A República do Brasil tem 124 anos. O fim formal da última ditadura se deu em 1985. Esses 28 anos são o período de maior estabilidade democrática desde a proclamação da República.
Convidados por Dilma, os presidentes vivos do pós- ditadura voaram juntos para o enterro de Mandela. Gesto raro e simbólico a viagem conjunta de Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma.
Um gesto inspirado na história do próprio Mandela. História essa que deve resistir às tentativas de apropriação indébita e falseamento. Nos últimos dias, por aqui e mundo afora, um espetáculo de cinismo e hipocrisia.
Só para lembrar: sim, Mandela foi o homem, incomum, que resistiu ao ódio e ao ressentimento depois de 27 anos preso. Sua resistência ao ódio como arma política tornou possível o que parecia impossível.
Quem conhece a África do Sul sabe que, de várias formas, ainda se mantém gigantesco fosso social e econômico. Mas a revolta final, o ódio acumulado contra o brutal regime de segregação racial só não explodiu porque existia um líder da dimensão de Mandela.
Sim, Mandela foi um pacifista nos primórdios da sua luta. Sim, a recusa posterior ao ódio racial e político foi o grande gesto. O gesto que fermentou a transição até aqui. Mas nem isso permite o falsear a história.
O "pacifista" Nelson Mandela foi também um dos co-fundadores do braço armado do Congresso Nacional Africano. Isso, no começo dos anos 60. Isso quando combatia a ditadura e era chamado de "terrorista".
Filme esse que já vivemos, patético discurso que ainda ouvimos. E que ainda ecoa entre os que vivem nas trevas. Por isso é raro, importante e simbólico, o voo conjunto de presidentes do Brasil pós-ditadura.
Existirão sempre as diferenças político-partidárias. E é inevitável e saudável a explicitação das diferenças num país com tantas diferenças. País que é a 7ª economia do mundo. E que, ao mesmo tempo, tem um dos piores índices de distribuição de renda do mundo.
O Brasil que gosta de se ver apenas como alegre e cordial é também o país dos 50 mil assassinatos por ano. Do 1 milhão de homicídios em 3 décadas. Dos mais de 40 mil mortos no trânsito a cada ano.
Quando se falar em Mandela, no ódio na distante África, é bom perceber recortes do nosso cotidiano. Ao tratar da segregação racial, do ódio político na longínqua África, é útil não esquecer, não falsear a verdade histórica.
O Brasil teve, praticou a escravidão por 380 anos, 4/5 da nossa história. E o Brasil vive, na sociedade, nas arquibancadas, na política, um ódio que cresce. Ódio enraizado, mas, também, nos territórios da política, dos usos e costumes, um ódio induzido, fomentado.
Ódio expresso nos fatos e números da violência. Das violências. Por isso a importância significante desse voo simbólico para o enterro de Mandela.
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