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sexta-feira, 31 de maio de 2024

Portal do José: DESESPERO! BOLSONARO E DIREITA: EM LUTO! TRUMP CONDENADO: CENAS INCRÍVEIS! MILEI AFUNDA: FANTÁSTICO?

 

Do Portal do José:

31/05/24 - SEXTA REPLETA DE ACONTECIMENTOS IMPORTANTES E DIVERTIDOS. TEREMOS EMOÇÕES IMPENSÁVEIS NOS PRÓXIMOS MESES. TRUMP DEIXA EXTREMISTAS EM LUTO. ARGENTINA ENTRA NA PAUTA DO FANTÁSTICO. O QUE MOSTRARÃO? SIGAMOS. MUITO ENGRAÇADO



quarta-feira, 29 de maio de 2024

A crise aguda decorrente da exploração neoliberal e o declínio crônico do Ocidente

 

Retórica de globalização naufraga e EUA perdem fôlego de impor seu poder. Mas têm uma infraestrutura militar com 700 bases no mundo. E a história ensina que, em busca de sobrevida, impérios decrépitos colocam suas fichas na guerra sem fim


Em outubro de 2023, ao voltar de uma viagem relâmpago a Israel para dar apoio ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o presidente norte-americano Joe Biden afirmou, num discurso feito no Salão Oval da Casa Branca, que “o mundo está vivendo uma virada histórica, porque a ordem mundial do pós-Segunda Guerra perdeu fôlego, e é necessário construir uma nova ordem”.[i]

Quase no mesmo momento, na comemoração do décimo aniversário da “Nova Rota da Seda”, realizada em Pequim nos dias 17 e 18 de outubro de 2023, os presidentes Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia, defenderam em conjunto a necessidade de “uma nova ordem mundial que respeite a diversidade das civilizações”.[ii] Um pouco antes, na véspera da 18ª Cúpula do G20, realizada em Nova Delhi, em setembro de 2023, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi publicou um artigo em vários jornais do mundo propondo “uma nova ordem mundial pós-pandêmica”.

Por fim, de forma ainda mais categórica, Joseph Borrel, chefe da política externa da União Europeia, declarou em fevereiro de 2024, “que a era do domínio global do Ocidente chegou ao fim”.[iii] Uma manifestação e um reconhecimento categórico dos líderes das cinco principais potências do mundo. No entanto, por trás desse aparente consenso escondem-se grandes divergências conceituais e políticas.

Para começar, eles não estão falando necessariamente da mesma coisa, nem do mesmo período histórico, porque existiram pelo menos duas grandes “ordens” ou “ordenações mundiais” que se sucederam, a contar do fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira vigorou entre 1945 e 1991 e foi apoiada pelas duas potências que saíram vitoriosas da Segunda Guerra Mundial: EUA e URSS.

Foi, no entanto, arquitetada de fato e liderada pelos EUA, graças à sua supremacia atômica conquistada em Hiroshima e Nagasaki, e graças à sua supremacia econômica consagrada pelos Acordos de Bretton Woods, que fizeram do dólar americano a moeda de referência da economia capitalista mundial. Fazem parte desta primeira “ordem mundial” quase todas as instituições multilaterais surgidas a partir da criação das Nações Unidas, em outubro de 1945, ao lado do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio, da Organização Mundial da Saúde, para citar as mais importantes.

A crise dessa “ordem mundial”, entretanto, começou já na década de 70 do século passado, quando os EUA abandonaram os Acordos de Bretton Woods e se descomprometeram, unilateralmente, com relação à paridade entre o dólar e o ouro que havia sido definida por eles mesmos, em 1944. O abandono do “padrão dólar” veio junto com a primeira grande crise econômica do mundo capitalista do pós- Segunda Guerra Mundial, que atravessou as décadas de 1970 e 1980 e foi marcada por sucessivos “choques do preço do petróleo” e aumentos da taxa de juros norte-americana.

Houve, ainda, a derrota dos EUA na Guerra do Vietnã, em 1973, e foi por isto que naquele momento muitos analistas internacionais falaram, pela primeira vez, de uma “crise terminal da hegemonia norte-americana”. Mas logo em seguida, como resposta a essa crise, os EUA lançaram uma ofensiva militar contra a URSS, que veio acompanhada pela grande “revolução conservadora” dos anos 1980, que se desfez dos compromissos “keynesianos” e “desenvolvimentistas” do pós- Segunda Guerra Mundial e abriu as portas para o avanço de um novo projeto econômico global liderado pelas potências anglo-saxônicas: o neoliberalismo, que avançou como um tufão, ajudando a derrubar o Muro de Berlim e acabando com a bipolaridade estratégica da Guerra Fria.

Na década seguinte, os EUA se aproveitaram de sua nova posição de poder e assestaram um último e definitivo golpe na “ordem multilateral” que eles haviam criado, no momento em que atacaram a Iugoslávia, em 1999, sem autorização prévia do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A mesma coisa que voltariam a fazer em 2003, quando invadiram o Iraque sem contar com o aval do Conselho de Segurança e, desta vez, com a oposição da maioria absoluta da Assembleia Geral da ONU. Foi assim que se encerrou, de forma definitiva e melancólica, a primeira “ordem mundial hegemônica” do pós- Segunda Guerra Mundial; e foi nesse momento, e não mais tarde, que o Conselho de Segurança da ONU perdeu toda e qualquer eficácia e legitimidade, por obra de seus próprios criadores.

