendo jus apenas ao salário mínimo.

Espera-se que o governo Lula resista às investidas de sua própria equipe econômica e atue no Congresso para a aprovação das duas mudanças referidas. Caso contrário, melhor será chamar o Herodes, aquele que mandava matar criancinhas. Poderá dedicar-se agora aos velhinhos…

sábado, 17 de abril de 2010

"Apesar de Você" - um Documentário sobre a Tortura no Período Militar



Texto de Marcelo Zelic

Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória


O vídeo a que os ministros do STF deveriam assistir: “Apesar de você”, sobre a tortura

Publicado em 12/04/2010

Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/video/2010/04/12/o-video-a-que-os-ministros-do-stf-deveriam-assistir-%e2%80%9capesar-de-voce%e2%80%9d-sobre-a-tortura/


Ministros do STF - assistam ao documentário antesde votar


O Conversa Afiada reproduz o email do amigo navegante Marcelo Zelik:

Caro Paulo Henrique Amorim, o Supremo Tribunal Federal irá julgar na 4ª feira 14/04/2010 a ADPF 153, que é uma solicitação da OAB sobre a Lei de Anistia, pedindo uma definição dos ministros da corte suprema, no sentido de que a anistia não vale para os crimes de tortura, assassinatos, estupro de prisioneiras e desaparecimentos forçados, (crimes de lesa humanidade) cometidos pelos agentes públicos a serviço do estado brasileiro durante a ditadura militar de 1964-1985, ou seja, que os militares, policiais militares, policiais civis e civis que praticaram estes crimes contra os opositores do regime, não são beneficiários da lei ede anistia, através da interpretação errada de que tais barbaridades estariam contidas na definição de crimes conexos.



A impunidade vigente estes anos todos, sob o manto do esquecimento e de um falso acordo nacional representado pela Lei de Anistia, fere os tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, a consciência nacional, os direitos humanos e a própria democracia em que vivemos, no sentido que sinaliza com a impunidade, para que os crimes de tortura continuem acontecendo, como acontecem de forma indiscriminada país afora.



Envio a você o documentário Apesar de Você - Os caminhos da justiça, para fazermos o lançamento em seu sitio de modo a expor para a população brasileira o significado deste julgamento que será realizado no STF, sua importância para o futuro do país, para a defesa da cidadania e para o combate à pratica da tortura, tratamentos cruéis e degradantes.



É inadmissível que tenhamos outro resultado que não a decisão dos ministros da Suprema Corte, em favor da legalidade, do ordenamento jurídico internacional dos direitos humanos aos quais o Brasil aderiu, do combate à tortura e da apuração judicial dos crimes praticados pelos torturadores do regime militar, porém estamos receosos; pois pelas declarações de Gilmar Mendes, uma grande maracutaia parece estar a caminho e o STF poderá se tornar mais uma filial da pizzaria nacional.



Os ataques contra o Programa Nacional de Direitos Humanos, especificamente à criação da Comissão Nacional da Verdade e as pressões sofridas pelo Ministério Público Federal no sentido de emitir relatório contrario à consciencia nacional, defendendo a não apuração dos crimes deste período de nossa história (com a aceitação destas pressões pelo procurador geral da república, um calaboca foi dado em um instrumento importante da democracia brasileira como é o MPF – ver posição do sub-procurador geral da república Wagner Gonçalves); mostram o tamanho do embate que enfentamos na luta contra a impunidade em nosso país e para o estabelecimento da verdade e da justiça.


Ao lançar no Conversa Afiada este documentário, esperamos que os Ministros do STF o assistam antes de julgar a ADPF 153 e também que os seus leitores ao assisti-lo, participassem de uma campanha relâmpago, enviando com urgência email aos Ministros do Supremo Tribunal posicionando-se sobre o assunto e pedindo a responsabilização dos torturadores da ditadura militar.


PELO ACOLHIMENTO DAS POSIÇÕES DA OAB EXPRESSAS NA ADPF-153 SOBRE A LEI DA ANISTIA.

PELO RESPEITO À MEMÓRIA DOS QUE MORRERAM E DESAPARECERAM LUTANDO POR UM BRASIL JUSTO E DEMOCRÁTICO.

PELA FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES DE TORTURA PARA QUE SEJAM APURADOS PELO MPF.

PELO DIREITO A MEMÓRIA, À VERDADE E À JUSTIÇA.

PELA REPONSABILIZAÇÃO DOS CRUEIS TORTURADORES DO REGIME MILITAR.


