Para sua fala durante o Sínodo, Dom Edson Damian elencou dois temas: a inculturação e a Igreja Índia Amazônica, propondo que as cerimônias católicas agreguem não só as línguas indígenas, mas também símbolos e rituais tradicionais desses povos.
da Amazônia Real
Sínodo é resistência pela proteção à Amazônia e povos indígenas, diz bispo de São Gabriel da Cachoeira
por Ana Amélia Hamdan, especial para a Amazônia Real
São Gabriel da Cachoeira (AM) – Centro das atenções da imprensa mundial devido às queimadas e às propostas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) que envolvem exploração mineral, avanço da fronteira agrícola e suspensão da demarcação de terras indígenas, a Amazônia brasileira ganha ainda mais destaque nas próximas semanas. Dessa vez, por seu papel primordial na questão ambiental, cultural e religiosa: entre os dias 6 e 27 de outubro, a Igreja Católica realiza no Vaticano, em Roma, o Sínodo dos Bispos para a Amazônia com o Papa Francisco.
O bispo da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Taschetto Damian, 71 anos, é um dos 11 bispos da Amazônia convocados pelo Vaticano para o Sínodo. “A Amazônia estará na vitrine do mundo”, diz ele, que iniciou sua vida missionária na região amazônica em 1999 na Diocese de Roraima. O bispo foi também membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT).Para sua fala durante o Sínodo, Dom Edson Damian elencou dois temas: a inculturação e a Igreja Índia Amazônica, propondo que as cerimônias católicas agreguem não só as línguas indígenas, mas também símbolos e rituais tradicionais desses povos.
A Diocese de São Gabriel está localizada na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, onde há a maior população indígena do Brasil. Dos 45.564 habitantes do município, 95% são indígenas que representam 23 etnias. É também o lugar onde tem quatro línguas oficiais: tukano, baniwa, nheengatu e português.
No total, mais de 250 bispos, religiosos, pesquisadores e representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) participarão do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, que discutirá questões sociais e ambientais dos noves países que integram a bacia amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Guiana Francesa, Venezuela e Suriname.
Dom Edson aponta que São Gabriel da Cachoeira, inclusive devido à sua localização fronteiriça, está sujeita a problemas como exploração de crianças e adolescentes e o tráfico de drogas, questões que serão discutidas durante o Sínodo. Ainda assim, considera que as dificuldades de acesso acabam protegendo a região que, segundo o religioso, é uma das menos atingidas por desmatamento.
Presidente do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde maio deste ano, Dom Edson embarca para Roma na próxima semana (em 3 de outubro), levando como presente para o Papa Francisco: um cálice e um cibório, objetos usados na celebração da Eucaristia, feitos em madeira da árvore pau-brasil. E a viagem coincide com os 10 anos de Dom Edson em São Gabriel, que está como bispo da Diocese de São Gabriel desde 2009.
Natural de Jaguari, no Rio Grande do Sul, Dom Edson Damian é membro da Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas, que segue a espiritualidade de Charles Foucauld. É também o primeiro bispo não salesiano a assumir a Diocese de São Gabriel, fundada em 1941.
Filófoso formado pela Universidade Federal de Santa Maria e teólogo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ele foi ordenado padre em 1975 por Dom Ivo Lorscheiter (1927-2007). Em entrevista ao Amazônia Real, o bispo disse que o Sínodo pode ser considerado um movimento de resistência pela proteção à Amazônia e aos povos indígenas. E afirma: “A Igreja não terá medo de dizer a verdade”. Leia abaixo a entrevista com o bispo Dom Edson Damian.
Amazônia Real – Como foram elaboradas as questões a serem discutidas durante o Sínodo da Amazônia?
Dom Edson Damian – O Papa Francisco, quando convocou o Sínodo, em 15 de outubro de 2017, disse que é um Sínodo especial para a Pan-Amazônia, com dois objetivos: buscar novos caminhos para a Igreja e novos caminhos para uma ecologia integral. Os principais interlocutores desse Sínodo serão os povos indígenas, os povos originários da Amazônia. Ele disse que, nunca como hoje, os direitos dos povos indígenas estiveram tão ameaçados. Ali, então, o Papa delineou o que ele deseja com esse Sínodo. Além dos indígenas, os ribeirinhos, caboclos, habitantes das periferias das grandes cidades deverão ser os principais interlocutores.
O Conselho Pré-Sinodal teve diante de si 1.200 páginas de propostas da escuta que foi feita das comunidades cristãs de toda parte. Nas comunidades indígenas e nas cidades. Essa equipe escreveu o instrumento de trabalho, que ficou pronto em 13 de junho. E do conselho faz parte o padre Justino Tuyuka, único padre indígena do grupo.
É um caminho sinodal, que envolve toda a igreja, a partir das comunidades de base. Dos 390 povos indígenas da Pan-Amazônia, 179 participaram. Aqui em São Gabriel, representantes de todas as 23 etnias participaram.
Amazônia Real – Quais as principais questões levantadas?
Dom Edson – As comunidades que habitam a região amazônica identificaram os seguintes problemas como questões de importância crucial para o Sínodo, por meio de amplo processo de consulta e escuta: a criminalização e assassinato de líderes e ativistas, que defendem territórios e povos indígenas; as práticas predatórias de caça e pesca; as concessões de abate ilegal de árvores; os megaprojetos infraestruturais; concessões de hidrelétricas, monoculturas, projetos mineiros e petrolíferos. A poluição provocada por todas as indústrias, que causa problemas e doenças, em particular a crianças e jovens; o narcotráfico.
