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segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O novo alerta do IPCC contra a catástrofe climática

 

Aquecimento global, que já provoca transtornos como a seca prolongada e extensa no Brasil (foto), continua a se agravar. Ártico é o epicentro. E mais: na Câmara dos Deputados, nova ofensiva dos planos de Saúde “populares” sobre o SUS

Por Leila Salim e Raquel Torres

PÉSSIMO HORIZONTE

O Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou hoje um longo relatório sistematizando trabalhos científicos disponíveis sobre a crise climática e projetando o que deve acontecer com o planeta nas próximas décadas. Não conseguimos percorrer suas quase quatro mil páginas, mas reunimos aqui os principais pontos destacados pela imprensa nas reportagens desta manhã. 

O preocupante (e nada inesperado) alerta está na péssima previsão para o resto deste século: “A menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento a 1,5 ºC [acima dos níveis pré-industriais] estará fora do alcance”, disse em coletiva de imprensa Ko Barrett, vice-presidente do IPCC, referindo-se à meta do Acordo de Paris. 

Ocorre que a temperatura já subiu quase 1,1 ºC e deve bater o marco de 1,5 ºC até meados da década de 2030, se tudo continuar como está. Para piorar, o mais provável é que passe dos 2ºC entre 2040 e o início de 2050. A reportagem da Wired explica que variações aparentemente pequenas, de 0,5 ou 1ºC além de onde estamos agora, são na verdade gigantescas: “Há uma grande diferença entre 1,5 e 2ºC em termos de agravamento das secas, ondas de calor, tempestades, inundações, derretimento do gelo e aumento do nível do mar. Com 2ºC fica muito pior. E além de 2ºC fica muito, muito pior. E há chances, é claro, de estarmos indo nessa direção”, diz Janos Pasztor, diretor executivo da Carnegie Climate Governance Initiative e ex-assistente da ONU secretário-geral para mudanças climáticas, que não participou do relatório. 

Pela primeira vez, o IPCC quantificou o grau de influência das mudanças climáticas à frequência e à intensidade de eventos extremos, como secas prolongadas, ondas de calor, tempestades e furacões. “Ondas de calor já triplicam no mundo atual em comparação com o período de 1850 a 1900 – antes das atividades humanas aumentarem a concentração de gases-estufa na atmosfera. Variações extremas de temperatura que aconteciam uma vez por década hoje podem ocorrer 2,8 vezes no mesmo período (…). Já as temperaturas extremas mais raras, que ocorriam uma vez a cada 50 anos entre 1850 e 1900, hoje têm probabilidade de ocorrer 4,8 vezes no mesmo período”, resume a Folha. No Brasil, boa parte do país tem projeções de aumento de secas para meados do século, em um cenário de aquecimento global de 2°C; a região amazônica deve ser uma das mais afetadas.

A preocupação maior é o Ártico, que está esquentando simplesmente três vezes mais rápido que o resto do planeta – e cujas ondas de calor se refletem em outras partes. Elas estão ligadas não só ao aumento do nível do mar como a incêndios florestais maiores e mais intensos, por exemplo. 

O único jeito de evitar a tragédia que se avizinha é um declínio dramático nas emissões de gases do efeito estufa. No melhor cenário, a temperatura média vai aumentar até 1,8 ºC entre os anos de 2081 a 2100. No pior, o crescimento será de 3,3 a 5,7ºC. Mas isso esbarra na influência humana, cujo papel no aquecimento é segundo o IPCC, “inequívoco e inquestionável“.

Vale pontuar que, na semana passada, um alarmante estudo publicado na Nature Communications projetou que o aumento da temperatura global deve levar a 83 milhões de mortes até 2100, tornando-se o maior fator de risco global para a saúde. 

Em tempo: amanhã, a Academia Brasileira de Ciências vai apresentar e debater as principais conclusões do novo relatório do IPCC em um seminário

NEM O MÍNIMO É ACEITÁVEL
 Mais uma vez a pauta de costumes bolsonarista foi mote para a criação de uma polêmica que não deveria existir. Mais que isso, garantiu um resultado concreto totalmente disparatado: o ministro da Saúde Marcelo Queiroga decidiu tornar sem efeito uma resolução do Conselho Nacional de Saúde porque ela defendia  “garantir o direito ao aborto legal, assegurando a assistência integral e humanizada à mulher”. Ênfase no termo legal – não se tratava de propor a ampliação desse direito, apenas sua garantia em caso estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal. Além disso, uma moção pedia a retirada da PEC 29/2015, que torna crime a interrupção da gravidez desde a concepção (relembre aqui). 

