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segunda-feira, 6 de maio de 2024

TVGGN: Climatologista explica o fenômeno que gerou a tragédia no Rio Grande do Sul. A questão - negada pelo agronegócio destrutivo - da mudança climática...

 

Carlos Nobre alerta que, ante a degradação ambiental, se a emissão de gases de efeito estufa não for zerada, temperatura global pode aumentar até 2° nos próximos anos


Crédito: Thiago Guimarães/ PMC


Hora a hora, a situação no Rio Grande do Sul, onde várias cidades foram atingidas por fortes temporais desde a última segunda-feira (29 de abril), fica mais dramática. Neste sábado (4), chegou a 66  o número de pessoas mortas devido às enchentes, de acordo com o último boletim da Defesa Civil. Outros seis óbitos estão em investigação, 155 pessoas ficaram feridas e 101 pessoas estão desaparecidas.  

Para explicar o porquê da tragédia, que já tinha afetado o estado em 2023, o programa TVGGN 20H da última sexta-feira (3) contou com a participação do professor e climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Climáticos da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia. 

Nobre adianta que as consequências das mudanças climáticas não são sentidas apenas no Rio Grande do Sul, mas em todo o mundo, que passou a vivenciar eventos climáticos extremos principalmente em 2023 e 2024. 

“Essa situação do Rio Grande do Sul é o sistema de baixa pressão que vem do Oceano Pacífico. Ele gera um sistema de alta pressão no centro oeste e sudeste e o sistema de alta pressão bloqueia o sistema de baixa pressão. As frentes frias chegam ali, não conseguem passar e chove demais, alimentados por um fluxo muito grande de vapor d’água que está vindo da Amazônia e passa paralelo aos Andes”, detalha Nobre. 

Nobre explica que, nos últimos dois anos, tivemos o registro do maior aquecimento do planeta registrado na história, tendo em vista que a média da temperatura global já atingiu o aumento de 1,56°. Assim, este ano deve ser ainda mais quente em comparação a 2023. 

“[O bloqueio do sistema de baixa pressão] É um fenômeno que sempre existiu, só que agora, por causa do aquecimento global, globalmente falando, os oceanos nunca estiveram tão quentes e quando eles estão muito quentes, evapora muita água. Então, lógico, um grande elemento dos eventos extremos é o vapor d’água, porque quando o vapor d’água vai para um lugar e chove muito, em outro lugar se faz seca”, emenda o professor.

El Niño


O climatologista comenta ainda que o El Niño, fenômeno natural que potencializou a elevação da temperatura desde o ano passado, existe há, pelo menos, dois milhões de anos, talvez até mais. A questão é o aumento da frequência e da intensidade com que o fenômeno ocorre. “Os três El Niños mais fortes foram 2015/2016, depois 1992/1993 e agora terceiro El Niño mais forte é 2023/2024. Mesmo sendo o terceiro mais forte, ocasionou a maior seca da história da Amazônia e do Pantanal e o maior registro de chuvas no Rio Grande do Sul.”

Carlos Nobre ensina que, quando o El Niño está mais intenso, ele faz com que a corrente atmosférica, chamada de jato subtropical, barre as frentes frias originadas no oceano pacífico, gerando um sistema de baixa de pressão conhecido como ciclone extratropical nas regiões do Rio Grande do Sul, Argentina, Uruguai e Paraguai. 

O ciclone extratropical, então, joga a água mais quente dos oceanos dentro do continente, originando fortes chuvas. Foi este fenômeno que causou as enchentes que atingiram os gaúchos em setembro.  

“Esse agora é um pouco diferente. O fenômeno meteorológico é o bloqueio com a baixa pressão e, no centro-oeste e sudeste, a alta pressão com muito calor, que não forma nuvem nenhuma. Lógico também que o El Niño está ficando cada vez mais forte”, continua o climatologista. 

Clima exige atenção


O convidado apontou ainda que, de acordo com o relatório IPCC, a temperatura média global não deveria ultrapassar a alta de 1,5°. No entanto, enquanto as previsões indicavam que só atingiríamos este aumento em 2030, a ciência não conseguiu prever que este patamar fosse atingido ainda em 2023 e pode se tornar permanente a partir deste ano. 

Assim, os oceanos estão no nível mais quente do registro histórico desde o último período 125 mil anos interglacial, tornando a situação cada vez mais crítica. 

“O enorme branqueamento de praticamente todos os recifes de corais, que estão muito perto da extinção e da extinção de milhares de espécies, pois os corais mantêm 25% da biodiversidade oceânica”, continua. 

Guerra na Ucrânia

Nobre revelou ainda que a Guerra na Ucrânia teve um grande impacto negativo também no clima, uma vez que a União Europeia evoluía rapidamente no processo de substituição do uso de energia fóssil, por meio da queima de carvão, por fontes de energia mais limpas e renováveis. 

“Por exemplo, Alemanha tinha um plano de parar a exploração de carvão até 2035, o Reino Unido fez uma lei proibindo a produção de motores a combustão a partir de 2030, a Noruega, que ficou super rica com a exploração de petróleo e gás natural no Atlântico Norte, não vai mais explorar a partir de 2035”, comenta. 

O conflito entre Rússia e Ucrânia, no entanto, fez com que o ritmo da redução das emissões diminuísse. E, em diversos outros países as emissões de poluentes na atmosfera continuam altas e, se não houver redução, a temperatura global pode ter aumento de 2,5° nos próximos anos.

“A emergência climática do ano passado e deste ano mostram que talvez a gente não possa nem zerar as emissões em 2050. Muitos cientistas como eu acham que nós devemos zerar as emissões até 2040. Mesmo em 2040, a gente vai passar de 1,5° [na média da temperatura global], pode chegar até 2°. Esse é o risco que nós estamos correndo”, conclui Nobre.  

Assista a entrevista completa:


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