Os industriais ricos dos anos de 1930 e 1940 despejaram dinheiro e recursos na igreja, incluindo seminários como o Teológico de Princeton, para esmagar o Evangelho Social, liderado por radicais cristãos e socialistas. Eles fundaram uma marca de cristianismo — que é dominante hoje em dia — que combina fé com livre iniciativa e o excepcionalismo estadunidense. A igreja desceu pela toca do coelho de uma forma narcisista de espiritualidade ‘como-é-comigo’. Os ricos são ricos, este credo afirma, não porque são gananciosos ou privilegiados, não porque usam seu poder para explorar outros, mas porque são líderes brilhantes e dotados, dignos de serem canonizados, como Bill Gates ou Jamie Dimon, como oráculos.
Artigo de Chris Hedges originalmente publicado no Substack do autor em 6/4/2. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Nós não estamos aqui para debater a miséria moral que define a vida do bilionário de fundos 'hedge' e presidente do conselho de administração do seminário, Michael Fisch. Nós não estamos aqui para denunciá-lo pela sua fortuna pessoal, supostamente valendo pelo menos US$ 10 bilhões, uma fortuna construída espoliando os mais pobres dentre nós, aquelas famílias que contraíram dívidas para pagar as taxas exorbitantes da sua empresa de telecomunicações de prisões que cobram até US$ 15 por chamadas telefônicas de 15 minutos, taxas que fazem famílias em todos os EUA pagarem US$ 1,4 bilhão a cada ano para falarem para os seus amados encarcerados. Nós não estamos aqui para condenar a dor que ele e a sua corporação ViaPath, anteriormente conhecida como Global Tel Link, causou a centenas de milhares de crianças desesperadas para falarem com uma mãe ou um pai encarcerado, para lhes contar sobre a escola, ou que sentem saudades deles, que precisam ouvir a sua voz para saber que tudo ficará bem, que eles são amados. Nós não estamos aqui para contrastar as vidas destas crianças, perplexas pela crueldade deste mundo, vivendo em apartamentos dilapidados em projetos nos centros das cidades, com a opulência feudal da vida de Michael Fisch, das suas três mansões que valem US$ 100 milhões, enfileiradas na mesma rua luxuosa de East Hampton, da sua coleção de arte que vale mais de US$ 500 milhões, do seu apartamento na 5ª avenida (em Manhattan, NY) que vale US$ 21 milhões e na sua moradia geminada de quatro pisos no Upper East Side (NYC). São tantas habitações de luxo que ficam vazias a maior parte do tempo, sem dúvida, enquanto mais de um milhão de estadunidenses estão desabrigados. A ganância não é racional. Ela devora porque pode. Ela só conhece uma palavra — mais.
Não, nós não estamos aqui hoje para bradar contra os fariseus que operam este seminário, aqueles que falam no abstrato sobre o amor aos pobres, aos oprimidos e aos marginalizados, mas que na verdade amam os ricos, incluindo os ricos que fazem as suas fortunas explorando as família dos estudantes da prisão onde eu ensino, no programa da faculdade Rutgers, muitos dos quais jamais deveriam ter sido emprisionados, que são vítimas do nosso sistema de neo-escravidão. Estamos aqui hoje para bradar contra a igreja liberal, tão rápida em cobrir-se com o manto da virtude e tão rápida para vender virtudes, enquanto entra em conflito com interesses monetários e exige autossacrifício.
Será algum mistério que a igreja liberal está morrendo? Será algum mistério que os seus seminários e escolas de teologia estão se contraindo e sendo fechadas? A igreja sangra até a morte para sustentar instituições moribundas e pagar salários aos burocratas da igreja e aos presidentes dos seminários que falam a linguagem vazia que Lee Walton, o presidente do Seminário Teológico de Princeton, proferiu quando lhe foi apresentado o fato que Michael Fisch, e tudo o que ele representa, é antitético ao evangelho cristão. Esta falsa piedade e a presunçosa arrogância que vem com ela, está matando a igreja, tornando-a uma peça de museu.
Será que o movimento 'Black Lives Matter' [Vidas Negras Importam] é uma mercadoria, um pedaço de marca, ou significa que estaremos com esses corpos negros e marrons e asiáticos e brancos em nossos gulags de prisão e colônias internas? Este seminário pode ter retirado o nome de Samuel Miller, um escravizador que usou o evangelho para perpetrar e defender um crime de proporções nazistas, da capela do seminário, embora apenas quando os estudantes protestaram, mas abraça um bilionário que faz sua fortuna fugindo de homens e mulheres encarcerados que trabalham 40 horas por semana na prisão e são pagos, quando são pagos, pouco mais de um dólar por dia. As prisões são plantações modernas, e não surpreende, um negócio multibilionário por ano para oligarcas como Michael Fisch.
