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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Xadrez do pacto suprapartidário contra o fascismo, por Luis Nassif




Peça 1 – a precariedade do momento

Há um tipo de análise política estática, baseada na correlação de forças do momento, superdimensionando a estatura das instituições e incapaz de estimar a dinâmica de crescimento do bolsonarismo.
Segundo essa visão, Bolsonaro late, mas não morde. É um anão perto do poder ciclópico das instituições brasileiras. Portanto, o único desafio é jogar no campo eleitoral e impedir sua reeleição em 2022.
É até curiosa essa aposta nas instituições.
STF – rachado e desmoralizado, obtendo maiorias precárias e pontuais em favor da obediência à Constituição. E atento ao primeiro sinal de clarim.
Congresso – consegue montar maiorias em reformas liberais e segurar alguns exageros de Bolsonaro.
Judiciário – infiltrado por bolsonaristas em todos os níveis. Hoje em dia é o porteiro da delegacia, sem obedecer a nenhum critério técnico.
Ministério Público – ao nomear um ultradireitista para representar o MPF na Comissão de Direitos Humanos, o Procurador Geral Augusto Aras matou qualquer esperança de redução de danos na condução da corporação.
Polícia Federal – sob controle dos delegados da Lava Jato de Curitiba, com histórico de manipulação de inquéritos e de retaliação contra críticos internos e externos.
Mídia – ainda tem grande influência no Judiciário e no meio empresarial. Hoje em dia, está empenhada em exaltar o crescimento do Pibinho, em esconder as manipulações de Paulo Guedes com o câmbio, em varrer para baixo do tapete o caso Marielle e as suspeitas contra a Lava Jato.
Bolsonarismo – consolidado na área empresarial, com ampla penetração nas classes C, B e A, com canais de transmissão nacionais – neopentecostais, milícias, Polícias Militares, clubes de tiros, caminhoneiros. O Partido 38 será o grande agente coordenador de uma violência hoje em dia difusa.

Peça 2 – o fator militar

E a grande incógnita, as Forças Armadas.
Na sua gestão, o general Villas Boas montou o vínculo que faltava entre a força e os carbonários da reserva – liderados pelos generais Hamilton Mourão e Augusto Heleno. Hoje em dia, o Alto Comando do Exército tem um comportamento profissional. Mas não há a menor segurança de que seja permanente.
O que aconteceria se espocassem as grandes manifestações populares, emulando o que ocorre nos países vizinhos? O que ocorrerá com a demonização de Lula, a insistência da mídia em situá-lo como radical de esquerda?
Há uma resistência histórica das Forças Armadas contra qualquer forma de organização popular. É um sentimento que remonta os anos 30, quando tem início a profissionalização do Exército e a criação das academias militares. Esse sentimento tornou-se arraigado com a Intentona Comunista. Depois, com a criação do PTB e do sindicalismo. E permanece vivo contra o PT.
Uma mera mudança de atitude do Alto Comando imediatamente desmontaria o equilíbrio precário das instituições. As Forças Armadas, especialmente o Exército, tendem a emular o sentimento da classe média e das corporações públicas. E o Alto Comando é sensível aos sentimentos da tropa. No limite, poderá endossar medidas autoritárias, inclusive para manter o controle hierárquico da tropa, em uma quadra da história em que todas as formas de hierarquia estão sendo questionadas.
Qual o limite em caso de manifestações populares, com os manifestantes sendo insuflados pelos P2? Ou de expectativa de volta do PT ao poder?
Tem-se um barril de gasolina a descoberto, que poderá fazer o Colosso de Rhodes, das nossas instituições, desmontar como um castelo de cartas. Como falar em solidez das instituições sem conhecer o comportamento do fator central?

Peça 3 – as alianças políticas

Justamente pelo que foi exposto acima, reduzir todas as disputas nacionais ao Congresso, como se ele fosse início e fecho de todas as transformações sociopolíticas do país é de um simplismo extremo.
Toda estratégia política tem que incluir, nas variáveis de analise, a perspectiva de caminhada persistente de Bolsonaro rumo a um regime fascista e os avanços que tem obtido.
No campo político, significa o seguinte:
  1. Acelerar as tratativas de formação de alianças, tanto na esquerda quanto no centro-democrático visando eleições e a resistência institucional.
  2. Iniciar a sério as conversas para um pacto entre esquerda e centro democrático. Enquanto a mídia não sentir firmeza nesse movimento, continuará com esse jogo de amuos sem consequência contra Bolsonaro.

