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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O estranho caso da "Bruxa dos Bell": Poltergeist, Assombração, Embuste ou Ilusão coletiva?





Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães

  I-  Introdução

 Um caso ocorrido em uma região rural do Tenessee, nos Estados Unidos, entre 1817 (com eventos prévios anteriores datados de 1814) e 1828, ficou conhecido nos meios dedicados ao estudo dos fenômenos ditos "paranormais" - termo, infelizmente, muito desgastado e contaminado pela má-utilização - e, com a ajuda do cinema, muito popularizado (consequentemente, mal interpretado). 

  O caso em questão chama a atenção  pela quantidade de testemunhas, eventos estranhos  e pelas explicações as mais díspares, sejam entre os contemporâneo dos acontecimentos, seja (muito mais) entre os teóricos posteriores que interpretaram de várias formas os eventos a partir da documentação que nos chegou (algumas vezes, ultrapassando o que dizem os relatos e partindo para a pura especulação para adequar os fatos a teorias, especialmente de cunho psicanalítico).

  Trata-se co caso que foi denominado pelas pessoas que vivenciaram o fenômeno chamaram de "A 'Bruxa' dos Bell". O evento, que se tornou conhecido do grande público nos últimos anos devido a adaptações do caso para oMaldição" (An American Hauting, de 2006) e The Bell Witch Hauting, de 2013 -, é hoje citado em diferentes enfoques e aspectos ideológicos, desde a ala dos céticos que vêm no caso uma mistificação bem elaborada, passando por parapsicólogos ligados à psicanálise que querem ver no evento uma manifestação dramática de forças paranormais inconscientes desencadeadas por um abuso sexual de uma adolescente (versão adotada no filme Maldição), até chegar aos teóricos que vêem nos eventos a participação efetiva de uma entidade inteligente e independente das pessoas que foram vitimizadas pelas ações do "fantasma" que foi denominado, pelos contemporâneos, de "bruxa" a atormentar a família Bell.
cinema - sendo os mais recentes, "

 2 - Histórico

 A família Bell pertencia à comunidade agrícula da região de Adams, Tenessee e, em termos gerais, não se distinguia das demais famílias da região. Era formada pelo pai, John, muito respeitado na região, sua esposa, Lucy, três filhas, dos quais a caçula, Betsy (Elizabeth), parecia ser especialmente focada pela "Bruxa" e quatro filhos (um dos quais, Richard Williams Bell, escreveu sobre os eventos que vivenciou, em um manuscrito intintulado Nosso problema de família, que foi, em parte, publicado em 1846 e, depois integralmente publicado - junto a outros relatos de contemporâneos do caso - no livro An Authenticated History of the Bell Witch, de Martin van Buren Ingram, em 1892). Todos os membros da família iriam ser atingidos, embora de modos diferentes, pelos fenômenos anômalos que iriam se desobrar ao longo de de quase 11 anos (sendo que destes 11, cinco o foram de modo intensivo).

 Uma "prévia" do que iria ocorrer alguns anos depois surgiu em 1814 quando John Bell encontrou-se com um estranho animal que parecia ser uma mistura de um cão com um coelho. John atirou na "coisa", mas esta, ainda que tenha parecido ser atingida pelo tiro, simplesmente desapareceu. Bem depois disto, em 1817, Betsy Bell e seu irmão Drewry virão novamente o estranho "cão" que seu pai havia relatado três anos antes. Pouco depois, Betsy e três de seus irmãos também viram uma menina a balançar-se em uma árvore, segurando-se em um galho por sobre a mesma trilha onde antes haviam visto o animal. Quando a jovem Betsy, então com 12 anos,  tentou conversar com a menina, esta simplesmente desapareceu em fente a todos. Estas aparições parecem ter servido como prelúdio dos eventos que se seguiriam (o desenho acima, do século XIX, reproduz a aparição vista por Betsy e seus irmãos Drewry, Joel e Richard).

 Logo depois da visão da menina que "sumiu" (aparições são comuns em casos de assombrações e raros em eventos Poltergeist), começou a perturbação auditiva que pareceu atingir toda a casa da família e era ouvida por todos, fossem Bells ou mesmo visitantes: pancadas e batidas eram ouvidas nas paredes da casa, durante o dia, mas, de modo mais intenso, à noite. Haviam, além destes, os sons de ranger de portas e janelas e, por vezes, um rosnar surdo similar ao de cães a brigar. Não tardou muito e a este conjunto de sons somaram-se, depois, o ruído de mobília a se arrastar pelo assoalho. Tudo costumava parar quando se acendiam as luzes (no caso, por meio de velas e candeeiros). 

