quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A diferença abissal entre a competência de Glenn Greenwald e o jornalismo pátrio, por Luis Nassif




A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo.

Por Luis Nassif



A #Vaza Jato é das mais importantes reportagens da história da imprensa brasileira. E Glenn Greenwald um advogado constitucionalista, jornalista, que se saiu vitorioso do maior desafio do jornalismo mundial: as reportagens sobre o caso Snowden, que o colocaram na mira dos maiores poderes mundiais, da CIA ao próprio governo dos Estados Unidos.
A estratégia adotada para a divulgação do dossiê Snowden e, agora, da #Vaza Jato – de parceria com veículos de mídia – é campeã. Institucionaliza a cobertura e blinda sua própria atuação como jornalista.
Por isso mesmo, uma hora e meia de entrevista com ele permitiria levantar informações preciosas. Por exemplo:
  1. Como se dá a coordenação da cobertura compartilhada para impedir, por exemplo, redundâncias ou conflitos de interpretação?
  2. Quais são as ferramentas de pesquisa utilizadas? Sistema de localização para textos? E no caso dos áudios, como filtrar?
  3. Como foi a operação para colocar o conteúdo a salvo da ação da Polícia Federal e, mesmo, da CIA? Como funcionam os sistemas de nuvens para ficarem a salvo de órgãos de Estado.
  4. O que esperar das conversas gravadas sobre as negociações com advogados de delatores? Qual o nível de intimidade entre procuradores e advogados?
  5. Quais os indícios de interferência de Rosângela Moro e o primeiro amigo Zucolotto nos acordos de delação?
  6. Como foram as conversas sobre a fundação que administraria os recursos da Lava Jato?
  7. Houve conversas com colegas de outros países sobre parcerias em escritórios decompliance para atender empresas denunciadas pela Lava Jato? Há indícios sobre a indústria da anticorrupção?
  8. Qual o grau de intimidade entre Lava Jato e magistrados de tribunais superiores?
Com todas essas informações podendo ser extraídas de Glenn, por quase uma hora e meia o programa girou em cima do mesmo bordão, sobre as intenções do The Intercept com o dossiê, sem o menor conhecimento sobre o papel do jornalista, da polícia e do político.
Como é possível perguntas do tipo: no caso do Snowden, ele invadiu porque conhecia o conteúdo. Como explicar uma invasão prévia dos arquivos da Lava Jato antes dos invasores saberem o que havia?
Os entrevistadores não conseguiam distinguir o papel do jornalista do hacker; ou do procuradores e do jornalista.
Ou então, pretendendo comparar as críticas de Glenn contra os vazamentos da Lava Jato com os vazamentos da Vaza Jato, demonstrando uma ignorância completa em relação aos poderes, prerrogativas e responsabilidades de juízes e procuradores, em relação aos jornalistas.
Foram muitas perguntas descabidas.
Uma delas, é o estranhamento da razão de denúncia tão forte – como a de que Deltan Dallagnol negociou apoio a uma ONG com empresas envolvidas na Lava Jato – ter saído agora e não antes. Porque Cabral descobriu o Brasil no dia 21 de abril, e não um mês antes? Como se a ordem dos fatores mudasse o resultado. Ou a indagação se ele estaria sugerindo substituir repórteres por hackers. A tudo Glenn respondia pacientemente, recorrendo aos fundamentos do jornalismo.
Uma das peças mais utilizadas pelos entrevistadores foi o manual das semelhanças indevidas.
Pergunta de uma jornalista: qual a diferença entre sua alegação (denunciando asfakenews contra seu marido) e a de Deltan, de que os vazamentos da Vaza Jato visam comprometer a Lava Jato? A diferença é de uma obviedade ululante: Glenn assegura que as supostas denúncias sobre rachadinhas são falsas; e as informações da Vaza Jato verdadeiras.

A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo. Mostra que há uma ignorância ampla sobre fundamentos básicos de jornalismo, praticados em qualquer país civilizado. Lembra em muito os jornalistas do sistema nos tempos da ditadura.

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