"Einstein é extremamente enfático quando aponta que o capitalismo está intimamente ligado ao ápice da deterioração do indivíduo. Ele não distingue o que chamamos de “mal” daquilo que chamamos de “sociedade capitalista”. Nesse caso, ele reflete que no mundo atual o individualismo degenerado dos que detêm o capital/meios de produção não precisa da força para submeter a classe trabalhadora. Os instrumentos de dominação são muito mais sutis e usam a via legal. Leis propositalmente criadas para beneficiar o capitalista. (Como não lembrar as piruetas inventadas para justificar a aprovação da recente Lei Trabalhista no Brasil?)"
Do Jornal GGN:
Albert Einstein e Stephen Hawking: duas visões anticapitalistas
por Carlos Coimbra
Em maio de 1949, Albert Einstein escreveu um artigo intitulado “Why Socialism?” (“Por que o Socialismo?”), publicação de estreia da revista norte-americana Monthly Review. Ele começa o artigo perguntando: “É aconselhável que alguém que não tenha expertise em economia ou sociologia expresse suas visões sobre o assunto socialismo? Acredito, por inúmeras razões, que sim.”
Einstein – todos sabemos, físico, pai da teoria da relatividade, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1921 – também foi profundo estudioso da filosofia (principalmente a filosofia da ciência). Escreveu livros e artigos quais “Física e Realidade”, “A Filosofia de Ernst Mach” e também artigos sobre religião e política. Assim, por mais que não fosse um cientista político, sentia-se relativamente confortável para emitir uma opinião pessoal sobre esse assunto que tanto o fascinava: o socialismo.
Dessa forma, sua visão de mundo, especificamente de justiça social, está muito bem detalhada nesse “Por que o Socialismo?”, como veremos.
Antes de abordar propriamente o assunto, Einstein se diz convencido de que as sociedades oprimidas por poderes imperialistas têm suas opiniões moldadas por “sacerdotes”. Deixa em aberto se o que chama de “sacerdote” são os pregadores das antigas e novas religiões ou se simplesmente é o que chamaríamos hoje de “influenciadores de conteúdo”. De qualquer forma, no artigo está claro que a história dos povos conquistados é modulada pelos sacerdotes dos conquistadores, que impõem o seu catecismo e sua visão política aos colonizados. No processo, um sistema de valores é criado para guiar socialmente, mesmo que inconscientemente, a vida dos povos submetidos. Esses sacerdotes serão também aqueles que intermediarão a divisão de castas e a divisão de terras do país conquistado.
Aqui Einstein evoca a ideia de “fase predatória” da humanidade, conceito propagado pelo filósofo e economista norte-americano Thorstein Veblen.
Para Einstein, o socialismo é o instrumento legítimo que desestrutura tal fase predatória e distancia a humanidade da barbárie. O cerne sócio-ético-humanista presente no socialismo é para ele o elo capaz de desconstruir o edifício da predação ancestral escravizante.
O que isso significa? E como surge tal fase predatória a partir do comportamento humano?
A ilustração proposta por Einstein é a de que o ser humano tem comportamento dual. Possui em si tanto características individualistas, quanto características socializantes. O lado individualista é aquele da autopreservação, que busca a satisfação dos desejos pessoais e do desenvolvimento de habilidades pessoais. O lado socializante é o que interage, é o que quer o reconhecimento e afeição de outros seres humanos, aquele que compartilha dor e alegria, aquele que busca confortar e desenvolver as condições de vida de outras pessoas. A combinação de todos os aspectos desses dois comportamentos é o que torna, na visão de Einstein, o ser humano em ser complexo e multidimensional.
No entanto, para Einstein, naturalmente o social se imporá (ou deveria se impor) sobre o indivíduo, no sentido em que o social é quem provê o indivíduo de alimento, vestimenta, abrigo, trabalho, linguagem, formas de pensamento. Em especial a força laboral de milhões é o que dá sentido à própria construção do que é o indivíduo: a relação do indivíduo com a sociedade, por meio de diversos tipos de interações, principalmente via comunicação oral ou escrita ou expressões da memória, resultam nos grandes produtos do progresso humano tais quais a literatura, as artes, a ciência e a tecnologia, as instituições, as organizações e suas leis, a cultura de forma geral.
Nesse sentido, ele entende que as grandes crises do mundo têm relação com o conflito entre individualização e socialização. A força da individualização muitas vezes é imposta de maneira artificial. Esse distanciamento do social remete à deterioração dos indivíduos. Para ele, o sentido da vida é a devoção do indivíduo à sociedade. O contrário disso causa o que ele chama de “predação”.