Os problemas sociais, como alcoolismo, violência contra a mulher, a exploração sexual; o tráfico de seres humanos; a perda da cultura e identidade. Depois a falta de demarcação de territórios indígenas, a falta de reconhecimento de seu direito a terra. A rápida perda da biodiversidade e as consequências para o planeta, uma vez que a floresta amazônica representa um pulmão vital para a atmosfera. A vida humana e o ambiente estão sofrendo uma séria e, talvez, irreversível destruição.
Amazônia Real – Dessas questões, quais atingem mais a região de São Gabriel da Cachoeira?
Dom Edson – Em São Gabriel, a violência contra mulheres, contra crianças, abusos sexuais contra menores, o problema do alcoolismo, das drogas. Estamos aqui muito perto da fronteira. E sabemos que muitos indígenas, para sobreviver, colaboram para transportar drogas dos países vizinhos para cá. E, claro, que daqui da nossa região surgiu também esse grito: queremos mais padres e diáconos para atender a nossa comunidade.
Amazônia Real – O senhor está aberto à proposta de que homens casados possam celebrar missas?
Dom Edson – A gente vai propor nesse Sínodo, sem abolir o celibato, a possibilidade de ordenar homens casados. Homens casados que vivam de seu trabalho, com famílias bem constituídas. E, claro, que tenham uma preparação adequada para que possam celebrar a eucaristia nos finais de semana. Estou aberto a essa proposta e vou defendê-la.
As mulheres pedem que tenham espaço maior de participação, que estejam mais presentes não só para executar tarefas, mas nos momentos de decisão. Que elas possam ter ministérios próprios. A gente vai pedir que as mulheres possam receber a ordenação diaconal.
E tudo isso tem um princípio que apareceu nessa consulta para o Sínodo, que é preciso passar de uma Igreja que visita para uma Igreja que permanece. Aqui na nossa região, devido às longas distâncias, os custos de transporte e combustível, os padres visitam quatro vezes por ano as comunidades. Então é uma pastoral de visita. Passar para uma pastoral de presença com as comunidades podendo ter seus ministros ordenados, as mulheres diáconas, os homens presbíteros, celebrando a eucaristia.
Amazônia Real – Essa é uma forma de fazer frente ao avanço da Igreja Evangélica?
Dom Edson – Em algumas regiões, sim. Aqui nem tanto. Temos paróquias aqui, como Taracuá, Pari-Cachoeira e Yauaretê, que são 100% católicas. São acompanhados pela Igreja Católica há mais de 100 anos.
Amazônia Real – Qual a relação do Papa Francisco com a Amazônia?
Dom Edson – O Papa Francisco (ainda como cardeal arcebispo de Buenos Aires) conheceu sobre a Amazônia em 2007, quando houve a V Conferência dos Bispos da América Latina e do Caribe. Ficaram três semanas em Aparecida (SP) para analisar a situação da Igreja aqui. E ele ficou impressionado diante dos bispos da Amazônia que descreveram uma realidade dramática, pedindo que a Igreja abrisse novos caminhos, que mandasse novos missionários.
E é por isso que o primeiro documento que ele escreveu foi Evangelii Galdium (Alegria do Evangelho) e tem toda a proposta de uma conversão pastoral. A Igreja em saída, que deve ir às periferias geográficas e existenciais. Definiu a igreja como um hospital de campanha, que vai juntar os feridos. É um novo modelo. Isso foi no fim de 2013.
E esse Sínodo vai para a Amazônia, a periferia do Brasil, considerada a despensa, o lugar onde tem reservas intermináveis, onde cada um se julga no direito de vir aqui derrubar quanto quer e com essa economia predatória.
Em 2015 o Papa escreveu o Laudato si‘, o documento ecológico mais completo da Igreja. Esse documento deu um peso muito grande. É o cuidado da Casa Comum. Então esse Sínodo é um novo caminho para a Igreja e para uma ecologia integral.
Amazônia Real – Em seu discurso na ONU, há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro disse que as atuais queimadas na Amazônia são um incidente favorecido pelo clima seco e por práticas da cultura local. Voltou a afirmar que a população indígena pede desenvolvimento. Reforçou que não vai demarcar mais terras. A fala foi duramente criticada por lideranças dos povos indígenas. O que o senhor considera sobre essas posições?
Dom Edson – Isso é lamentável. A figura que o presidente fez na ONU é algo que nos envergonha a todos. Disse coisas, mas aqui é o contrário que está acontecendo. A Igreja não terá medo de dizer a verdade. Nessas três semanas que vai acontecer o Sínodo, em Roma, a Amazônia estará na vitrine do mundo, com jornalistas do mundo inteiro. E são 58 bispos. Iremos para lá, a gente conhece a realidade. Nós moramos aqui. Não somos visitantes e nem viemos aqui para explorar. Viemos para defender. Defender a verdade do evangelho, que deve chegar ao coração de todos, e os direitos humanos, principalmente daqueles mais fragilizados e que são oprimidos e maltratados.
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