  Ao se buscar a fonte do arrastar de móveis, ficava-se (neste primeiro momento) surpreso por encontrem tudo, todas as cadeiras e mesas, em seu devido lugar (Poltergeists são conhecidos pela movimentação de objeto mas também, em alguns casos, pelo ruído de coisas se arrastando ou quebrando embora, em verdade, nada tenha sido arrastado ou quebrado). Buscou-se ver se a perturbação não estaria sendo provocado por algum galhofeiro fora da casa, mas, apesar das buscas e da vigília, nada foi encontrado, sequer vestígios de pegadas ou de pedras, madeira ou qualquer coisa que pudesse ser utilizada para causar as pancadas. Richard Williams relatou que as ocorrências pareceram seguir uma linha de intensificação, por mais de um ano, "crescendo até que a casa tremesse como em uma tormenta, os ruídos escutando-se a uma distância considerável" (Bell, 2001, p. 13).

 Ao já enervante conjunto de sons seguiram-se, algum tempo depois, as perturbações físicas reais: cobertas eram violentamente arrancadas ou puxadas da cama quando a família dormia ou tentava dormir e esta " brincadeira" era precedida de pancadas nas paredes do quarto ao mesmo tempo em que uma voz, de início, fraca, começou a se fazer ouvir "do nada", susurrando num tibre de voz feminino alguma coisa que, de inicio, eles não conseguiam entender. Algumas vezes, as tranças das meninas eram levantadas (não puxadas, mas meramente erguidas) e, outras vezes, um verdadeiro tapa era dado no rosto de algum membro da família se este, por exemplo, segurasse as cobertas no momento em que eram puxadas pela "mão invisível". 

  Nesta ocasião, apesar de todos na família serem atingidos, a "coisa" parecia se focar mais em Betsy e em seu irmão menor, Joel. Depois, a preferência da força pareceu mudar: continuava com especial atenção (por vezes violenta) em Betsy, mas logo passou a ser mais agressiva com o pai, John (sem esquecer de "brincar" com os demais membros da família). Ao mesmo tempo, Lucy, a mãe, parecia receber um certo carinho e cuidado da "coisa", como veremos mais adiante. Na verdade, Lucy nunca foi atacada violentamente pela "coisa" (exceto uma vez em que a coberta lhe foi arrancada), mas chegou a receber flores e bombons da estranha força invisível, além de que, quando a "coisa" passou a falar em voz direta, frases de carinho e afeto lhe eram dirigidas com frequencia.

 A relação da "coisa" com a pobre Betsy era, para dizer o mínimo, desnorteante: depois dos primeiros toques em suas tranças, a menina passou a ter os cabelos puxados com frequencia, algumas vezes sendo violentamente arranhada. Os demais membros eram empurrados, alguns levavavam algum bofetão (nunca em Lucy), mas a preferência parecia se ater em Betsy até que o coitado do pai, John, passou a ser perseguido pela obsessivamente pelo fenômeno. Aos poucos, além de Lucy, o "fantasma" também pareceu, de certa forma, se afeiçoar aos meninos da família, alguns muito novinhos (seja qual fosse a natureza da "coisa", ela demonstrava intencionalidade e afeto, além de inteligência e uma boa dose de malícia).

 Não tardou para que amigos e vizinhos fossem chamados para testemunhas os eventos e buscar uma causa, talvez um mal intencionado vizinho, para os estranhos eventos. O pastor, amigo e vizinho dos Bells, James Johnston, foi chamado para prestar ajuda. Ele e sua esposa aceitaram passar uma noite junto com os Bell na sua casa. Mal podia o reverendo esperar pela inesquecível - e apavorante - série de eventos do qual seria testemunha. Após ler a Bíblia e orar pela família Bell, o Rev. Johnston e sua esposa se recolheram a um quarto ao lado do de Betsy. Quase imediatamente, segundo relata Richard Williams Bell,