E o texto nem é exclusivamente sobre isso. Trata-se das diretrizes e propostas da última Conferência Nacional, realizada ainda em 2019, que foram publicadas no Diário Oficial da União na última terça-feira. Como costuma acontecer nas resoluções pós-conferências, ela tem centenas de pontos relacionados a temas diversos, como financiamento do SUS, fortalecimento da atenção primária e formação de pessoal. 

Após homologar a resolução, Queiroga foi atacado e chamado de “abortista” tanto em suas redes sociais como nas de aliados do presidente Bolsonaro. Houve quem acusasse a pasta de ser “a favor do aborto, transexualidade e prostituição”… O ministro chegou a gravar um vídeo se explicando e dizendo que todos os representantes do Ministério no Conselho foram contrários à resolução, porque “o ministério tem uma defesa intransigente da vida desde a sua concepção”… mas que esses representantes foram voto vencido.

Na sexta, enfim, foi publicada uma portaria que torna a resolução sem efeito. O detalhe é que, como o próprio Queiroga ressaltou, a legislação determina que as resoluções do CNS sejam publicadas no Diário Oficial. “Ao revogar a homologação, o ministro Queiroga desrespeitou duas leis, a que estabelece o CNS como autoridade máxima do SUS e a própria lei que estabelece o aborto legal no Brasil”, alerta o deputado e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP).

NOVO ROUND

Olho no lance na Câmara dos Deputados: voltaram à pauta as movimentações para alterar a regulamentação dos planos de saúde. Foi instalada nova comissão especial para reiniciar a discussão, quatro anos depois da ofensiva capitaneada por Rogério Marinho, então deputado e atual ministro do Desenvolvimento Regional. O ano era 2017, e Ricardo Barros estava à frente do Ministério da Saúde do governo Temer. O PL 7.419/06, alterado por substitutivo por Marinho, acabou não sendo aprovado. 

A nova comissão é presidida pela deputada Soraya Manato (PSL-ES). O relator da proposta, Hiran Gonçalves (PP-RR), relata a proposta e disse, na quinta passada, que pretende aproveitar parte dos esforços de Rogério Marinho. O tom é conhecido: usar o argumento de “desafogar o SUS” para ampliar o mercado dos planos privados. “Se conseguimos aqui criar um marco legal adequado, inclusive para garantir a inclusão de mais usuários na saúde suplementar, nós terminamos até desafogando o SUS. E isso é um desafio para nós”, disse. 

As tentativas de desconfiguração da lei que regulamenta a atuação dos planos de saúde, a 9.656/98, não são novas. Orientadas para a ampliação das garantias do setor privado, elas   estão, na avaliação de militantes do direito à saúde, no centro das ofensivas do capital privado contra o SUS nas últimas décadas. 

BASTIDORES DA DIPLOMACIA

Telegramas internos do Itamaraty obtidos pelo colunista do UOL Jamil Chade dão mais uma dimensão de como o governo federal foi errático ao negociar vacinas. Os documentos tratam sobre a Covax Facility e mostram o país demorou a decidir entrar no consórcio porque não queria correr o risco de comprometer seus contratos bilaterais. No fim de agosto, a OMS indicou que haveria flexibilidade para os países que tinham contratos direto com as farmacêuticas, e só então o Brasil confirmou sua adesão. A preocupação até faria sentido se não fosse o fato de que, justo naquele momento, o empenho brasileiro para garantir a efetivação desses acordos bilaterais era quase nulo: a Pfizer e a CoronaVac eram esnobadas, e a única opção já certa era imunizante de Oxford/AstraZeneca. 

Como se sabe, em agosto do ano passado o Brasil chegou a dizer às autoridades internacionais que ficaria com 86 milhões de doses de imunizantes via Covax (suficientes para imunizar 20% da população), mas, no mês seguinte, reduziu o pedido à metade. Ao reconstruir essa linha do tempo, os telegramas indicam alguns alertas feitos pelo Itamaraty – que, entre outros pontos, punha em dúvida a segurança das vacinas que seriam aprovadas e oferecidas.

Meses depois, o Planalto acertou a compra de doses da Covaxin, por um preço 50% mais alto do que o oferecido pela Covax.

COINCIDÊNCIAS

As suspeitas sobre os contratos de empresas investigadas pela CPI com o Ministério da Saúde não param de crescer. Já comentamos aqui que a Precisa Medicamentos, alvo das investigações no caso Covaxin, havia sido questionada antes por outra negociação com a Pasta, referente ao fornecimento de preservativos femininos. 