Acabei de ligar no STF e a ADPF 153 saiu de pauta. A informação é que além dos impedimentos, outros ministros estariam ausentes e não terei quorum para realizar a votação.

Assim está tudo adiado e não foi remarcada nova data.

O que rola de fato?

Abraços

Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória



PS – Assinaram o documentário Apesar de Você – os caminhos da justiça: a Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Juízes para a Democracia, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Grupo Tortura Nunca Mais -SP, Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Associação dos Magistrados do Brasil, União Nacional dos Estudantes e o Projeto Memórias Reveladas do Arquivo Nacional.

domingo, 11 de abril de 2010

O Espiritismo



Carlos Antonio Fragoso Guimarães


- escrito em 29 de abril de 1998 e revisto em 09 de janeiro de 2000 -


(Este texto foi esteve disponível originalmente na extinta GeoCities até outubro de 2009)

Etimologia - A palavra Espiritismo - em inglês Spiritism; Spiritisme em francês - se origina do substantivo espírito, que, por sua vez, advém do vocábulo latino Spiritus, cujo signficado seria o de princípio vital, ou seja, sopro vital, essência anímica, espírito.

O termo espiritismo foi cunhado e passou a ser usado amplamente a partir do século dezenove para designar um corpo de doutrina (ou um conjunto de princípios teóricos de cunho lógico), baseado em observações empíricas, dados e conclusões que postulam a sobrevivência do espírito humano à morte do corpo físico, concepção esta, porém, já encontrada na filosofia grega, em especial em Pitágoras, Platão e Plotino, assim como no Cristianismo e no pensamento da Filosofia Oriental.

Características - Por seu postulado básico de que o homem é formado de algo mais que a mera matéria física, o Espiritismo é uma escola espiritualista. Mas enquanto existem várias escolas espiritualistas - e nem todas acreditam na sobrevivência da individualidade após a morte, embora acreditem que o homem seja formado com algo mais que a mera matéria -, o espiritismo possui algumas características distintivas, entre elas, a da idéia da sobrevivência da individualidade humana, chamada espírito, ao processo da morte biológica, mantendo suas faculdades psicológicas intelectuais e morais. Esta doutrina foi elaborada - em suas linhas mais conhecidas - na Europa, particularmente na França, a partir de um conjunto de observações recolhidas por inúmeros pesquisadores independentes, sendo codificada (ou seja, tendo seus principais pontos característicos sido sistematizados a partir de material recolhido sobre os fenômenos espíritas) pelo educador francês Hippolite Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo de Allan Kardec. Portanto, em seu início, o espiritismo tinha um forte caráter empírico dedutivo, o que atraiu a atenção de vários cientistas famosos, como veremos mais adiante.

Posteriormente, à medida que se difundia e se popularizava, esta doutrina passou a receber o impacto cultural e tradicional dos países em que adentrava, vindo a apresentar, além de suas caraterísticas empíricas com desdobramentos filosóficos, igualmente, uma característica religiosa. Esta última acabaria por se destacar mais em vários países, principalmente no Brasil. Esta característica era, porém, estranha ao movimento em outras culturas, como a Inglaterra e a Alemanha, por exemplo. O próprio Allan Kardec enfatizou em seus escritos (O que é o Espiritismo, O Livro dos Espíritos e em alguns artigos da Revue Spirite) que o espiritismo - por se basear em observações e deduções pela comparação do material de comunicações espíritas - era um doutrina científica e filosófica com conseqüências morais, devido ao alcance psicológico que possuia ao modificar a visão de mundo das pessoas que o adotavam, mas reconhecia que poderia haver uma fase religiosa no movimento, que deveria ser, porém, passageira (Kardec, Revue Spirite, 1963, pp. 377-379).

Talvez o problema do espiritismo enquanto religião seja causado pela confusão entre os conceitos de religião e de religiosidade, uma, expressando um conjunto de regras e comportamentos esteriotipados que se ligam às instituições religiosas hieraquizadas e tradicionais, e a outra, expressando um sentimento individual que é independente de se estar ou não vinculado a um movimento religioso. Como no espiritismo em sua essência não encontramos altares, sacerdotes, pastores ou rituais, não se pode designar o espiritismo como uma religião - pelo menos não no sentido convencional do termo -, a não ser em se admitindo um dos significados originais do termo religião, que seria o de religar o homem ao aspecto transcendente do universo, ou a Deus. Allan Kardec, baseado nas comunicações espirituais que recebia, chegou mesmo a colocar que o Cristianismo - que paira acima das Igrejas tradicionais, que são vertentes interpretativas da mensagem do Cristo, mas válidas todas, no sentido de estimular o homem à reflexão espiritual - já era, pela profundidade de sua mensagem, suficiente para apontar os caminhos morais da humanidade, sendo os espíritas, portanto, cristãos que deveriam possuir uma visão de mundo independente do que foi implantado na mensagem de amor do Cristo pelos dogmas dos credos estabelecidos, cultivando uma visão humanista e espiritual que amadureceria e se desenvolveria sempre mais a partir da razão e da reflexão íntima de cada um.