 "ruídos nunca ouvidos antes começaram, piores do que nunca, invadindo o quarto dos Johnstons: as cobertas foram retiradas violentamente da cama, ao mesmo tempo em que risos em tom de deboche se escutavam fortemente, causando pânico no casal. Todas as perguntas, ordens e demandas de explicação nesta noite ficaram sem respostas, exceto pelas ruidosas risadas" (Bell, op. cit. p. 14).
 Como se pode ver, a "coisa" não tinha lá muito respeito pela autoridade religiosa. Nesta mesma noite, a voz, que antes não passava de um sussurro ininteligível, tornou-se mais forte e firme, chegando a citar passagens das escrituras entre risadas e mesmo cantando trechos de hinos (logo depois desta noite, como veremos, a "bruxa" demonstrou ter um conhecimento enciclopédico da Bíblia e de teologia). Mas o reverendo não se acovardou e logo pediu a presença de  outros conhecidos, alguns funcionários e bem instruídos professores, para que, juntos, investigassem o que é que estava havendo na propriedade de John Bell. Sem encontrar uma pessoa ou pessoas que pudessem estar ligados aos eventos (mesmo os escravos da família foram vigiados e interrogados duramente), a suspeita acabou por recair em uma vizinha dos Bell, uma senhora chamada Kate Battes, com o qual John havia se desentendido. Corria na região a fofoca de que Kate Battes era dada a práticas de magia, aprendida com escravos. Então, diante do absurdo pavoroso que se abateu sobre eles, a vizinha passou a ser suspeita de bruxaria, que ninguém consegiu provar. 

  Seja como for, não é possível dizer se Kate Battes teve ou não real ou, ao menos, parte na eclosão dos fenômenos dos Bell (Guimarães & Tinoco, 2013), embora alguns casos de Poltergeist estudados - inclusive no Brasil - tenha achado alguma associação entre eventos de efeitos físicos recorrentes e práticas de magia (Andrade, 1989). Lembremos, contudo, que o caso dos Bells é de uma raridade e mescla características PSI (parapsicológicos) e PK (de efeitos físicos) de sui generis: apresenta ao mesmo tempo aspcetos de um Poltergeist ( efeitos físicos e associação com pessoas) e de Assombração (aparições, vozes inteligentes percebidas por diferentes sujeitos), ainda que tenha se manifestado por tempo demais para um padrão Poltergeist e curto demais para um padrão de Assombração (assombrações costumam durar por décadas ou séculos, de modo intermitente, e estão mais ligados a locais que a pessoas, sendo sua expressão característia a aparição de espectros ou audição de vozes).

 A casa dos Bell encheu-se de amigos, vizinhos, curiosos e policiais. Cada qual vendo uma parte do espetáculo e alguns insistindo em falar com "a coisa", tentando convece-la a ir embora. Dizemos isso, porque a voz da "bruxa" passou a se fazer ouv ir claramente mesmo à luz do dia e mesmo ao ar-livre, perfeitamente audível à metros de distância. Indiscreta, quando ela não gostava de alguém começava a divulgar situações constrangedoras da pessoa. Por ser uma voz de mulher aparentemente idosa, logo as pessoas começara a ser referir ao fenômeno como sendo a ação de alguma "bruxa". Mas nem sempre a voz era má. Algumas vezes, ela começava uma conversa animada, outras dava até conselhos a algumas pessoas. Por vezes, só fazia responder a quem lhe dirigia a palavra, mas se ela tinha raiva de alguém e fizesse alguma ameaça, a pessoa podia contar que iria, de fato, ter algum problema em breve. Um efeito social desta ação foi que a comunidade ao redor, de uma hora para outra, passou a se comportar como um modelo de virtude: todos tinham medo de terem seus podres expostos pela indicrição da "bruxa dos Bell". 

