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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O grande blefe de Elon Musk, por Pablo Elorduy, jornalista espanhol

 

No capitalismo de cassino, todas as apostas são castelos de cartas. Como o homem mais rico do mundo defende seus lances temerários aliando-se à ultradireita, deformando a internet e esperando que uma contra-revolução o socorra

Por Pablo Elorduy | Tradução: Antonio Martins


“A internet é como o Velho Oeste. Pensávamos que éramos os cowboys, mas resulta que somos os búfalos.” Esta citação que Geert Lovink atribui ao antropólogo AnthroPunk em seu livro Tristes por Design (consonni, 2023) não se aplica completamente a Elon Musk, o Liberty Valance que domina a pradaria mais influente da política internacional. Musk, o homem de uma fortuna de 221 bilhões de dólares, tornou-se neste verão uma ameaça não apenas para a esquerda e os movimentos sociais online, mas também para uma parte fundamental do establishment. Musk é hoje o porta-bandeira da nova extrema-direita, conhecida nos Estados Unidos como Alt Right, e sua aliança com Donald Trump pode alcançar um novo estágio em novembro deste ano se o ex-presidente voltar à Casa Branca e, como se especula, oferecer ao bilionário dono da Tesla um cargo de conselheiro áulico.

Mídias como Financial TimesThe Guardian ou El País criticaram duramente nos últimos dias o bilionário dono do X. Sua proclamação de que “uma guerra civil é inevitável” após a onda de pogroms islamofóbicos no Reino Unido, promovida a partir dessa rede social no início deste mês, é daquelas que marcam uma época. Também não passou despercebida a entrevista amigável com o próprio Trump no antigo Twitter, o deepfake de Kamala Harris que ele divulgou, desrespeitando as regras de sua própria plataforma, ou as tentativas da extrema-direita global de reproduzir os tumultos da extrema-direita britânica na Espanha, usando como pretexto um estupro em Magaluf (Maiorca) e um assassinato em Mocejón (Toledo).

Outrora visto como um empresário inovador e sedutor, um Tony Stark da vida real, hoje Musk é visto como alguém mais parecido com o Doutor Destino, e, já no plano da realidade, uma ameaça para as democracias ocidentais, graças ao declínio do X, a rede social da qual ele foi primeiro viciado e depois dono.

O empresário nascido em Pretória, filho espiritual do apartheid sul-africano, é ao mesmo tempo um milionário em apuros, o homem mais rico e um dos mais influentes do mundo, o proprietário da indústria social que moldou a política internacional na última década, um troll que se autopercebe como alguém engenhoso, o novo líder da extrema-direita “antiwoke”, um boca grande que teve que se retratar várias vezes de suas gafes, um criptobro e um paranoico com problemas de sono e vícios. “Quer colonizar Marte e seu ego é quase tão grande quanto o planeta vermelho”, conclui um artigo de Derek Seidman na LittleSis.

A Deriva do X para a Extrema Direita
Dois símbolos de exclamação (!!) tornaram-se o distintivo usado pelo dono do X para mobilizar e impulsionar a extrema-direita internacional. “É a marca da besta”, resume Carlos Benéitez, integrante do projeto de análise de fake news e redes sociais Pandemia Digital. Acostumado a responder às mensagens de outros usuários de sua plataforma com um código lacônico baseado em palavras e emojis (cool, wow,💯, etc), através das duas exclamações ele impulsionou mensagens de contas antimigração como as de Tommy Robinson (Stephen Yaxley-Lennon), a conta Iamyesyouareno ou, na Espanha, as mensagens de Rubén Pulido, analista de La Gaceta, meio da fundação Disenso vinculada ao Vox.

Benéitez distingue duas acelerações na expansão de conteúdos de extrema-direita no X desde a compra por parte de Musk em outubro de 2022. Uma tem a ver com a expansão das notícias falsas, os boatos, os discursos de ódio de caráter racista, de ódio religioso e lgbtfóbico. “Eles mexeram no algoritmo: são mostrados mais porque é o objetivo que Musk tem”, resume este pesquisador. O outro momento de aceleração tem a ver com a promoção, aparentemente casual, que o próprio Musk, a pessoa com mais seguidores no X (não sem truques), faz de alguns desses conteúdos através das exclamações ou de outro tipo de interações, de maneira que “dispara o alcance de impressões e de interações, tanto naturais, de pessoas que recebem essa informação, quanto de contas automatizadas”, indica Benéitez.

