Fato 1 – a lambança de Sérgio Machado
A política sempre comportou uma enorme dose de hipocrisia, com discursos reiterados prometendo o bem comum e, por trás, os acordos espúrios, os financiamentos de campanha, o enriquecimento pessoal.
Vários políticos corruptos ou meramente suspeitos foram tolerados em nome da hipocrisia e do pragmatismo.
Hipocrisia é o ato de disfarçar o que se sabe, escondendo-se no álibi de uma falsa ignorância. Quando a corrupção política é escancarada, exibida publicamente em todos os veículos de mídia e das redes sociais, ignorar, que há de?
É o que ocorre com a delação de Sérgio Machado e filhos, um documento arrasador sobre o centro do poder, começando pelo interino Michel Temer.
Nenhuma pessoa minimamente informada tinha dúvidas acerca do passado e do presente de Temer. No depoimento de Machado, ele aparece na Base Aérea de Brasília negociando R$ 1,5 milhão em favor da campanha de Gabriel Chalita para a prefeitura de São Paulo.
Esse ato de desprendimento é apenas a gazua abrindo a porta principal: dificilmente a renda de Temer conseguiria justificar o patrimônio acumulado em um período em que foi exclusivamente político. As ligações com o grupo Libra, com coronéis da reserva da Polícia Militar, já são de domínio público.
Escancarada sua biografia, é possível esconder o cadáver na sala de visita e fingir que ninguém morreu?
Difícil. Temer chefia um grupo onde despontam figuras notórias, como Gedel Viera Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco. Abaixo deles, um Ministério com a maior capivara da história da República.
É um grupo sequioso de poder, avançando sobre todos os espaços públicos com uma gana de quem quer viver intensamente o presente, sabendo que o futuro é incerto.
Pergunto: dá para ignorar? É evidente que não.
Cada vez mais o Supremo será chamado a assumir um papel a que vem se recusando sistematicamente: o de anteparo à voracidade do governo interino que, sem a legitimidade do cargo e, agora, com as chagas expostas, pretende desmontes irreversíveis nas políticas públicas.
Afinal, no altar da política, são homens santos, que vivem com um terço no bolso.
Fato 2 – os avanços de uma Justiça errática
A espantosa falta de visão macro política dos principais agentes da Lava Jato — do Procurador Geral Rodrigo Janot ao Ministro do Supremo Teori Zavaski — logrou o feito de entregar o país a um bando. Esse bando aboletou-se no Executivo, controla a Câmara e tem ascendência sobre o Senado.
Agora, finalmente investe-se sobre o bando de forma desconjuntada, sem respeitar sequer a coerência. Janot demonstra uma indignação extemporânea contra o vazamento do pedido de prisão de senadores, após quase dois anos de uma enxurrada de vazamentos, período no qual não houve sequer um gesto de condenação de sua parte.
Teori aplica dois pesos e duas medidas em suas decisões similares. Qual a razão para ter autorizado a prisão do ex-senador Delcídio do Amaral e ter recusado o pedido de prisão de Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney?
Nem estou entrando no mérito da questão, se deviam ou não ser presos, se podiam ou não. Mas são duas situações idênticas que receberam tratamento distinto.
A lógica diria que foi devido às consequências muito mais drásticas, com a eventual prisão do presidente do Senado, de um Ministro de Estado e de um ex-presidente. Mas um Ministro do Supremo tem a liberdade de definir a conveniência ou não das medidas tomadas? E se tem, qual a razão para ter permitido o avanço do impeachment, demorando em se definir sobre Eduardo Cunha, deixando o país ficasse refém de uma horda bárbara?
Nas delações de Machado aparece pela enésima vez a Bauruense, a prestadora de serviços e grande lavanderia que abastecia as contas de Aécio com as propinas da Transpetro e de Furnas. Sabia-se desse envolvimento desde as delações pioneiras de Alberto Yousseff. E, no entanto, deixou-se Aécio livre e solto para ser um dos protagonistas do impeachment da presidente.
Daqui para a frente haverá uma torcida cada vez maior para que Janot e Teori levem a cabo a rodada final desses doze trabalhos de Hércules. Mas que não os submetam a nenhum teste de coerência, porque imediatamente acenderia uma luz vermelha.
Fato 3 – o avanço das eleições gerais
Aí se entra nos impasses políticos do momento.
Cada vez mais crescerá a proposta de antecipação de eleições gerais — para presidente, Câmara e Senado — da mesma maneira que crescerão as pressões da Lava Jato sobre o mundo político.
Não há a menor possibilidade de antecipar apenas as eleições para Presidente, com a Câmara tomada pelas hordas bárbaras. Seria manter qualquer presidente eleito refém do submundo da política.
O ideal seria uma reforma política seguida de eleições gerais.
Mas quem colocará o guizo no gato? O que convencerá deputados e senadores da urgência de aprovar uma reforma política e, em seguida, encaminhar a proposta de eleições antecipadas?
Por outro lado, tende a crescer a possibilidade de uma derrubada do impeachment. Aos poucos mercado, mídia e Judiciário caíram na real de que tentativa de dar sobrevida política ao interino é uma temeridade.
Como se viu ontem na Câmara, ele não tem autoridade para impor reformas drásticas, não tem pulso para frear as demandas corporativas, e tem ficha suja.
Alguém acha possível a Henrique Meirelles e companhia avançar em qualquer medida drástica, tendo como anteparo um esquema barra pesada, como o que sustenta Temer?
Os próximos meses serão de embates duros, com todos os atores posicionados: PGR e Teori avançando sobre os réus; o movimento crescente de apoio às eleições gerais; a mídia tendo de se curvar à realidade e às pressões de seus leitores. E, no Congresso, parlamentares tentando se agarrar com unhas e dentes às suas prerrogativas de parlamentares.
A campanha pelas eleições gerais poderá ser tão ampla quanto a das diretas nos anos 80. Principalmente se a Lava Jato de Curitiba lograr o objetivo que persegue desde que iniciou: a inabilitação política de Lula.
Luís Nassif
No GGN
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