A doutrina espírita está baseada em alguns pontos ou princípios fundamentais, tais como:

· Existência de uma Causa Primária ou Potência Primária, extremamente poderosa, origem e fundamento da existência de tudo o que há no universo, qualquer que seja o nome que Lhe seja dada; Inteligência Suprema que escapa a qualquer tentativa humana de definição precisa (qualquer definição é apenas aproximada, projetiva e imperfeita, atendendo à necessidade de abstração e busca de compreensão humana); Deus, enfim (o Motor Imóvel de Aristóteles);

· Existência de um Princípio inteligente, imaterial, dotado de personalidade, criado por Deus e cujas individualidades povoam o universo e que está sujeito às leias da evolução. De natureza espiritual, está, contudo, intimamente ligado ao mundo material, mas é independente e sobrevivente a este; é o espírito propriamente dito;

· Aperfeiçoamento progressivo e interrelacional dos espíritos e, por conseguinte, das diversas espécies de seres da natureza, através de experiências sucessivas e, idealmente, progressivas em níves de complexidade orgânico-intelectual crescente, de acordo com o grau de aperfeiçoamente atingido por cada espírito, assumindo-se responsabilidades causais à medida que cresce seu grau de autoconsciência, e a responsabilidade de escolhas advinda do lívre-arbítrio conquistado, e que se expressam nos eventos mais significativos de sua existência corpórea, tendências e gostos;

· Pluraridade dos mundos habitados, ou de vários planos de exitência, possibilitando o desenvolvimento integral das aptidões e capacidades do espírito;

· Possibilidade de comunicação entre os homens "vivos" e os homens "mortos", através de uma aptidão mais ou menos específica, chamada de mediunidade.

Este conjunto de princípios estabelece, por conseqüência lógica, uma filosofia de vida baseada numa visão de mundo que é bem característica dos que se professam espíritas, especialmente no que diz respeito à responsabilidade pessoal pelo próprio comportamento ético e intelectual.

Esta filosofia acaba por delinear, na vivência prática, uma estrutura moral e uma ética coerente muito próxima da visão de mundo que a Ecologia Profunda de nossos dias vem construindo: a responsabilidade pessoal e coletiva para o aperfeiçoamento pessoal e do próximo; o reconhecimento do próximo como seu semelhante e, portanto, de sua aceitação mesmo em suas diferenças; o reconhecimento da responsabilidade pelas próprias atitudes conscientes frente às pessoas e à natureza; a forte ligação afetiva e cármica, que se constrói pelos séculos, e que ligam pessoas e povos. Todos estes princípio se encontram mais ou menos explicitados na filosofia e no Cristianismo.

Existem, também, outros preceitos filosóficos mais amplos, com muito em comum com os das grandes tradições espirituais universais, como o Budismo, o Hinduísmo, Druidismo e o Taoísmo, por exemplo. Do mesmo modo, a visão filosófica da doutrina é concorde com as idéas de Platão, Plotino, Orígenes e muitos outros filósofos. Entre elas está o da existência de espíritos mais aperfeiçoados, que são geralmente considerados bons espíritos, e a existência de espíritos ainda imperfeitos ou atrasados na escala evolutiva, apresentando, alguns, uma tendência à malícia e à maldade, e que, portanto, podem ser classificados relativamente como maus espíritos (uma condição temporária), da mesma forma como existem espíritos que atingiram níveis mais elevados no campo moral e intelectual, como nas sociedades humanas existem pessoa das mais variadas índoles e de diferentes qualidades e vícios. Sendo assim, por exemplo, o Cristo é considerado um espírito de extraordinário desenvolvimento espiritual, ou um espírito puro. Deste ponto de vista, entende-se a forte ênfase dada pelos espíritas à instrução e à prática da caridade e da tolerância às diferenças humanas, pois, cedo ou tarde, todos (não necessariamente os espíritas, em primeiro lugar, pois tudo depende unicamente do esforço pessoal em se melhorar) atingirão graus mais elevados de desenvolvimento intelecutal e moral.