Para a jornalista Marta G. Franco, autora do recente Las redes son nuestras (consonni, 2024), Musk é possivelmente a melhor notícia que a extrema-direita teve neste período histórico: “É o braço tecnológico da direita reacionária, uma peça a mais da alt-right, ou como queiramos chamar essa mutação ultra-tóxica do capitalismo que surge como resposta à onda de movimentos de mudança que se articularam através da internet nas duas últimas décadas. É um passo a mais dessa Internacional do Ódio: primeiro começaram a investir em bots, trolls pagos, sites de fake news e influenciadores afins, e com Musk tiveram a oportunidade de comprar o próprio meio para continuar distorcendo a conversa pública”.

O analista Jonathan Freedland catalogou Musk como “a figura mais importante da extrema-direita mundial”, e lembrou que este “tem o megafone mais poderoso do mundo”. O fato é que ele não está sozinho. Aos “supercompartilhadores” como Robinson, Andrew Tate ou Ashley St Clair, e às contas como “End Wokeness” e a antimuçulmana “Europe Invasion”, soma-se o próprio Donald Trump ou Milo Yiannopoulos, o ex-redator da Breitbart, meio de comunicação oficioso do trumpismo 1.0, que foi expulso do Twitter após liderar o assédio racista e gordofóbico à atriz Leslie Jones.

A chegada de Musk à sala de comando do X foi um júbilo para os ultradireitistas. Ele restaurou a conta de Robinson, Trump, Yiannopoulos, do ultra antitrans Graham Linehan, e também do rapper Kanye West — conhecido antissemita —, embora este último tenha novamente renunciado à sua conta. Em um artigo de despedida ao X, a colunista Katie Martin descrevia a deriva da rede social e como os abusadores haviam tomado conta da rede através de um “gotejamento de racismo casual, intolerância dos edgelords [provocadores online], polêmicas de má-fé, apitos para cães [dog-whistle, mensagens codificadas], desinformação grosseira, pornbots duvidosos, golpes cínicos, conspirações de chapéus de alumínio e bobagens cripto”.

Algoritmo e Filosofia do Fim da Espécie
As mudanças, no entanto, não se limitaram à eclosão desse ecossistema da alt-right internacional. A falta de transparência tem sido a marca registrada do X. Embora as vias de acesso ao conhecimento sobre em que se baseavam as decisões do Twitter em relação à sua comunidade de usuários já estivessem limitadas, Musk decidiu fechá-las todas. A interface de programação de aplicativos (API, na sigla em inglês), que permitia conhecer o impacto de campanhas, passou a ser paga, o que dificultou muito mais rastrear a expansão da desinformação e das fake news. Além disso, ele realizou uma série de mudanças para promover seu perfil, que se tornou o mais seguido da rede apenas após sua aquisição.

Benéitez resume em poucas frases como ocorreu essa ascensão: “Musk perguntou aos engenheiros do Twitter por que seus conteúdos não tinham mais impacto. E um deles respondeu que isso se devia ao fato de que suas publicações não geravam interesse: o algoritmo analisa esse interesse através do tempo de retenção, quanto tempo você se detém ao ler o tweet, as respostas que ele tem, os retweets, os ‘likes’, os salvos, etc. Qual foi a resposta? Despedir esse engenheiro e pedir que sua conta ficasse fora do algoritmo para ser promovida massivamente”.

Literalmente, Musk construiu seu próprio cassino com base em uma série de comunidades que haviam crescido sem prestar muita atenção nele. “Fomos pegos porque pensamos que valia a pena, na verdade, ainda acho que durante vários anos valeu a pena”, observa a autora de Las redes son nuestras. Jack Dorsey, o antigo mandarim do Twitter, tinha um perfil afável, comenta Marta G. Franco, “mas a chegada de Musk nos fez lembrar do problema inicial: não podemos dar tanto poder a ninguém, não podemos depender do magnata da vez”. De qualquer forma, ninguém questiona que tudo mudou: “Pergunte a si mesmo: se o X fosse inventado na sua forma atual hoje, você se inscreveria?”, questionava retoricamente Katie Martin em sua despedida da plataforma.