 Superando o que ordinariamente seria as limitações de um Poltergeist, a "bruxa", que realmente parecia ter sua base na casa ou no terreno dos Bell, logo se fez presente ou se fez sentir para além dos limites desta propriedade e - algo dificil em casos assim - para além dos membros da família Bell.  O caso mais célebre foi o do General Andrew Jackson (que seria, depois, presidente dos EUA), que, decidido a ir ver os acontecimentos em pessoa, foi, em 1819, recebido pela Bruxa a quilômetros de distância da casa de John Bell, que o saudou (por voz direta) enquanto este ainda estava na estrada, tendo alguns soldados escutado as palavras ditas pela entidade ao General. O caso se deu quando um cocheiro, que guiava uma carroça de mantimentos, começou a zombar da história dos Bell. Neste exato momento, as rodas da carroça travaram, embora o chão do terrono fosse bastante plano. O cocheiro, já receoso, ameaçou os cavalos, gritou, mas os coitados, por mais força que fizessem, não conseguiam mover as rodas. Enervado, o General Jackson resmungou que isso só podia ser coisa da tal "bruxa". Mal acabou de dizer estas palavras e um riso feminino e bem alto se fez ouvir, seguido das seguintes palavras: "Muito bem, General. Que o carro se mova. O verei de novo esta noite". E como sempre, a buxa cumrpiu a promessa.... E Jackson evitava falar do que presenciou, limitando-se a dizer que "escutei o suficiente para convencer-me de que prefiro brigar com todas as tropas inglesas do que lidar com esse toermento que chamam de Bruxa dos Bell" (Guimarães & Tinoco, 2013, p. 144).

 Muitos outros eventos estranhos ocorrem enquanto a Bruxa se manifestou e citá-los levaria a um relato muito grande. Sugerimos o leitor interessado a ver os filmes sobre o caso e ler nosso livro, Poltergeist (Guimarães & Tinoco, 2013). Contudo, convém relatar que o declínio dos eventos coincidiu com uma tragédia triste, mas previsível: a bruxa tomou ódio pelo pobre John Bell e não perdeu ocasiões diversas de o agredir e perturbar. John tinha a saúde comprometida. Certo dia, ele pressentiu que o fim se aproximava e disse, chorando, para seu filho Richard, após uma da injúrias da "bruxa" contra ele: "Oh, meu filho, meu filho.... Não terás durante muito tempo um pai de quem tratar tão pacientemente. Não tenho como sobreviver muito tempo às perseguições desta coisa terrível. Está a matar-me com torturas lentas, e sinto que o fim se aproxima".


Coincidência ou não, neste mesmo dia John  cai doente, pouco depois entraria em coma. Quando seu médico veio vê-lo, a voz sinistra da "bruxa" se fez ouvir claramente, dizendo: "É inútil tentares aliviar o velho Jack (John). Desta vez apanhei-o". De fato, John morreria pouco depois e nem no enterro do homem a "buxa" se aquietou, pois em meio ao funeral um sorriso sarcástico se fez ouvir em meio às ávores, em 1820.

 Pouco tempo depois, um dos filhos de John encontrou em meio aos frascos de remédio do pai um que era desconhecido. Ele se dirigiu à "bruxa" perguntando o que é que ele continha: a resposta foi que o frasco foi posto lá por "ela", com uma mistura que acabaria por matar John.... e tudo indica que foi o que ocorreu... A bruxa disse, desta vez, que ela iria embora mas que voltaria em sete anos. De fato, os relatos indicam quem em em 1828, por pouco tempo, a voz da bruxa mais uma vez se fez ouvir, desta vez a John Bell Jr que, enervado, brigou com ela. A bruxa nada fez contra o herdeiro de John Bell mas antes de ir avisou que o país, em alguns anos, entraria em turbulência política e entraria em uma guerra fraticida. De fato, na década de 60 do século XIX os esforços de Abraham Lincoln em eliminar a escravidão e modernizar as relações civisi da Uniçao levariam os EUA à guerra civil.

 As interpretações sobre a natureza e realidade da chamada "Bruxa dos Bells" são as mais variadas e opostas. Aconselhamos aos interessados a leitura de nosso livro Poltergeist para um levantamento geral sobre as teorias, hipóteses, dúvidas e explicações divergentes sobre o caso. 

  Enquanto não surge um outro semelhante (e que possa ser bem estudado), o evento dos Bell constitui uma das mas assustadoras histórias sobre eventos paranormais de que se tem notícias...


Referências

Andrade, Hernani Guimarães (1989): Poltergeist - Algumas de suas ocorrências no Brasil. São Paulo,  Editora Pensamento.

Bell, Richard Williams (2001): Our Family Trouble - The Bell Witch. Nashville, Charles Elder Publish.

Guimarães, Carlos A. F. & Tinoco, Carlos A. (2013): Poltergeist. São Paulo, Editora do Conhecimento.

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