A educação não pode ser meramente conteudística, não pode ser passiva, modeladora, opressora do indivíduo e das novas gerações
Do Jornal GGN:
O lugar que não muda – a escola
por Dora Incontri
Digo sempre que o lugar mais resistente às mudanças é a escola. O campo mais difícil de transformar é a educação. Em minha longa carreira de educadora, já fiz projetos em escolas públicas, privadas, na capital e no interior de São Paulo. Nada tão compensador como estar com os alunos – de qualquer idade – e nada tão frustrante como lidar com os adultos que compõem a comunidade escolar e trabalhar com as políticas do sistema educacional.
Em dois níveis, que se interpenetram, podemos falar de mudanças urgentes, necessárias e sempre tão distantes. O primeiro se refere à educação igual e de qualidade para todos. E o outro nível é: que educação queremos e de que métodos precisamos.
No Brasil, desde sempre temos uma educação para as elites e uma educação para o povo. Desigual, distante, reproduzindo a divisão de classes sociais e com um projeto das elites (que Jessé de Souza chama tão bem de elites do atraso), de manter mesmo o povo no patamar da exploração, do trabalho de base da sociedade, detestando muitas vezes quando vê um médico negro ou uma mulher do povo ocupando um cargo político.
Os governos do PT fizeram um avanço em diminuir um tanto essa desigualdade, com o sistema de cotas, com o investimento em universidades, com programas como o Fies (em que pesem as críticas, que também são minhas, de que esse tipo de política serve de sustento para as faculdades privadas, que na maioria das vezes não oferecem um ensino de qualidade e estão sempre mais interessadas no lucro). Mas esses avanços não atingiram nunca o nível necessário e esperado nem nas universidades e nem na educação básica. Nos tempos em que viajava por esse Brasil afora durante décadas (antes da pandemia), via as universidades públicas em situação muitas vezes precária, precisando de reformas, tudo com um ar de desleixo. Detesto a comparação, mas terei de fazer: visitem uma universidade nos EUA ou na Europa, com tudo bonito, arrumado, bem estruturado, com bibliotecas imensas! No caso das escolas, basta fazer uma visita em algumas públicas, por exemplo na periferia de São Paulo, para ver que mais parecem prisões do que escolas. Já ouvi relatos de professores dizendo que seus alunos comparam a escola em que estudam com a prisão em que o pai está. Estou aqui me referindo ao aspecto físico e estrutural de universidades e escolas – que considero fundamental para o bem-estar da comunidade acadêmica e escolar e que tem também uma função estética educativa.
Do ponto de vista do conteúdo produzido ou ensinado, pode-se dizer que em ambos os níveis, há algumas poucas universidades e algumas poucas escolas públicas, bem específicas, que têm uma excelência que se projeta até internacionalmente, mas isso está longe de ser a regra. Muito sucateamento por aí, que piorou com o desgoverno anterior.
Agora chego ao ponto fundamental: a educação precisa mudar por dentro. Nem que tivéssemos os mais lindos e bem cuidados edifícios e investíssemos dignamente na remuneração dos professores, ainda assim haveria uma revolução pedagógica a ser feita, ensaiada desde Jan Comenius, Jean-Jacques Rousseau, Johan Heinrich Pestalozzi, sem mencionar os mais recentes educadores como Maria Montessori, Alexander Neil, Makarenko, Paulo Freire e tantos outros – todos diferentes entre si, mas alinhados em algumas mudanças fundamentais.
A educação não pode ser meramente conteudística, não pode ser passiva, modeladora, opressora do indivíduo e das novas gerações, muito menos indiferente em relação ao seu avanço cognitivo, ético e produtivo. Teríamos que ter urgentemente uma escola crítica, emancipadora, participativa, baseada em projetos, pesquisas, diálogo, ações sociais, com muito afeto, beleza e cooperação mútua. Enfim, uma escola e uma universidade que não sejam voltadas para formar o sujeito perfeitamente dócil e adaptado ao mercado, mas para formar sujeitos livres, críticos e que queiram e saibam como transformar o mundo.
Para essa mudança, há que se fazer uma verdadeira revolução na política, nas cabeças e nos corações das famílias, dos professores, dos coordenadores, das instituições. E aí é que está a maior dificuldade, não interessa a ninguém mudar a educação nessa profundidade. A criança e o jovem ainda são presas para a manipulação, para a formatação das mentes, submissas e encaixadas na sociedade capitalista. De acordo com sua classe social: para serem empresários ou empregados ou, mais recentemente, empresários de si mesmos (o que é ainda pior)! E as famílias cooperam com isso, os professores idem – todos convencidos pela própria educação que tiveram, que assim deve ser. O sistema de obediência e submissão presente desde o Jardim da Infância prepara a pessoa para submeter-se ao sistema econômico e sociopolítico na fase adulta. O dia em que quebrarmos isso, avançamos muitos passos.
Entretanto, hoje, temos no cenário, um fator que complica imensamente todas essas encruzilhadas: os celulares, os tablets, que estão formatando antes e depois da família e da escola, as novas gerações – mas isso é tema para o próximo artigo.
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