Ernesto Hinojosa, um dos tuiteiros mais populares da história da rede social na Espanha, que deixou a rede pouco depois da conversão do Twitter em X, detalha essa apoteose do narcisismo que terminou, se não com a história comercial da rede social, pelo menos com a impressão anterior de que era um terreno neutro: “Musk é o que você obtém quando junta uma crise de meia-idade com duzentos bilhões de dólares. Alguns compram um conversível; ele comprou uma rede social. E o problema é que, precisamente, ficar tanto tempo viciado no Twitter fez com que muita gente, que até então só conhecia a versão que a imprensa criou do sul-africano, uma espécie de Tony Stark da vida real, visse sua verdadeira personalidade de menino mimado com muito dinheiro. E isso para Musk, que está obcecado com seu legado, não caiu bem, precisamente, e fiel ao que faz toda essa gente, culpou o ‘woke’, e como os únicos que riem das suas graças são os nazistas e os trolls da extrema direita, agora temos a rede social no estado em que está.”

Um episódio biográfico — a transição de gênero de sua filha — é o marco biográfico ao qual Musk se refere para explicar sua conversão no principal agente da extrema direita contra o que ele chama de “o vírus woke”. No entanto, uma série de artigos de Émile P. Torres no site americano Salon forneceu um pouco mais de contexto e profundidade à ideologia elitista do sul-africano, alinhada a uma corrente chamada longtermismo (ou “longoprazismo”), que propõe uma solução eugênica e malthusiana de redução da população humana e sua substituição por outro tipo de sapiens “melhorados” pela inteligência artificial. 

O autor desses artigos define o longtermismo, pelo qual Musk mostrou publicamente seu interesse, como “uma cosmovisão quase religiosa, influenciada pelo transumanismo e pela ética utilitarista, que afirma que poderia haver tantas pessoas digitais vivendo em vastas simulações computacionais milhões ou bilhões de anos no futuro que uma de nossas obrigações morais mais importantes hoje é tomar medidas que assegurem a maior quantidade possível dessas pessoas digitais”. O filósofo sueco Nick Bostrom, defende Torres, é o personagem-chave para entender o que há além da parafernália antiwoke pop e simplista com a qual o dono da X se mascara: “Musk quer colonizar o espaço o mais rápido possível, assim como Bostrom. Musk quer criar implantes cerebrais para melhorar nossa inteligência, assim como Bostrom. Musk parece estar preocupado com o fato de que as pessoas menos ‘intelectualmente dotadas’ tenham muitos filhos, assim como Bostrom. E Musk está preocupado com os riscos existenciais das máquinas superinteligentes, assim como Bostrom. (…) As decisões e ações de Elon Musk ao longo dos anos fazem mais sentido se o considerarmos um bostromiano de longo prazo. Fora desse quadro fanático e tecnocrático, elas fazem muito menos sentido.”

De Twitter a X: o establishment se revolta

“As estratégias politicamente corretas da ‘sociedade civil’ são todas bem-intencionadas e estão relacionadas a temas importantes, mas parecem estar avançando em direção a um universo paralelo, incapaz de responder ao design de memes cínicos que estão rapidamente ocupando posições-chave de poder”, escreveu Geert Lovink pouco antes da tomada de um espaço político crucial como o Twitter por Musk. Desde então, o algoritmo da rede social que, na última década, concentrou as comunicações sociais de presidentes, ministros, representantes institucionais e um grande número de pessoas de interesse, tem tendido a favorecer a cultura do meme e a ideologia troll em maior medida do que fazia até o outono de 2022.

O próprio Musk deu vários exemplos desse modo de funcionamento. Apesar de que os membros do novo governo trabalhista do Reino Unido foram tímidos em sua resposta à intervenção direta de Musk no conflito provocado pelos pogroms racistas nas ilhas, Musk também não hesitou em desafiar o próprio Keir Starmer, primeiro-ministro, e em divulgar (e apagar) notícias falsas relativas à migração. Starmer e seu gabinete foram alvo das chacotas e impropérios do hiperativo magnata.