Peça 4 – pacto e redução de danos

Peça central será a definição de um programa de governo tendo como ponto central a melhoria das condições de vida da população, a redução das desigualdades e a recuperação do crescimento econômico. É um discurso da esquerda e que já vem sendo ensaiado pelo centro-direita racional. Os temas programáticos mais polêmicos deverão ser deixados para um segundo momento.
O pacto será um processo de redução de danos, visando impedir a deterioração ainda maior das políticas públicas, o avanço do arbítrio, o desmonte de instituições estratégicas.
A direita liberal tem que aceitar que desmonte social é caminho certo para o populismo de direita anti-globalização, anti-direitos humanos e anti-meio ambiente. E parar com esse devaneio de que será possível um pacto sem o maior dos partidos de oposição, o PT.
O PT tem que adiar os sonhos de pretender retomar o projeto social no lugar em que parou com o impeachment. E parar com esse sonho de que, por ser o maior partido de esquerda,  deve preservar sua hegemonia em todos os níveis.
A crise atual, com os ogros saindo da jaula e invadindo todos os poros da vida nacional, com milícias e neopentecostais assumindo a interlocução com periferias, com tribos de jovens sem espaço para atuação política mais aprofundada, exigirá uma profunda reflexão da sociedade brasileira – especialmente dos partidos políticos.
A inação da população, apoiando ou não reagindo ante a perda de direitos duramente conquistados, é a demonstração mais eloquente de que a vida política dissociou-se totalmente das expectativas do cidadão médio e o de periferia.
A recuperação dos partidos políticos, como agentes principais da organização política, dependerá fundamentalmente de sua democratização, da renovação, da abertura das portas para a jovem militância, para o acolhimento das minorias – como protagonistas principais das suas políticas públicas e não como meros apêndices.

Peça 5 – os interlocutores do pacto

Do impeachment para cá houve um enorme retrocesso econômico, político e social. Muitos setores envolvidos no impeachment, como autores e como vítimas, estão em processo de autocrítica interno e exigindo autocrítica pública dos adversários.  Melhor deixar essa hipocrisia de lado. Todo mundo sabe o que todo mundo fez no verão passado.
A melhor autocrítica é assumir a defesa intransigente da democracia e abraçar o pacto político com desprendimento.
Um dos problemas sérios é a falta de interlocutores representativos do centro democrático. Caberá ao arco da esquerda acelerar esse processo, identificando no centro-direita interlocutores confiáveis para as primeiras tratativas.
Essas reavaliações, avivadas pela tragédia Bolsonaro, ajudam a identificar alguns pontos em comum, em condições de serem endossados por um pacto mais abrangente:
  1. A defesa da democracia e dos direitos individuais.
  2. O combate à extrema miséria.
  3. A recuperação da racionalidade econômica.
  4. O enquadramento das corporações públicas.
  5. O combate a toda forma de extremismo.
  6. A recuperação dos sistemas de ciência, tecnologia, cultura.
O objetivo final do pacto será restaurar a democracia, as regras do jogo. E, em um segundo momento, recuperar a disputa das últimas décadas, entre centro-esquerda e centro-direita.

Peça 6 – o desafio de passar o pano

O primeiro teste do pacto serão as próximas eleições municipais. É crucial que as forças antibolsonaristas conquistem grandes capitais, reforçando o extraordinário consórcio de governadores do Nordeste.
Um grande teste é a proposta de uma dobradinha Fernando Haddad-Marta Suplicy para a prefeitura de São Paulo, Martha entrando pelo PDT.
Olha a encrenca:
  1. Martha foi uma prefeita progressista muito bem sucedida, com ampla penetração na periferia – território abandonado politicamente por Haddad, embora preservado administrativamente.
  2. Será fundamental para garantir a vitória de Haddad, seja atraindo o voto de periferia, seja reduzindo o enorme antipetismo das classes A e B.
  3. Há total compatibilidade entre suas ideias e os projetos sociais de Haddad e do PT.
Por outro lado:
  1. Foi defensora intransigente do impeachment e do governo Temer.
  2. Presenteou Janaina Paschoal com um buquê de flores em plena sessão do Senado.
  3. Votou até contra a PEC que proibia mulher grávida de trabalhar em ambiente insalubre.
  4. Tem ampla resistência de todos os que se empenharam em impedir o impeachment.
Da capacidade ou incapacidade do PT resolver esse dilema dependerá em muito o futuro da grande aliança. Sabendo-se que, do outro lado do muro, tem os Bolsonaros, Dórias e Witzel.

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