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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Populismo que demoniza "minorias" vulenabilizadas é o problema central para os direitos humanos, afirma Human Rights Watch



  "No Brasil, ainda em campanha presidencial, o agora presidente Jair Bolsonaro afirmou que não daria “um centavo” para organizações não governamentais (ONGs) e caracterizou ambientalistas como “xiitas”. No primeiro dia de governo, nomeou Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente e o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz para o Ministério da Secretaria de Governo. Juntos, os ministros prometem passar um pente fino no orçamento destinado às ONGs."



Populismo é o problema central para os direitos humanos, afirma Human Rights Watch

Imagem: Caroline Oliveira
O primeiro passo de governos populistas é “demonizar” as minorias vulnerabilizadas
Por Caroline Oliveira
Foi lançado nesta quinta-feira, 17 de janeiro, o Relatório Mundial de Direitos Humanos da Human Rights Watch (HRW). Segundo José Miguel Vivanco, Diretor para as Américas da HRW, o problema central atualmente para o exercício dos direitos humanos é a ascensão de governos populistas de esquerda e direita ao redor do mundo.
Na Itália, o movimento Liga do Norte, anti-imigrantes. Na Grécia, o partido Aurora Dourada (AD), que nega ser neonazista, mas defende a “raça branca”. Na Eslováquia, o partido neonazista Nossa Eslováquia conseguiu 14 assentos no Parlamento, de um total de 150. Viktor Orbán na Hungria. Recep Erdoğan na Turquia. Donald Trump, um “déspota”, como afirmou Vivanco, nos Estados Unidos. Marine Le Pen na França. Alexander Gauland, do partido ultranacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD). Na Venezuela, Nicolás Maduro. Na Nicarágua, Daniel Ortega. Nas Filipinas, Rodrigo Duterte.
No Brasil, ainda em campanha presidencial, o agora presidente Jair Bolsonaro afirmou que não daria “um centavo” para organizações não governamentais (ONGs) e caracterizou ambientalistas como “xiitas”. No primeiro dia de governo, nomeou Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente e o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz para o Ministério da Secretaria de Governo. Juntos, os ministros prometem passar um pente fino no orçamento destinado às ONGs.
Na segunda semana de governo Bolsonaro, Salles ameaçou suspender por 90 dias a assinatura dos contratos com ONGs presumindo sumariamente todas as organizações como criminosas. Na primeira semana, Santos Cruz ganhou, por meio de uma medida provisória, uma nova atribuição em sua pasta: a de “coordenação”, “monitoramento” e “supervisão” de atividades de organismos internacionais e de ONGs. Ao ser questionado se a HRW está no rol desse novo controle por José Miguel Vivanco, Santos Cruz afirmou que reconhece o trabalho realizado pela organização no Congo.
Segundo Kenneth Roth, Diretor Executivo da HRW, “diferentemente de tradicionais ditadores, os supostos autocratas nos dias de hoje tipicamente emergem de ambientes democráticos. A maioria persegue uma estratégia de duas etapas para minar a democracia”. De acordo com Roth, o primeiro passo é “demonizar” as minorias vulnerabilizadas. Em um encontro na Paraíba, em fevereiro de 2017, Bolsonaro afirmou que “não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”.
Depois, os populistas passam a enfraquecer “os pesos e contrapesos do poder público necessários para preservar os direitos humanos e o Estado de Direito, como um judiciário independente e uma imprensa livre”. O presidente brasileiro já deu claras demonstrações de embate com veículos e profissionais de imprensa, copiando a estratégia de Donald Trump.
De acordo com Roth, Bolsonaro é um homem que “encoraja abertamente o uso de força letal por policiais e membros das forças armadas em um país já devastado por uma alta taxa de homicídios”. Segundo o relatório, o País atingiu um novo recorde na taxa: cerca de 64 mil homicídios em 2017. Para César Muñoz, pesquisador da HRW, o decreto presidencial, sobre a facilitação do acesso à posse de armas de fogo, vai na contramão de pesquisas empíricas que mostram o aumento da taxa de violência em países que seguiram a mesma medida tomada por Bolsonaro.
Dados do Atlas da Violência 2018, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostram que 367 policiais foram mortos em 2017, ao passo que 5.144 civis foram mortos pelos mesmo no período, 20% a mais do que em 2016. Segundo Muñoz, aumentar o número de posse de armas é um perigo para todos, “porque quando um policial entra em uma casa, não sabe se ali também tem uma arma”.

Condições carcerárias, tortura e maus tratos a detentos

O governo federal estimava que até o final de 2018, haveria 842 mil pessoas em situação de cárcere. O último dado coletado é de 2016, 726 mil presos. Segundo a HRW, a superlotação e a escassez de funcionários no sistema carcerário tornam “impossível que as autoridades prisionais mantenham o controle de muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência e ao recrutamento por facções”.
No Ceará, o secretário de Administração Penitenciária do estado Luís Mauro Albuquerque afirmou que aplicaria com mais rigor a entrada de celulares nos presídios e acabaria com a divisão de detentos em penitenciárias distintas de acordo com as facções às quais pertencem. As principais organizações criminosas que dominam o sistema penitenciário do estado, a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), a fluminense Comando Vermelho (CV), a cearense Guardiões do Estado (GDE) e a amazonense Família do Norte (FDN), reagiram com uma onda de violência por todo o estado. Do dia 2 ao 16 de janeiro, foram contabilizados 206 ataques criminosos em pelo menos 46 cidades.

Direito das mulheres e meninas

Segundo o relatório, no final de 2017, cerca de 1,2 milhão de casos de violência doméstica tramitavam nos tribunais brasileiros. A Lei Maria da Penha, que data de 2006 e é considerada uma das melhores legislações contra esse tipo de violência, ainda não foi implementada completamente. Dados do relatório mostram que 23 abrigos para mulheres e crianças com necessidade de proteção urgente foram fechados em 2017 pelo governo para limitar gastos. “Apenas 74 abrigos permanecem abertos em um país com mais de 200 milhões de habitantes. Para José Miguel Vivanco, isso mostra que combater a violência contra a mulher não é uma prioridade”.
O novo decreto que versa sobre a posse de armas de fogo pode agravar a situação. Segundo dados do Atlas da Violência 2018, metade dos assassinatos de mulheres causados em 2016 se deu esse tipo de armas: cerca de 2.339.

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