Os industriais ricos dos anos de 1930 e 1940 despejaram dinheiro e recursos na igreja, incluindo seminários como o Teológico de Princeton, para esmagar o Evangelho Social, liderado por radicais cristãos e socialistas. Eles fundaram uma marca de cristianismo — que é dominante hoje em dia — que combina fé com livre iniciativa e o excepcionalismo estadunidense. A igreja desceu pela toca do coelho de uma forma narcisista de espiritualidade ‘como-é-comigo’. Os ricos são ricos, este credo afirma, não porque são gananciosos ou privilegiados, não porque usam seu poder para explorar outros, mas porque são líderes brilhantes e dotados, dignos de serem canonizados, como Bill Gates ou Jamie Dimon, como oráculos. Esta crença não só é delirante, mas é uma heresia cristã. A palavra heresia vem do verbo grego hireo, que significa apossar ou dominar — apossar para si mesmo às custas de outra pessoa. Você não precisa passar três anos na Escola Teológica de Harvard, como eu passei, para se dar conta que Jesus não veio para nos enriquecer.A igreja liberal cometeu suicídio quando se separou deste radicalismo. Os radicais cristãos lideraram o movimento abolicionista, foram ativos na Liga Anti-Imperialista, defenderam os trabalhadores durante as sanguinolentas guerras dos trabalhadores, lutaram pelo sufrágio feminino, formularam o Evangelho Social — que incluiu campanhas pela reforma das prisões e programas educacionais para os encarcerados — e foram motores dos movimentos por direitos humanos e contra a guerra. O candidato socialista à presidência Eugene V. Debs passou mais tempo citando a Bíblia do que Karl Marx. O seu sucessor, Norman Thomas, era um ministro presbiteriano.
Estes radicais não foram abraçados pela igreja institucional, a qual serviu como um baluarte do establishment, mas eles mantiveram a igreja vital e profética. Eles a tornaram relevante. Os radicais foram e são a sua esperança.
James Baldwin, que cresceu na igreja e foi um pregador durante um curto tempo, disse que ele abandonou o púlpito para pregar o Evangelho. Ele sabia que o Evangelho não era ouvido na maior parte dos domingos nas casas de culto cristãs. E, hoje em dia, com os ministros sendo cautelosos para não ofender os seus rebanhos idosos e em números cada vez menores — com quem eles contam para pagar os salários e contas dos clérigos — isto é mais verdadeiro do que quando Baldwin estava vivo.
Isto não quer dizer que a igreja não existe. Isto não quer dizer que rejeito a igreja. Ao contrário. Atualmente, a igreja não se localiza nos edifícios de pedra que nos cerca, ou as cavernosas e muito vazias casas de culto, mas se localiza aqui, com vocês. Ela se localiza naqueles que trabalham em prisões, escolas e abrigos, naqueles que organizam trabalhadores de 'fast food', que servem aos que não têm documentos, os que formam as ligas noturnas de basquete em comunidades pobres — como o meu colega de escola teológica Michael Granzen fez em Elizabeth — e que são presos nos protestos contra o fracking e contra as guerras.
Bilionários como Michael Fisch jamais patrocinarão esta igreja, a verdadeira igreja. Mas nós não precisamos do dinheiro dele. Estar verdadeiramente do lado dos oprimidos é aceitar ser tratados como os oprimidos. É compreender que a luta por justiça exige confrontação. Nós não encontramos sempre a felicidade, mas descobrimos nesta resistência um tipo estranho de regozijo e satisfação, uma vida com sentido e valor, uma vida que zomba da opulência espalhafatosa e o vazio espiritual de bilionários como Michael Fisch, daqueles que passam as suas vidas construindo pequenos monumentos patéticos para si mesmos. Devemos nos manter enraizados neste radicalismo, este compromisso com os crucificados da Terra. Devemos sempre exigir justiça, mesmo se ao custo do nosso próprio conforto e segurança. Pode ser que nós não triunfemos sempre contra o mal, mas a nossa fé significa que o mal jamais triunfará sobre nós.
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