Histórico - O espiritismo, tal como se entende hoje em dia como moderno espiritismo, teve suas sementes germinadas a partir de alguns fenômenos inexplicados que começaram a pipocar na América e na Europa em fins da primeira metade do século XIX. Geralmente os fenômenos de tipitologia (pancadas sem uma causa visível definida) e efeitos físicos ocorridos na cidadezinha de Hydesville, E.U.A, em 1848, são apresentados como o marco histórico inicial do desenvolvimento espírita contemporâneio. Porém, várias outras localidades passaram a relatar estranhos fenômenos de pancadas misteriosas e movimento de objetos que passaram a chamar a atenção das pessoas. Concomitantemente, surgiram outras manifestações de efeitos físicos por todo o mundo, dentre elas o chamado fenômeno das mesas girantes, que passou a ser explorado até mesmo em salões da sociedade.

O que de início foi encarado como leve diversão de salão, causado por forças físicas ainda inexplicáveis, chamou a atenção de alguns pesquisadores pela surpreendente manifestações de respostas "inteligentes" dadas pelas mesas às perguntas formuladas pelos participantes. Dentre estes pesquisadores, o professor francês Hippolite Léon Denizard Rivail (1804-1869) foi quem mais longe levou o estudo dos fenômenos, do que resultou a publicação de um livro de importância capital: O Livro dos Espíritos, que veio à luz em 1857, tendo o seu autor utilizado o pseudônimo de Allan Kardec. A partir daí, vários estudiosos e cientístas de renome se voltaram para o estudo do espiritismo, tendo, muitos, reconhecido publicamente a autenticidade e relevância dos fenômenos espíritas.

Dentre os mais famosos cientistas que estudaram o espiritismo, destacam-se, na Inglaterra, o biólogo Alfred Russel Wallace (1823-1913), o físico William Crookes (1832-1919), o fundador da Society for Psychical Research, William Henry Myers (1843-1901) e o físico Oliver Lodge (1851-1940); na França, grandes filósofos como Léon Denis (1846-1927) e o grande astrônomo Camille Flammarion (1842-1925), entre inúmeros outros, defendiam corajosa e abertamente o espiritismo, e o fisiólogo Charles Richet (1850-1935) se debruçou a tal ponto sobre o estudo dos fenômenos espíritas que acabou por formar uma área de estudos chamada de Metapísiquica Humana que, posteriormente, serviria de alicerce para o que hoje se chama de Parapsicologia. Na itália, destacam-se os nomes do criminólogo Césare Lombroso (1836-1909), do astrônomo Giovanni Schiaparelli (1835-1910) e, principalmente, do incansável e profícuo pesquisador Ernesto Bozzano (1861-1943), autor de livros extraordinários sobre Metapsíquica e Parapsicologia; na Alemanha, destacam-se os nomes de Karl Friedrich Zöllner (1834-1882) e do médico Alfred von Schrenck-Notzing (1832-1903), junto com o russo Alexandre Nikolaievitch Aksakov (1832-1903). Na Suíça, os fenômenos atraíram a atenção do jovem estudante Carl Gustav Jung (1875-1969), que os utilizou em sua tese de doutoramento em medicina, e que manteve seu interesse sobre fenômenos psíquicos por toda a vida; e, na América, outro ilustre psicólogo, e filósofo, William James (1842-1910) escreveu e discutiu extensivamente sobro o tema.

Em nosso século, particularmente na segunda metade, o espiritismo tem recebido, mesmo involuntariamente, profundas contribuições da ciência e de áreas sem vínculos com o espiritismo, como a Psicologia, especialmente a Psicologia Transpessoal, e de áreas de vanguarda como a Física Quântica, Neuropsiquiatria, e, na tecnologia, com as pesquisas em Psicotrônica e em Transcomunicação Instrumental, que é a captação e o registro de imagens e sons de espíritos - salientando-se que esta área está sendo desenvolvida por engenheiros eletrônicos, cientistas e técnicos sem nenhum ou com muito pouco contato com o espiritismo, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Portanto, a perseguição feita ao espiritismo por pessoas altamente tendenciosas, como o tristemente célebre Padre Oscar Quevedo (Clique aqui, para ver um texto sobre os pontos controversos de sua obra), que é um parapsicólogo teórico financiado pela Igreja para tentar estabelecer os fenômenos ditos espíritas em bases outras que possam desacreditar a doutrina, não se sutentam ante o desenvolvimento das ciências atuais, especialmente em relação à Psicologia Transpessoal. E, graças a Deus, ainda existem outros sacerdotes católicos - de reconhecimento internacional, como o Pe. François Brune - que estudam os fenômenos de transcomunicação instrumental e têm um ótimo contato com os espíritas.