Destrinchado ontem em reportagem da Folha, o contrato envolveu um conjunto de procedimentos, digamos, familiares. Quebra de cláusulas contratuais, atraso na entrega dos produtos, recebimento de notificações do Ministério sobre possibilidades de sanções, preços inflados em relação aos praticados no mercado internacional e por aí vai… 

Esse é o terceiro de uma série de contratos firmados entre a Precisa e a Saúde para a venda de preservativos, de 2020. Os outros dois são de 2018 e 2019. Somados, os três totalizam R$ 102,3 milhões recebidos pela empresa do governo federal . Os dados são do Portal da Transparência, citados pela Folha. O último acerto ocorreu ao mesmo tempo em que as negociações da Covaxin andavam a todo vapor. 

QUEM SERÁ O BOB?

E tem mais: repercutiu ontem, após reportagem d’O Globo, a existência de uma espécie de manual das negociações ilegais no Ministério da Saúde, de novo envolvendo a Precisa. É que mensagens que WhatsApp que estão sob posse da CPI e foram obtidas pelo jornal mostram Danilo Trento, diretor institucional da empresa, enviando um “passo a passo” a um lobista de Brasília

O manual instrui o lobista a atuar para acelerar as negociatas no Ministério. Nas mensagens, Trento orienta o lobista e explica como uma pessoa chamada por ele de “Bob” atuaria dentro da Pasta, para acelerar a trativa de compra de 12 milhões de kits de reagentes para exames de Covid-19. 

As mensagens estão no relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que apurou irregularidades na Saúde, e o órgão acredita que “Bob” seria mesmo Roberto Dias, o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde que já está envolvido até o pescoço com suspeitas de irregularidades no Ministério. 

VOLTA FRIA

Teve choro, arrependimento e depoimentos contraditórios, mas… pouco avanço nas investigações. O retorno da CPI da Covid, na semana passada, acabou sendo frio e não trouxe novidades significativas. Na mesma semana em que Bolsonaro subiu o tom do golpismo, acusou – pra variar, sem provas – de fraudes o sistema eleitoral e xingou o Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI acabou ficando escanteada. 

Os personagens da semana prometiam: o “reverendo” Amilton Gomes de Paula, que abriu as portas do Planalto ao policial e vendedor de vacinas que dizia representar a empresa Davati na estranha tratativa envolvendo a venda de 400 milhões de doses da Astrazeneca sem autorização do laboratório; Marcelo Blanco, tenente-coronel da reserva que atuou como assessor do departamento de logística do Ministério da Saúde até janeiro e estava no fatídico jantar em que Dominguetti – policial até então conhecido como representante comercial da Davati – diz ter recebido um pedido de propina do Ministério da Saúde para fechar a transação; e Airton Cascavel, o “facilitador” que chegou ao Ministério junto ao general Pazuello e atuou sem cargo oficial tecendo relações institucionais até ser nomeado assessor especial do então ministro.  

O “reverendo” Amilton e o tenente-coronel Blanco não conseguiram oferecer respostas conclusivas sobre a compra de vacinas com empresas intermediárias desconhecidas e que sequer tinham autorização para negociar em nome dos laboratórios produtores dos imunizantes. Amilton de Paula chorou, alegou arrependimento – apesar de não deixar claro exatamente por quê – e ainda disse que “foi “usado para fins espúrios”, como contamos aqui

O militar e empresário Blanco apenas negou ter ouvido ou feito qualquer solicitação ilegal no jantar com Dominguetti. Segundo ele, após deixar o cargo no governo (em janeiro), passou a atuar comercialmente (em fevereiro) e esperava lucrar com a venda de vacinas. Blanco afirmou ainda não ter utilizado o cargo público em benefício próprio

O depoimento de Cascavel não foi muito diferente. O responsável por relações institucionais que não tinha, ele próprio, vínculo institucional com o Ministério apenas minimizou sua atuação junto à pasta e disse que atuava como “facilitador”, ajudando militares pouco hábeis politicamente no trato com secretários de saúde nos estados e municípios. 

Os senadores, que tiveram semanas para estudar documentos, apurações e materiais obtidos com quebras de sigilo dos investigados, ainda não chegaram a perguntas mais contundentes baseadas nos materiais de que dispõem. Nas próximas semanas, a comissão deve se debruçar também sobre as suspeitas de corrupção nos hospitais federais do Rio de Janeiro, os negócios milionários da empresa VTCLog com a Ministério e a disseminação de notícias falsas sobre a pandemia, através de uma rede que envolveria, segundo suspeitas dos senadores, parlamentares e o governo Bolsonaro. 

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