Quando, em 12 de agosto, o Comissário Europeu de Mercado Interno Thierry Breton escreveu uma carta ao dono da X na qual, envolvida na retórica perfumada e burocrática dos centros de governança, o advertia sobre a “diligência devida” que obriga a X a moderar os conteúdos da plataforma, Musk voltou a se descontrolar como alguém que se acha muito engraçado. O tema parece sério do ponto de vista econômico — as multas podem alcançar 6% das receitas da X —, mas o milionário de Pretória respondeu com uma imagem tirada do filme Tropic Thunder e a mensagem “dê um passo atrás e vá se foder”. Simultaneamente, seus seguidores fervorosos lançaram seus memes e advertências diante do “ataque à liberdade de expressão” e do “autoritarismo” da Comissão Europeia. Esse argumento e a distorção entre o quadro americano — estabelecido pela Primeira Emenda — e o quadro europeu, mais garantista, geraram, em parte, a crise entre Musk e as instituições.

Breton se referia à Digital Services Act (DSA), uma diretiva — sem equivalentes no Reino Unido ou nos Estados Unidos — de proteção dos direitos fundamentais, que a X pode ter violado por ocasião da entrevista entre Musk e Trump. Um parecer preliminar emitido em julho indica que a X pode ter infringido a DSA ao atribuir o selo azul de conta verificada a contas falsas. Esta não é a única investigação pendente por parte da Comissão Europeia.

Até o momento, as iniciativas europeias para punir Musk pelo desenvolvimento dessas práticas de incitação ao ódio foram realizadas apenas por pessoas sem poder efetivo. No Brasil, foi diferente: o juiz Alexandre de Moraes iniciou uma ofensiva judicial contra a desinformação em que requereu o fechamento e controle de várias contas associadas à extrema direita — de políticos, blogueiros e influenciadores — relacionadas à tentativa de assalto ao Congresso brasileiro em janeiro de 2023, após a derrota de Jair Bolsonaro e a vitória eleitoral de Lula Da Silva.

Amparado no fato de que a lei brasileira permite bloquear conteúdo para proteger as instituições do país, Moraes iniciou uma investigação contra Musk, acusando-o de obstrução à justiça. Além de seu repertório habitual de “piadas” e denúncias de “censura” na rede que dirige, Musk respondeu nesta mesma semana fechando os escritórios da X no país latino-americano. A conta oficial da X para assuntos governamentais acrescentou pressão sobre o magistrado com uma mensagem ameaçadora: “O povo do Brasil tem que tomar uma decisão, a democracia ou Alexandre de Moraes”.

A UE evita a confrontação direta

Na União Europeia, no entanto, e apesar do crescente número de críticas, o poder de Musk parece estar protegido. Bruce Daisley, ex-vice-presidente do Twitter para a Europa no The Guardian, a assessora da Comissão Europeia Marietje Schaake no Financial Times e um editorial de El País instaram a não deixar passar as ações do bilionário, mas nenhum governante optou por uma confrontação direta. Schaake, contudo, apontou um dos pontos fracos menos explorados na crítica dessa indústria social: o fechamento da torneira do dinheiro público: “Alguns líderes corporativos se tornaram tão poderosos que acreditam que podem manipular os processos democráticos ou evitá-los completamente. Em vez de ceder, como fazem com demasiada frequência os líderes políticos, as empresas deveriam pagar um preço pela agressão e, em última instância, poderiam perder contratos ou outros acessos lucrativos aos governos (que continuam sendo os que mais gastam em tecnologia da informação).”

Dentro dos partidos do extremo centro, o mais claro foi Sandro Gozi, político italiano envolvido no La République en Marche, o partido de Emmanuel Macron: “Se Elon Musk não cumprir as regras europeias sobre serviços digitais, a Comissão Europeia pedirá aos operadores continentais que bloqueiem o X ou, no caso mais extremo, os obrigará a desmantelar completamente a plataforma no território da União”, afirmou. O primeiro a sair em defesa de Musk foi outro conhecido “jokester” da extrema-direita, o ex-ministro italiano Matteo Salvini (Lega).