*** Para ver o desafio científico que o Prof. Dr. Wellington Zangari fez a um Luiz Roberto Turatti e ao Padre Quevedo (e ainda não respondido), clique aqui em http://www.forumnow.com.br/vip/mensagens.asp?forum=15836&topico=2491903 *** (**)


De um modo geral, os fenômenos que comumente se caracterizam como espíritas - comunicação entre "vivos e mortos"; manifestações de poltergeists; curas pesirituais; lembrança de vidas passadas, etc - são reconhecidamente encontrados em várias partes e culturas do globo ( xamanismo, estados alterados de consciência, etc). Em nossa tradição judáico-cristã existem inúmeros exemplos, sendo o mais antigo, provavelmente, encontrado no Antigo Testamento, com o relato da visita de Saul à pitonisa (ou médium, como é encontrado em algumas vesões da Bíblia) de En-Dor, que lhe possibilitou contactar com o espírito do profeta Samuel (1 Sam 28,7-19). A história dos grandes místicos e santos católicos também é repleta de "aparições" e "vozes" que se faziam ouvir a pessoas especialmente dotadas (Joana D'Arc, Hildegard von Bingen, etc.) Isso sem falarmos nas aparições póstumas de Cristo aos discípulos nos quarenta dias após a cruxificação, onde seu espírito materializado aparecia e desaparecia de repente:

"Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando estavam à mesa..." (Marcos, 16,14);

"E aconteceu que, quando estavam à mesa, ele tomou o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; então, se lhes abriram os olhos, e o reconehceram; mas ele desapareceu da presença deles". (Lucas, 24, 31-32);

"Falavam ainda estas coisas quando Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco!" (Lucas, 24, 36).

"Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando trancada as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco!" (João, 20, 19)

A argumentação "teológica" de que não existe comunicação entre espíritos e homens, formulada pelo Pe. Quevedo e seguidores, por esta ser proibida em Deuteronômio 18 indica mais um ponto em favor de sua veracidade, pois o eminente "parapsicólogo teórico" confunde a proibição da coisa com a coisa em si. Da mesma forma como as leis mosáicas proibiam outras coisas - devido ao grau de conscientização moral da época -, a proibição do contanto com os espíritos foi estabelecida exatamente por ser possível este contanto, o que traria muitos abusos. De qualquer forma, os Evangelhos narram o encontro de Cristo com dois mortos, Elias e o próprio Moisés, no episódio da Transfiguração - interpretado por Quevedo e seguidores como uma alegoria e não como um fato histórico em si. Mesmo que assim fosse, o que não pode ser afirmado por Quevedo, a imagem de Cristo entre os dois espíritos está lá na mesma Bíblia usada por eles para condenar o fenômeno.

Atualmente, o espiritismo encontra-se espalhado por todo o mundo, embora tenha apresentado certo declínio na Europa depois das duas Grandes Guerras, tendo, recentemente, voltado a crescer. No Brasil, o movimento espírita apresenta expressivo número de participantes, sem contar os simpatizantes, e tem como orientadora a Federação Espírita Brasileira, e nomes de peso em suas fileiras, entre os quais o do grande médium, mudialmente reconhecido e respeitado, Francisco Cândido Xavier; do Professor e fundador do Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas, Dr. Hernani Guimarães Andrade, respeitadíssimo engenheiro e parapsicólogo, escritor e pesquisador internacionalmente citado, verdadeiramente reconhecido por ser dententor de inúmeros prêmios na área da Psicobiofísica, inventor de aparelhos eletrônicos para a mediação de fenômenos psíquicos e autor e co-autor de inúmeros artigos sobre parapsicologia e espiritismo publicados em todo o mundo; do grande tribuno Divaldo Pereira Franco; do pesquisador e divulgador do Espiritismo Científico, Henrique Rodrigues - ganhador de prêmios em parapsicologia na Rússia e em outros países; do parapsicólogo e transcomunicador Clóvis Nunes, do saudoso comunicólogo Augusto César Vannuci, dentre inúmeros outros.


Bibliografia Sugerida

Enciclopédia Britannica-Mirador Verbete: Espiritismo,1991.

Andrade, Hernani Guimarães. Morte, Reanscimento, Evolução. Editora Cultrix/Pensamento, São Paulo, 1987.

