Do site Justificando, o segundo artigo da série "A Guerra de Moro contra Lula"
Sábado, 13 de Janeiro de 2018
As frágeis autodefesas do Juiz Moro
Foto: Lula Marques/AGPT – Arte: André Zanardo/Justificando
O Juiz Moro, na formulação do juízo de culpa contra Lula, sentiu-se compelido a negar atitudes pessoais reprováveis na condução do processo criminal, que configurariam guerra jurídica contra o acusado, como a violenta condução coercitiva de Lula, ou o criminoso levantamento de sigilo da interceptação telefônica não autorizada do diálogo entre Lula e a Presidenta Dilma, ou o abusivo monitoramento das estratégias de defesa dos advogados de Lula – entre outras violações do processo legal devido. A negativa do Juiz Moro, mais do que desculpa encobridora de inconsciente sentimento de culpa pela parcialidade na produção/interpretação da prova, parece possuir o significado analítico da negação em Psicanálise, como indisfarçável afirmação da atitude inconsciente negada. Como diz Freud, “o reconhecimento do inconsciente por parte do Eu se exprime em uma fórmula negativa” (tradução livre).
1.1. A condução coercitiva de Lula.
1) Sobre a condução coercitiva de Lula, a sentença se limita a dizer que “a decisão está amplamente fundamentada” (68), mas não demonstra a fundamentação referida – ou seja, é preciso acreditar na palavra do Juiz Moro, porque o Juiz Moro não mostra como sua palavra pode ou deve merecer crédito. Antes de tudo, a sentença deveria explicar como pode ser amplamente fundamentada uma decisão de condução coercitiva sem prévia intimação do conduzido e, assim, sem prévia recusa de comparecimento do investigado, que configura lesão do art. 260 do Código de Processo Penal; em outras palavras, a decisão do Juiz Moro pode ser tudo, menos uma decisão amplamente fundamentada, como informa a sentença. Talvez por isso, o Juiz Moro se apressa em dizer que, por causa do respeito ao sigilo não pôde invocar razões adicionais (a) sobre falas de Lula com associados para turbar a diligência, com risco para policiais e terceiros (69), ou (b) sobre fala de Lula dando ciência da diligência ao Presidente do PT, ou cogitando convocar deputados para colocar em risco a diligência etc. (70), mencionando (c) informações da autoridade policial sobre movimentação de grupos sindicais e agremiações partidárias para frustrar a diligência, colocando em risco a integridade física de policiais e do investigado (71) – ou seja, a sentença do Juiz Moro contém o disparate de que a violência sobre Lula foi praticada para proteger a integridade física de Lula. Acredite quem quiser, mas um Juiz que não vacilaria, como de fato não vacilou, em violar o sigilo de interceptação telefônica ilegal de Lula com a Presidente Dilma para preservar a questionável competência jurisdicional sobre Lula, não merece crédito ao alegar escrúpulos sobre sigilo das interceptações telefônicas para fundamentar decisão judicial – que constituiriam, a acreditar no Juiz Moro, práticas de obstrução da justiça que fariam a alegria da PF, do MPF e do próprio Juiz Moro.
2) Mas a posição do Juiz Moro é ainda mais indefensável: a norma que autoriza condução coercitiva do acusado, na hipótese de desatender intimação para interrogatório (art. 260, CPP) deve ser interpretada conforme o art. 5o, LXIII da Constituição, que institui o princípio nemo tenetur se detegere (ou proteção contra autoincriminação), segundo o qual a conveniência de comparecer para interrogatório deve ser avaliada pelo acusado e seu defensor, exclusivamente.
3) Além disso, as explicações do Juiz Moro parecem debochar da inteligência alheia, quando diz não desconhecer as controvérsias (?) sobre a condução coercitiva sem intimação prévia (72), mas insiste que era necessária para evitar (a) risco para os policiais da condução ou da busca e apreensão, (b) tumulto no aeroporto de Congonhas ou (c) convocação da militância e de políticos para pressão sobre policiais (n. 73). Segundo essas explicações o Juiz Moro ignora que a atividade policial, por natureza, é atividade de risco, que o tumulto no aeroporto de Congonhas foi provocado precisamente pela condução coercitivailegal e que qualquer pressão de militantes ou políticos sobre policiais federais seria uma hipótese impossível.
4) Com base nessas sandices o Juiz Moro justifica a medida (76), alegando que conduzir alguém por algumas horas para interrogatório com a presença de advogado, com respeito à integridade física e direito ao silêncio não é o mesmo que prisão cautelar nem significa guerra jurídica (77), desconhecendo (a) que conduzir alguém, ainda que por algumas horas, ou mesmo minutos, constitui lesão à liberdade de locomoção, garantida pela Constituição (art. 5o, inciso XV) – e, portanto, é uma forma de prisão ilegal, (b) que o pretenso respeito à integridade física não exclui a lesão à integridade psíquica representada pelo medo, susto ou perturbação emocional resultantes da violência oficial, de consequências geralmente piores, e (c) que a presença de advogado não exclui nem legitima ações ilegais da autoridade judicial ou policial.
5) O interrogatório policial de Lula, realizado mediante condução coercitivalesiva de normas constitucionais e legais, constitui prova obtida por meios ilícitos, inadmissíveis no processo penal, na forma do art. 5o, LIV, da Constituição, devendo ser anuladas e desentranhadas do processo, como determina o art. 157, do Código de Processo Penal.
Juarez Cirino dos Santos é Advogado criminalista, Professor Titular de Direito Penal da UFPR, Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC e autor de vários livros.
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