O fato é que na Comissão Europeia ainda não se considera a expulsão do X do ecossistema de informação, não houve um êxodo de políticos, e parece improvável que Musk decida romper com o mercado europeu, já que, por menos rentável que seja economicamente, é fundamental no nível político. No caso da Espanha, a disseminação de informações falsas sobre o crime de Mocejón não resultou em nenhum questionamento do meio (X), e apenas foi iniciado um processo contra o “anonimato” nas redes sociais.

Para Musk, trata-se também de dinheiro

No perfil que Marco D’Eramo fez de Musk para a Sidecar em junho de 2022, o jornalista italiano forneceu a chave para o sucesso empresarial do sul-africano. Além de sua imagem de excêntrico e visionário, D’Eramo observou como a valorização das empresas de Musk, “assim como as estimativas aleatórias de sua riqueza pessoal, sempre se basearam na promessa de expansões futuras e de realizações iminentes”. Essa fórmula tinha e ainda tem um cliente principal: o próprio governo dos Estados Unidos. Apesar das toneladas de conversa lançadas pelos centros de poder do Vale do Silício contra os Estados-nação, o fato é que, sem o apoio destes, não se compreende o crescimento da Tesla, a principal empresa do império Musk, nem de seus outros projetos, como a aeroespacial SpaceX, OpenAI (inteligência artificial) e Neuralink (neurotecnologia).

“As empresas de Elon Musk receberam bilhões de dólares em subsídios governamentais durante as últimas duas décadas”, resumiu o Business Insider em 2021. Uma investigação do Los Angeles Times de 2015 estimou que, até aquele ano, as empresas de Musk haviam se beneficiado de um apoio governamental estimado em 4,9 bilhões de dólares. O artigo do Business Insider acrescentou novos números: 2,89 bilhões de dólares para a SpaceX provenientes da NASA, outros 653 milhões em um contrato com a Força Aérea dos EUA, e uma porção não divulgada da astronômica cifra de 600 bilhões de dólares que o governo federal colocou sobre a mesa para as empresas durante a pandemia.

Assim, o interesse de Musk na campanha de Donald Trump obedece a algo mais do que simpatia pessoal. O artigo de Derek Seidman detalha como o dono da Tesla mudou suas afinidades partidárias anteriores, que correspondiam à atitude da maioria dos bilionários, que doam dinheiro tanto para Democratas quanto para Republicanos — embora não na mesma quantidade — na expectativa de políticas públicas que reforcem suas posições ou abram novas vias de acumulação. Segundo seu próprio testemunho, Musk votou nos Democratas no passado, inclusive em Biden em 2020, mas a aliança com Trump se consolidou à medida que crescia seu discurso antiwoke.

Em julho, o empresário prometeu doar 45 milhões de dólares por mês para a campanha de Trump dentro de um Comitê de Ação Política (PAC, grupo de interesse regulamentado para financiamento), no qual participam outros magnatas da economia digital, como o cofundador da Palantir, Joe Lonsdale, e os gêmeos Winklevoss, conhecidos por seu papel na fundação do Facebook e impulsionadores da criptomoeda Gemini.

O empenho não é altruísta. O setor do Vale do Silício, liderado por Musk, e também o empresariado que não rompeu com a candidatura de Kamala Harris, esperam que o novo governo entregue a cabeça de Lina Khan, presidente da Comissão Federal de Comércio, uma “opositora tenaz das fusões e aquisições que prejudicam consumidores e trabalhadores” e “a primeira defensora real das leis antitruste que os Estados Unidos tiveram em anos”, segundo o comentarista político Jim Hightower.

Pode parecer uma grande tolice falar dos problemas econômicos de uma pessoa com uma fortuna de 221 bilhões de dólares, mas a acumulação de perdas é, pelo menos, relevante. Tesla, a principal empresa do império Musk, enfrenta uma redução de sua participação de mercado a cada ano. Em 2024, a empresa controla 12% do mercado, enquanto há cinco anos participava com 17,5%. Suas vendas diminuem e o preço de suas ações caiu 10% no que vai do ano.