Andrade, Hernani Guimarães. Espírito, Perispírito e Alma. Editora Cultrix/Pensamento, São Paulo, 1988.

Bozzano, Ernesto. Povos Primitivos e Manifestações Supranormais. Editora Fe, São Paulo, 1997.

Doyle, Sir Arthur Conan. História do Espiritismo, Editora Pensamento, São Paulo, 1994.

Kardec, Allan O que é o Espiritismo. FEB, São Paulo, 1986.

Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB, São Paulo, 1997.

Nunes, Clóvis. Transcomunicação. Editora Edicel, Sobradinho, DF, 1998.

Rodrigues, Henrique. A Ciência do Espírito. Editora O Clarim, Matão, 1992.

Walsh, Roger & Vaughan, Sara (orgs.) Além do Ego: Dimensões Transpessoais em Psicologia. Editora Cultrix, São Paulo, 1992.

Link para outros textos sobre Espiritualismo

sábado, 10 de abril de 2010

A Psicologia Holística





Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Desde que René Descartes estabeleceu seu método de análise como um instrumento cientificamente eficaz no estudo dos fenômenos físicos e humanos, exaltando o reducionismo e as relações causais entre as partes que constituem um todo complexo, no século XVII, e postulou uma divisão estrita entre corpo e mente - ou entre a res extensa e a res cogitans -, que as diversas disciplinas acadêmicas tentam se adaptar a um esquema cartesiano de explicação dos diversos fenômenos a que se dedicam. Assim sendo, na esteira da tradição biomédica, a Psicologia foi, desde Wundt, moldada como uma disciplina voltada para a análise do comportamento humano de acordo com preceitos acdemicamente aceitos de reducionismo e mecanicismo. Tal bagagem referencial vem dificultando o entendimento das relações complementares e a maneira como a mente e o corpo interagem.

Wundt, que é considerado o pai da Psicologia experimental moderna, seguindo a tradição empírica tão cara ao século XIX - tradição esta que advém dos enormes sucessos da Física Clássica de Issac Newton, que, por seu turno, foi precedida pela preparação de uma filosofia racionalista apropriada e em grande parte desenvolvida por René Descartes - estabeleceu uma orientação atômica ou elementarista dos processos mentais, a qual sustentava que todo o funcionamento do nosso psiquismo poderia ser analisado em elementos básicos, elementares e indivisíveis ( como os átomos elementares e indivisíveis que constituiriam o universo mecânico imaginado por Newton), e que seriam os tijolos constituintes das nossas sensações, sentimentos, memória, etc. Esta abordagem reducionista e mecanicista, muito simplória para dar conta de toda a imensa e complexa riqueza do psiquismo humano, logo suscitaram uma forte oposição entre muitos psicólogos e filósofos europeus, que não aceitavam a natureza extremamente fragmentária da psicologia de Wundt. Estes críticos europeus enfatizavam uma compreensão unitária entre a cônsciência e a percepção, e, em parte, de sua interelação com o organismo como um todo. Esta pioneira abordagem holística em Psicologia deu origem a uma importante escola na Alemanha: a Gestalt.

A Psicologia da Gestalt

Formulada entre fins do século passado e início do nosso século, a Psicologia dos Padrões de Totalidade ou de Totalidades Significativas(Gestalten, em alemão) surgiu como um protesto contra a tentativa de se compreender a experiência psíquico-emocional através de uma análise atomística-mecanicista tal como era proposto por Wundt - análise esta no qual os elementos de uma experiência são reduzidos aos seus componentes mais simples, sendo que cada um destes componentes são peças estudadas sioladamente dos outros, ou seja, a experiência é entendida como a soma das propriedades das partes que a constituiriam, assim como um relógio é constituído de peças isoladas. A principal caraterística da abordagem mecanicista é, pois, a de que a totalidade pode ser entendida a partir das características de suas partes constituivas. Porém, para os psicólogos da Gestalt, a totalidade possui características muito particulares que vão muito além da mera soma de suas partes constitutivas. Como exemplo, poderíamos tomar uma fotografia de jornal é que constituída por inúmeros pontinhos negros espalhados numa área da folha de jornal. Nenhum desses pontinhos, isoladamente, pode nos dizer coisa alguma sobre a fotografia. Apenas quando tomamos a totalidade da figura, é que percebemos a sua significação. A própria palavra Gestalt significa uma disposição ou configuração de partes que, juntas, constituem um novo sistema, um todo significativo. Sendo assim, o princípio fundamental da abordagem gestáltica é a de que as partes nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo, que emerge desta configuração de interações e interdependências de partes constituintes. O todo se fragmenta em meras partes e/ou deixa de ter um significado quando é analisado ou dissecado, ou seja, deixa de ser um todo. Esta escola teve como principais expoentes Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Posteriormente, Kurt Lewin elaboraria uma teoria da personalidade com base na compreensão gestáltica da totalidade significativa, onde se estipula que o comportamento do indivíduo é a resultante da configuração de elementos internos num "espaço vital", que é a totalidade da experiência vivencial do indivíduo num dado momento ( ou seja, todo o conjunto de experiências que se faz sentir num dado momento, de acordo com a percepção/interpretação do indivíduo ). Estas idéias foram, em parte, adotadas por Carl Rogers em sua teoria da personalidade, conhecida como Abordagem Centrada na Pessoa já que é o cliente que dirige o andamento do processo psicoterapêutico, trazendo e vivenciando o material pessoal exposto nas sessões. Já o psicoterapeuta Frederick S. Perls desenvolveria uma corrente de psicoterapia baseada nos fundamentos da escola da gestalt, pondo em prática uma ação terapêutica voltada aos padrões vivenciais significativos do indivíduo. Esta corrente é conhecida como Gestalt-Terapia.

