Cunha é fruto de um sistema político podre, engendrado pela mentalidade nacional cínica.
COLUNA
Eduardo Cunha: o criador de monstros
Cunha é fruto de um sistema político podre, engendrado pela mentalidade nacional cínica
O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vive uma situação bastante inusitada – e estranhamente confortável. Embora existam evidências concretas de que mantém contas secretas na Suíça, alimentadas por propinas amealhadas no esquema de corrupção da Petrobras, a ninguém interessa seu impedimento – nem ao governo, que passando por cima de questões éticas e morais, negocia de forma escandalosa a sobrevivência da presidente Dilma Rousseff, nem à oposição, que da mesma maneira, mas por razões contrárias, imagina-o um aliado contra o PT. A este ponto chegamos no Brasil: não há mais amigos, parentes, companheiros, seguidores, correligionários, apenas cúmplices.
O mais assustador é constatar que Eduardo Cunha é fruto de um sistema político podre, engendrado pela mentalidade nacional cínica, predatória e egoísta, da qual compartilhamos todos, por ignorância, omissão ou interesse. Hipocritamente conservador, Cunha, falando em nome de Deus, ergue bandeiras contra direitos elementares dos homossexuais e das mulheres e a favor dos fabricantes de armas. Discurso que repetem mesmo aqueles que torcem o nariz para o deputado, pois a maior parte da população refuta o aborto, odeia os gays e acredita que a solução para a violência urbana é cada um possuir seu próprio equipamento de defesa pessoal. Portanto, Cunha representa a opinião média do brasileiro e não só, como apontam alguns, mergulhados no preconceito, a visão de gente pobre e evangélica, responsável nas últimas eleições pela maioria dos 230.000 votos obtidos por ele em um dos estados mais progressistas da nação, o Rio de Janeiro.
Vale a pena repassar a carreira política de Eduardo Cunha, pois trata-se de uma trajetória emblemática. Economista, o jovem executivo tornou-se, em 1989, tesoureiro estadual da campanha de Fernando Collor à Presidência da República, a convite de Paulo César Farias, de triste memória. Como recompensa pelo seu desempenho, ganhou a presidência da Telerj, estatal de telecomunicações, onde teve seu nome envolvido em um escândalo durante o processo de implementação da telefonia celular no estado. No exercício do cargo, prestou um favor a Francisco Silva, dono da rádio Melodia, líder de audiência entre os evangélicos, arrumando-lhe uma linha telefônica, coisa raríssima na época.
Como uma mão lava a outra, em 1993, após ser exonerado pelo presidente Itamar Franco, Cunha tornou-se protegido de Francisco Silva. Empresário que fez fortuna produzindo um remédio popularíssimo chamado Atalaia Jurubeba, que promete combater os males do fígado, Silva, por sua vez, era aliado de Anthony Garotinho. Em 1998, Cunha lançou sua candidatura a deputado estadual, sem sucesso. Garotinho, no entanto, ganhou as eleições para o governo do estado e nomeou Silva seu secretário de Habitação – e este, por sua vez, colocou o pupilo como seu auxiliar direto.
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Com a extinção da secretaria e sua transformação em Companhia Estadual de Habitação, Cunha assumiu a presidência da empresa em 1999, tendo sido afastado seis meses depois, por denúncias de irregularidades em contratos sem licitação. Ainda apoiado por Garotinho, em 2002 elegeu-se deputado federal, com mais de 100.000 votos. Reeleito desde então, com votações cada vez mais expressivas, no ano passado apresentou queixa-crime junto ao Supremo Tribunal Federal contra seu ex-aliado Anthony Garotinho que o chamou de “deputado-lobista”. Agora, além do processo criminal que corre na Suíça, por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha enfrenta denúncia no STF oferecida pela Procuradoria-Geral da República dentro das investigações da Operação Lava-Jato.
Duzentos anos atrás, os amigos Lord Byron e Percy Bysshe Shelley, acompanhados da mulher deste, Mary, foram veranear às margens do lago Léman, na Suíça. Entediados, propuseram-se a matar o tempo escrevendo uma história de terror – brincadeira logo esquecida pelos poetas, mas não por Mary que, com 19 anos, idealizou a narrativa de um jovem médico que resolve insuflar vida em um cadáver. Todos conhecemos a história de Victor Frankenstein e sua abominável criação. Rejeitado, o monstro comete alguns crimes contra pessoas amadas por seu criador, até dar-se conta de sua enorme maldade e sumir na imensidão gelada do Polo Norte.
Na ficção imaginada por Mary Shelley, o doutor Frankenstein se recusa a criar uma fêmea para o monstro, inviabilizando assim sua reprodução. No Brasil, o Estado, concebido para perpetuar a injustiça, a ignorância, a impunidade, se encarrega de ele mesmo criar os monstros e alimentá-los. Reportagem de Gil Alessi, publicada aqui no El Pais em 12 de outubro, revela que dos 11 deputados que formam a mesa diretora da Câmara dos Deputados, e que, portanto, encontram-se na linha direta de sucessão de Eduardo Cunha, oito respondem a processos ou já têm condenação na Justiça. Cabe lembrar, por último, que todos os políticos – sejam vereadores, prefeitos, governadores, deputados estaduais ou federais, senadores ou presidentes da República – são eleitos com nosso voto e representam, aceitemos ou não, o caráter do brasileiro.
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