Einstein é extremamente enfático quando aponta que o capitalismo está intimamente ligado ao ápice da deterioração do indivíduo. Ele não distingue o que chamamos de “mal” daquilo que chamamos de “sociedade capitalista”. Nesse caso, ele reflete que no mundo atual o individualismo degenerado dos que detêm o capital/meios de produção não precisa da força para submeter a classe trabalhadora. Os instrumentos de dominação são muito mais sutis e usam a via legal. Leis propositalmente criadas para beneficiar o capitalista. (Como não lembrar as piruetas inventadas para justificar a aprovação da recente Lei Trabalhista no Brasil?)
Nesse contexto, Einstein finalmente evoca as “regras” da mais-valia e a atualidade dos conceitos marxistas sobre a relação capital/trabalho: o trabalhador receberá valores subfaturados, para que o capitalista tenha o seu “merecido” lucro que vale muito mais que o produto. O capital logicamente se concentrará na mão de um pequeno clube que de muitas formas intercederá para que o cenário político e os governos sempre trabalhem a seu favor. Palavras de Einstein.
Assim, nessa visão, mesmo a própria educação básica acabará submetida à vontade do pequeno clube. As crianças não deverão pensar por si próprias e deverão se preparar para um mundo tecnicista ou para a competitividade capitalista. Isso lembra ou não lembra a filosofia do “Escola sem Partido”?
Segundo Einstein, há um e somente um antídoto para eliminar tais relações egotísticas: uma economia socialista acompanhada de um sistema educacional voltado para a valorização de objetivos legitimamente sociais. Ou seja, além da promoção das habilidades individuais, o sistema educacional deve sobretudo ser capaz de desenvolver o senso de responsabilidade social acima de qualquer conceito de glorificação do sucesso individual.
Outro cientista de renome que expressou visões semelhantes nos últimos anos foi o físico teórico Stephen Hawking. As opiniões do próprio Hawking (ou os escritos daqueles que falam sobre o seu pensamento) deixam claro que a visão de mundo deste cientista é extremamente crítica em relação ao capitalismo. Muitas vezes ele chegou a enfatizar a importância de um economia socialista como a melhor forma de organizar o nosso mundo já “acostumado” às constantes crises do capital.
Em julho de 2015, Hawking participou da chamada sessão “Pergunte-me qualquer coisa”, como convidado especial dos curadores da rede social Reddit.
Quando perguntado sobre o que ele achava de uma sociedade onde os produtos fossem fabricados cada vez mais por máquinas e se isso ocasionaria uma diminuição da força de trabalho humana e quais as consequências disso, Hawking respondeu: “Todos podem desfrutar de uma vida de pujante lazer caso a riqueza produzida pelas máquinas seja compartilhada. Ou então, a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobre caso os proprietários das máquinas promovam um lobby contra a distribuição de riquezas. Até agora, a tendência parece ser para a segunda opção, em que os avanços da tecnologia conduzirão a uma sociedade cada vez mais desigual.”
Tanto Einstein quanto Hawking foram capazes de produzir tanto orgulho quanto embaraço aos governos de seus países devido a suas fortes opiniões.
Por exemplo, Einstein (que era alemão naturalizado norte-americano) passou os seus últimos anos de vida nos Estados Unidos como professor da Universidade de Princeton. Sua opinião era muito respeitada, principalmente durante a Segunda Guerra, mas suas visões políticas causaram alguns incômodos. Consta que no início dos anos 1950, J. Edgar Hoover, o polêmico e longevo diretor do FBI, defendia fortemente a ideia de deportar Einstein dos Estados Unidos. Nunca é demais lembrar que pelos idos de 1958-1959 (Einstein já havia falecido), J. Edgar foi uma das principais peças do Macarthismo.
Já Hawking, que é britânico e mora na cidade de Cambridge, no Reino Unido, causou grande embaraço a Sua Majestade, a Rainha, quando esta quis premiá-lo com o título de Sir e ouviu como resposta um sonoro “não” e uma sonora crítica às políticas internas e externas daquele país. Críticas feitas principalmente às políticas de investimento em empreendimentos bélicos e à rendição ao lobby das corporações de armamentos. Hawking reivindicou maiores investimentos em educação, ciência e tecnologia e ameaçou abandonar o país em favor do Canadá. À época, o autor que vos escreve morava em Cambridge e trabalhava no Cavendish Lab. Teve a enorme honra de presenciar ao vivo esses fatos. Foi emocionante!
O artigo completo de Einstein intitulado “Why Socialism?”, pode ser lido na página da Monthly Review Magazine (em inglês):
As respostas de Stephen Hawking no “Pergunte-me qualquer coisa” do Reddit estão aqui (em inglês):
Carlos H. Coimbra (twitter: @carloscoimbra9) é professor da Universidade Federal do Paraná e cientista da área da astrofísica e cosmologia. Gosta também de dar pitacos em áreas como meio ambiente, aproveitamento de energia e cultura em geral.
Os retratos de Einstein e Hawking que figuram no texto foram retirados do Wikimedia Commons.
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