A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein

Jan Smuts, militar e estadista inglês, que se tornou uma figura importante na história da África do Sul, é frequentemente reconhecido e citado como o grande pioneiro e precursor filosófico da moderna teoria organísmica ou holística do século XX. Seu livro seminal intitulado Holism and Evolution, de 1926, exerceu uma grande influência sobre vários cientistas e pensadores, muito embora, na época de seu lançamento, tenha passado quase despercebido da elite intelectual da primeira metada do século, tendo só aos poucos ganhando seu merecido espaço nos meios acadêmicos e filosóficos, principalmente graças ao impacto que exerceu em pensadores e teóricos do porte de um Alfred Adler, famoso teórico da personalidade e discípulo dissidente de Sigmundo Freud; ou de um Adolf Meyer, psicobiólogo; ou na recente e menos mecanicista linha médica, dentro da alopatia, chamada de psicossomática, etc. Smuts cunhou o termo holismo da raiz grega holos, que significa todo, inteiro, completo. Mas as verdadeiras bases da concepção holística, ou do pensamento holístico, vêm verdadeiramente de muito antes, desde Heráclito, Pitágoras, Aristóteles e Plotino até Spinoza, Goethe, Schelling, Flammarion e Willian James (Hall e Lindzey, 1978; Crema, 1988; Guimarães, 1996).

Um dos maiores expoentes do pensamento holístico em psicologia e em psiquiatria é Kurt Goldstein. Ele formulou a sua teoria holística da psique a partir de seus estudos e observações clínicas realizados em soldados lesionados no cérebro durante a I Guerra Mundial, e de estudos sobre distúrbios de linguagem. Deste leque de observações, Goldstein chegou à conclusão (hoje mais ou menos óbvia) de que um determinado sintoma patológico não pode ser compreendido ou reduzido a uma mera lesão orgânica localizada, mas como tendo características e/ou fortes reforços ou abrandamentos do organismo como um todo, como um conjunto integrado, como um holos e não como um conjunto de partes mais ou menos independentes.

Segundo Goldstein, o corpo e a mente não podem ser vistos como entidades separadas, tais como separamos o software do hardware, pois ambos só se expressam na conjunção, na união e íntima conexão de ambos. O organismo é uma só unidade e o que ocorre em uma parte afeta o todo, como já era reconhecido pela da medicina Homeopática e pelas artes da cura não ocidentais, como na medicina chinesa, e na sabedoria das tradições populares e xamanísticas de povos ditos "primitvos" (Capra, 1986; Eliade, 1997; Guimarães, 1996).

Qualquer fenômeno, quer seja positivo ou não, se passa tanto ao nível fisiológico quanto psicológico, ou seja, se passa sempre no contexto do organismo como um todo, a menos que se tenha isolado artificialmente este contexto, como se fez nas ciências e nos meios acadêmicos desde Descartes, com as esferas da Res Cogitans, que é a esfera do mental, e da Res Extensa ou a esfera do físico, e a ramificação entre ciências naturais e ciências humanas. Ora, não existe real diferencianção (no sentido de mensuração) entre estes dois ramos. Assim, qualquer redução ou caracterização em um ou outro destes critérios (físico e mental) é um isolamento artificial e, conseqüentemente, parcial.