Se a Tesla parece em declínio, o diagnóstico para o X é pior. Desde sua compra e, em grande medida, após a mudança de nome — um desastre em termos de valor de marca — a empresa está à deriva e passou de valer 44 bilhões, que foi o que Musk pagou, para ser estimada em menos de 20 bilhões. Esta mesma semana, o The Wall Street Journal publicou uma informação que teve repercussão mundial. O título, “Os 13 bilhões de dólares que Elon Musk tomou emprestados para comprar o Twitter se tornaram o pior acordo de financiamento de fusões para os bancos desde a crise financeira de 2008-2009”, apontava para um lugar já conhecido: o X perdeu metade de seu valor desde a chegada de Musk e os investidores oscilam entre o respeito que se tem ao criador da Tesla como alguém capaz de imaginar expansões econômicas futuras e a crescente consciência de que se trata de um indivíduo tóxico para os anunciantes.

A rede social viu seu crescimento de usuários estagnar e, embora sua concorrência não tenha conseguido se aproximar de seus números, os estudos indicam que, nos últimos processos eleitorais, também perdeu influência em relação às eleições anteriores. Com lucros anuais que giram em torno de 160 milhões de dólares e um serviço da dívida que acarreta desembolsos de 1,5 bilhão anuais, segundo declarou o próprio Musk, o panorama financeiro é crítico, especialmente porque, desde o nascimento do X, as grandes corporações têm dado as costas ao investimento publicitário nesta rede.

Musk primeiro os chamou de idiotas, depois tentou recuperá-los entoando um mea culpa e posteriormente os acusou de conspirar contra ele. Neste mês, sua plataforma entrou com uma ação judicial contra anunciantes como Unilever e Mars, assim como contra uma agência de marketing pelo que entende ser um acordo de “boicote ilegal” à sua plataforma. Um agente de publicidade citado pelo City AM expressou com crueza as razões dos anunciantes para desinvestir no X: “Os grandes vendedores se foram, o sistema de verificação é um desastre, metade dos seus seguidores agora são sexbots, as pessoas mais interessantes se mudaram para outro lugar, as pessoas que ainda estão lá postam menos e sua linha do tempo é apenas um fluxo interminável de miséria. Como se pode defender a publicidade em uma plataforma assim?”

“Ninguém sabe por quanto tempo mais o X poderá sobreviver, já que a empresa não publica seus resultados financeiros. Mas, em novembro, o próprio Musk admitiu que o X poderia enfrentar a falência devido ao boicote publicitário”, apontava esta semana a revista Fortune. O mesmo artigo indica que, embora o buraco seja relativamente pequeno em relação à sua fortuna, para o dono da Tesla a única opção é continuar vendendo participações da montadora, já que o resto de seus projetos (SpaceX ou Neuralink) continuam funcionando com base na nunca totalmente realizada “promessa de expansões futuras e de realizações iminentes”.

O poder político e os jornalistas continuam sustentando o X

No entanto, os principais críticos de Musk não deixam de omitir um fato fundamental: sua importância é mais política do que econômica. “Musk não comprou o X para fazer negócios, mas para ganhar influência”, resume Marta G. Franco. “É o que sempre aconteceu com meios de comunicação deficitários sustentados por empresários. O que pode acabar com o X não é, portanto, a perda de receita, mas a perda de relevância política: que os políticos deixem de usá-lo como o primeiro lugar onde publicam suas declarações, que os grandes meios de comunicação deixem de se esforçar para ter visibilidade ali, que os influenciadores do X tenham menos alcance do que os de outras plataformas.”

Em dezembro de 2020, Ernesto Hinojosa parou de usar o Twitter. Sua conta, Shine Mcshine, tem 165.000 seguidores e não se move desde então. “Não era apenas o número de seguidores, é que eu estava naquela rede social praticamente desde o início. Eu a vi crescer, se transformar, tornar-se de fato a praça pública da internet”, resume alguém que, provavelmente a seu pesar, se encaixa na etiqueta de influenciador. Hoje, Hinojosa publica no Mastodon, uma rede na qual tem “somente” 22.000 seguidores. “O que me fez sair foi a deriva que a plataforma tomou após a aquisição de Musk. Sinceramente, eu tinha a sensação de que, ao permanecer lá, estava sendo cúmplice da transformação dela em um lugar projetado para amplificar as opiniões que mais detestava. E agora, quando por curiosidade volto a dar uma olhada lá, vejo que o tempo me deu razão”, aponta.

