"Um dos deputados mais votados do país, Jair Bolsonaro, ao votar a favor do impedimento da presidenta do Partido dos Trabalhadores, evocou o torturador do período militar, Brilhante Ustra, e ainda complementou “o terror de Dilma”. No entanto, embora tenha votado contra o relatório apresentado pelo PSDB nessa última quarta-feira, seu discurso foi mais brando: “O Brasil precisa de um presidente honesto, cristão e patriota”. Qual é a diferença das duas situações de enunciação?
Na primeira, cria-se um ethos que tem como objetivo destacar a imagem radical do orador para com o combate à esquerda. Não se trata de corrupção, até porque sabemos que as pedaladas fiscais estão mais próximas de um crime administrativo que de corrupção. O objetivo é o extermínio da esquerda e não da corrupção."
Para acabar com a esquerda e continuar a corrupção
por Raphael Silva Fagundes
Se a presença ou a ausência de algo não modifica de modo sensível o todo, é porque não é parte do todo.
Aristóteles
GGN. - É possível que a permanência de Michel Temer na presidência tem que ver com o fato de que as reformas não perderam o fôlego, como muitos pensaram após as denúncias feitas ao presidente. A vitória do governo com a aprovação das reformas trabalhistas demonstra que Temer é sim capaz de conduzir a política desejada pelo setor empresarial que apoiou a queda da presidenta eleita Dilma Rousseff.
No entanto, para além do espetáculo apresentado nessa quarta-feira na votação que decidiria o destino das investigações sobre Temer, é importante entendermos o ethos, isto é, a imagem que os deputados criam de si, o “caráter moral do orador”, como diz Aristóteles, ao anunciarem os seus votos. Compará-los com a votação do processo de impeachment da presidenta seria fundamental.
Um dos deputados mais votados do país, Jair Bolsonaro, ao votar a favor do impedimento da presidenta do Partido dos Trabalhadores, evocou o torturador do período militar, Brilhante Ustra, e ainda complementou “o terror de Dilma”. No entanto, embora tenha votado contra o relatório apresentado pelo PSDB nessa última quarta-feira, seu discurso foi mais brando: “O Brasil precisa de um presidente honesto, cristão e patriota”. Qual é a diferença das duas situações de enunciação?
Na primeira, cria-se um ethos que tem como objetivo destacar a imagem radical do orador para com o combate à esquerda. Não se trata de corrupção, até porque sabemos que as pedaladas fiscais estão mais próximas de um crime administrativo que de corrupção. O objetivo é o extermínio da esquerda e não da corrupção.
Já na fala contra o presidente Temer, novas questões se manifestam. Se Bolsonaro acusou Temer de desonesto, por que aceitou uma grande parcela de dinheiro do mesmo? Um homem honesto recebe dinheiro de um outro desonesto? Outra questão é: como um homem que se diz patriota vota a favor da venda do pré-sal para empresas internacionais? Ou seja, o deputado federal estava mais preocupado em mencionar o seu possível slogan para 2018 que lutar contra a corrupção. Inclusive, a imagem de um homem cristão é trivial para fortalecer a idéia do “messias” salvador do Brasil. É pura vaidade, e “a vaidade é um princípio de corrupção”, disse Bentinho, personagem emblemático de Machado de Assis.
Onde está o discurso radical contrário aos corruptos? Por que não evocar Janot e dizer “o terror de Temer”? Simplesmente pelo fato de que a luta empreendida pelos parlamentares não é contra a corrupção, mas contra a esquerda.
O deputado Tiririca, também um dos mais votados, criou um ethos mais convincente ao dizer “não”. Disse ser um homem que veio do povo e, por isso, está com o povo. Constrói, desta maneira, uma imagem muito mais atraente aos seus eleitores que o político carioca supracitado. Na votação para o impeachment, o deputado Tiririca disse apenas: “Pelo o meu país, o meu voto é sim”, e comemorou com os outros deputados. Naquela situação não tinha nenhum ethos para criar, reproduziu apenas um vocábulo batido. Pareceu até mesmo uma decisão de última hora.
Outros deputados construíram uma imagem de apaziguadores, preocupados com a estabilidade do país. Um discurso parecido foi pronunciado em 2016. Alguns diziam que queriam a saída da presidenta para trazer paz ao país. Desta vez disseram que é necessário manter Temer pelo mesmo motivo. Esse seria um ethos esquizofrênico, pois o país está mais dividido que no período do PT. E, literalmente, ele está em chamas, como aconteceu no episódio do ministério da cultura incendiado após serem reveladas as conversas do presidente com o empresário Joesley Batista.
Mas, mesmo assim, preferem manter o Temer no poder. Por quê? Porque o objetivo não é acabar com a corrupção e sim tirar a esquerda do poder e demonizá-la, inclusive, é uma coisa que Bolsonaro e seus séquitos sabem fazer muito bem. A rede Globo, por sua vez, se manifesta contrária ao presidente Michel Temer, mas defende claramente o projeto “Ponte para o futuro” e as reformas encabeçadas pelos líderes do golpe. Para ela, a saída de Temer seria melhor apenas para limpar a sua própria imagem, pois é estranho defender a política econômica e social empreendida por um corrupto. A grande corporação de comunicação defende o projeto, independente do personagem que o esteja conduzindo.
O fato é que nunca se lutou contra a corrupção, mas em prol de um projeto de poder que pretende salvar as fortunas de empresários e enfraquecer as classes trabalhadoras, os movimentos sociais e as esquerdas de um modo geral, denegrindo a imagem de seus militantes para que, no futuro, nenhum ethos seja capaz de encontrar provas úteis nos interesses de uma transformação social embasada nos interesses populares.
Raphael Silva Fagundes Doutorando em História Política da UERJ e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
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