As leis do organismo são as leis de uma totalidade dinâmica, que harmoniza as "diferentes" partes que constituem esta totalidade. Portanto, é necessário descobrir as leis pelas quais o organimso inteiro funciona, para que se possa compreender a função de qualquer de seus componentes, e não o inverso, como se tem feito até hoje (Hall e Lindzey, 1978). É este o princípio básico da teoria organísmica ou holística em saúde, principalmente em Psicologia.

Goldstein acreditava que os sintomas patológicos eram uma interferência do meio sobre a organização do todo, ou eram, em menor grau, consequencias de anomalias internas. Mas, de qualquer forma, a tendência intrínseca ao equilibrio dinâmico poderia levar o indivíduo a se adpatar à nova realidade, desde existam os meios que sejam apropriados para isso. Assim, Goldstein via em todo o ser vivo uma tendência de auto-realização que significaria uma esforço constante para a realização das potencialidades inerentes dos seres vivos, mesmo que haja um meio ostil. É assim que, mesmo em abientes não propícios, vemos nascerem plantas que, mal grado, não consigam se desenvolver totalmente, mesmo assim teimam em nascer, mesmo que venhma a morrer ou a se atrofiarem em breve, mas a ânsia de viver é mais forte. Esta idéia de auto-realização ou de auto-atualização foi, posteriomente, adotada por teóricos vários, desde Carl Rogers até biólogos, como Maturana.

Andras Angyal e o conceito de Biosfera

Assim como Goldstein, Andras Angyal, húngaro naturalizado americano, não poderia conceber uma ciência que não fosse holística, alcançando a pessoa e a vida como um todo. Mas, ao contrário de Goldstein, Angyal não podia admitir numa distinção entre o organismo e o meio-ambiente, assim como um físico relativista não pode acreditar numa sepação rígida entre matéria e energia. Angyal afirma que organismo e meio ambiente se interpenetam de uma forma tão complexa que qualquer tentativa para separá-lo expressa uma visão mecanicista do mundo que destrói a unidade natural de todas as coisas (unidade sutil, é verdade, mas bem visível na interdependência bio-ecológica e social de todos os seres vivos), o que cria uma diferenciação artificial e patológica entre o organismo e o meio (Hall e Lindzey, 1978; Capra, 1986), o que estimula todo o tipo de crime social e ecológico que vemos em nosso século. Se, na história da humanidade, houve grandes catrofes naturais e grandes genocídios através da mão humana em nome da religião, por exempo, mesmo assim nunca se matou tanto como em nossos dias, em nome de uma concepção de mundo mecanicista- racionalista e capitalista, onde tudo foi separado de tudo, e os seres vivos são vistos como máquinas e nada mais.

Angyal criou o termo biosfera para traduzir uma concepção holística ou ecológica que compreenda o indvíduo e o meio "não como partes em interação, não como constituintes que tenham uma existência independente dos demais, como peças de um relógio, mas como aspectos de uma mesma realidade, que só podem ser separados realizando-se uma abstração" (Angyal, cit. em Hall e Lindzey, 1978, p. 43).

A biosfera, portanto, em seu sentido mais amplo seria mais ou menos como a atual conceção de Gaia, ou da Terra viva. A biosfera pode ser vista em vários níveis, inclusive no nível humano, onde um indíviduo constitui uma biosfera particular em relação ao seu conjunto orgânico e psíquico, assim como uma sociedade, etc. Assim, a Biosfera inclui tanto os processos somáticos quanto os psicológicos (individuais e coletivos) e os sociais, que podem ser estudados assim, separadamente, mas só até certo ponto.

Segundo Hall e Lindzey (1978), embora seja a Biosfera um todo indivisível, ela é composta e organizada por sistemas estruturalmente articulados. A tarefa do cientista seria, assim, de identificar as linhas de demarcação determinadas na biosfera pela estutura antural do todo em si mesmo. Assim, um homem se diferencia de outro homem, mas ambos possuem características que nos permitem classificá-los como homens e não como peixes, etc.

O organismo individual, um sujeito, portanto, constitui um pólo da biosfera, e o meio ambiente, natural e social, o outro polo. Toda a dinâmica essencial da vida está fundanda na interação entre estes dois pólos. Angyal postula que não são os processos de um ou de outo que determinam ou refletem a realidade, mas a interação contínua de ambos. Assim, a vida como um todo unitário nos daria uma nova visão e a possiblidade de percebermos fenômenos e detalhes que nos escapam no estudo polar de ambos os níveis da realidade.



Escrito em 22 de fevereiro de 1998