Embora a saída do X represente pouco mais do que um microgesto individual, e que a soma desses gestos até agora não tenha tocado a estrutura da plataforma, os esforços e apelos para mudar de rede social ocorrem com cada vez mais frequência. Após os eventos no Reino Unido, a plataforma Bluesky viu um aumento de 60% na atividade nas contas daquele país e a empresa reportou a entrada de políticos na rede social.

Threads, a concorrência criada pelo Meta (Facebook), Bluesky e Mastodon estão em uma competição para se tornar, primeiramente, uma espécie de bote salva-vidas para as milhares de pessoas que saltam do antigo Twitter toda semana e, depois, veremos o que acontece. O fluxo de saídas do X é contínuo, mas a tensão dos usuários é significativa: abandonar o X pode significar “ficar fora da conversa pública”, algo que não afeta apenas os políticos.

Uma usuária do Mastodon refletia sobre as consequências individuais de uma mudança de plataforma: “Deixar o Twitter e vir para o Mastodon é um salto no escuro, é assim que é. No caminho, você vai perder muitos contatos e amigos que fez nos últimos anos, vai mudar rotinas por algo que não sabe o que é. Se além disso você tem muitos seguidores e/ou de algum modo faz parte do seu trabalho (jornalistas, artistas, artesãos etc.), pode até significar uma perda econômica, de clientes…”, dizia, antes de deixar uma pequena alfinetada: “É normal que você não se atreva a dar esse salto, mas não me venda isso como algum tipo de ativismo, Mari Pili.”

Hinojosa também prefere ser cauteloso ao considerar o atual momento de críticas como o início de uma derrota definitiva do magnata sul-africano: “Eu teria muito cuidado em assinar o atestado de óbito do X tão cedo; não só Musk tem tanto dinheiro quanto para financiar de seu próprio bolso seu brinquedo indefinidamente, como enquanto os políticos e as personalidades públicas não abandonarem aquela rede social, os jornalistas também não o farão, e, como consequência, continuará tendo importância no dia a dia da internet.”

Essa parece ser a chave e o ponto fraco que, pelo menos até que em novembro aconteçam as eleições presidenciais nos Estados Unidos, pode manter o X em funcionamento. O “jardim murado” que era o Twitter sob a administração de Jack Dorsey se transformou em um terreno baldio superpovoado, hierarquizado e dominado pela extrema direita sob a administração de Musk, mas a linguagem burocrática da Comissão Europeia continuará colidindo repetidamente com a lógica do trolling estabelecida como norma no meio de comunicação mais influente do século XXI. “O elo crítico são, como eu disse, os políticos”, indica Hinojosa, “enquanto personalidades como o presidente do governo continuarem usando a plataforma para seus anúncios públicos, ela terá apelo por um bom tempo. Mesmo que esteja cheia de bots e nazistas, como é o caso.”

Marta G. Franco vê, no curto prazo, uma pequena fissura que pode acelerar a crise do antigo Twitter: “Acredito que o declínio do X vai andar paralelo à intensidade com que Musk se empenhar em colocá-lo a serviço da campanha de Trump. Se ele exagerar, os Democratas vão embora. A dúvida é se simplesmente se mudarão para o Meta [Threads] ou se começarão a levar o problema mais a sério e diversificarão plataformas. Acho que eles não são tão tolos e será mais a segunda opção.”

A capacidade de repercussão política do que se passa nos Estados Unidos é, assim, uma das chaves que podem afetar o futuro imediato da indústria social, tanto no caso do X quanto no de seus rivais, os corporativos — mesmo os de código aberto como o Bluesky — e os cooperativos — Mastodon. Na União Europeia, o desenvolvimento de uma diretiva de serviços digitais ou, no caso da Espanha, a de uma Lei de Imprensa pouco avançada, podem mitigar os aspectos mais lesivos da cultura troll impulsionada pela direção do X, mas o principal problema continua sendo a acumulação de poder em um único indivíduo. Um fato que só piora se esse indivíduo acredita, entre outras coisas, que a espécie humana deve dar lugar a máquinas superinteligentes, como no passado os búfalos deram lugar aos pistoleiros.

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