Nascia então uma nova “ordem mundial”, sustentada agora pelo poder unipolar dos EUA, conquistado por meio de suas vitórias na Guerra Fria (1989/91) e na Guerra do Golfo (1991/92). Nessa nova ordem unipolar, os EUA se reservaram desde o início o direito unilateral de fazer “guerras humanitárias”, e de declarar e atacar o “terrorismo” em qualquer lugar do mundo, segundo seu exclusivo arbítrio, e já sem nenhuma preocupação com as Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, que foram sucateados literalmente em 1999.

Este novo poder global unipolar dos EUA potencializou ainda mais o projeto econômico neoliberal de abertura e desregulação dos mercados e globalização das finanças mundiais, que passaram a ser geridas, em última instância, pelo Banco Central dos EUA e seu sistema SWIFT de intermediação financeira e pagamentos internacionais.

Esta segunda “ordem mundial” – unipolar e neoliberal – do pós-Guerra Fria começa a perder fôlego a partir da grande crise financeira de 2008, que abalou a economia americana e atingiu em cheio a economia europeia. Foi ali que começou o chamado processo da “desglobalização” da economia mundial, que viria a se acelerar com a pandemia de covid-19, com a guerra econômica dos EUA contra a China e, sobretudo, com o início da Guerra da Ucrânia, em 2022.

Mais ainda, depois do fracasso da aposta ocidental numa verdadeira guerra de sanções econômicas contra a Rússia, que não alcançou seu objetivo e ainda por cima produziu um efeito bumerangue sobre a economia europeia, que entrou num profundo e prolongado processo de estagnação econômica.

Muito antes de tudo isto, entretanto, as “guerras sem fim” dos EUA, que começaram no final do século XX, desvelaram aos poucos uma “dimensão oculta” dessa nova ordem mundial, escondida por trás da retórica da globalização: a construção de uma infraestrutura militar global, com mais de 700 bases militares distribuídas ao redor de todo o mundo, e controlada diretamente pelos EUA, mesmo no caso de organizações regionais como a Otan.

Ou seja, aos poucos foi ficando mais claro que a condição sine qua non do projeto da globalização econômica, sem limites nem fronteiras, era a instalação de uma nova espécie de “império militar global”, um segredo que foi guardado a sete chaves pela retórica missionária do neoliberalismo defendido por EUA, Inglaterra e seus sócios do G7. E é precisamente esse projeto militar global dos EUA e da Otan que está sendo desafiado pela ascensão militar da China, pela resistência do Irã e pelo limite que lhe foi imposto pela Rússia, primeiro na Geórgia, em 2008, e depois na Ucrânia em 2022. E é essa ordem mundial “imperial cosmopolita” que está “perdendo fôlego” e já entrou em acelerado processo de desintegração.

Assim mesmo, quando Joseph Borrel declara que “a era do domínio Ocidental acabou”, ele está se referindo a outra crise, muito mais complexa, profunda e prolongada: a crise do poder e da hegemonia ocidental no sistema internacional que os europeus conquistaram e dominaram, de forma quase absoluta, nos últimos 300 anos.

Para se ter uma ideia aproximada do tamanho e do impacto dessa crise, basta lembrar que no início do século XX, logo depois da Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico tinha uma extensão de 35,5 milhões de km2 e ocupava 23,84% da superfície terrestre. Junto com os impérios coloniais de França, Bélgica, Portugal e Holanda, o Ocidente europeu chegou a dominar cerca de 40% do território e da população mundiais.

Hoje, entretanto, a Inglaterra está ameaçada de perder seu domínio sobre a Escócia e a Irlanda, por onde começou de fato o Império Britânico. A França está sendo expulsa da África e já não é mais do que um simulacro da potência imperial que foi no passado, e o mesmo deve ser dito dos demais Estados europeus que sobrevivem escondidos atrás da proteção atômica da Otan. Sendo que, nas últimas duas décadas, os próprios Estados Unidos vêm sofrendo sucessivas derrotas militares e fracassos políticos no Iraque, na Síria, no Afeganistão, na Ucrânia, para não falar de sua própria “guerra civil-eleitoral” interna. Ao mesmo tempo, assistem paralisados ao desgaste progressivo de sua credibilidade moral, graças ao apoio militar e financeiro que deram ao massacre do povo palestino da Faixa de Gaza.

Como consequência desses sucessivos reveses, o “velho Ocidente”, que era considerado sinônimo da “comunidade internacional” até bem pouco tempo atrás, vem perdendo força e legitimidade, e hoje não tem mais capacidade de impor seus critérios, seu arbítrio e poder sobre o resto do mundo. Mesmo assim, não há o menor sinal de que este “Ocidente reduzido” esteja disposto a abrir mão do poder que acumulou nos últimos séculos. Além disso, a história ensina que as grandes potências e os impérios não costumam ceder seu poder sem resistir, sem guerrear.


Nota:

[i] ReutersUOL Noticias, 23/10/2023.


segunda-feira, 27 de maio de 2024

A tragédia anunciada: A associação entre as mudanças climáticas provocadas pelo neoliberalismo e a sutil, mas eficaz, arte da desinformação

 

"(...) tal quadro caótico que poderia, em grande medida, ter sido evitado ou grandemente minimizado. Contudo, esta realidade seja frequentemente encoberta até mesmo pelo modo como se divulga a tragédia, realçando o drama mas escondendo o fato de que a mesma se associa à degradação ambiental, envolvendo o aquecimento global provocado pela insana poluição ambiental associada à destruição do meio ambiente, tudo em nome do lucro imediato e à exploração crescente de um planeta que possui recursos e meios de reequilibração limitados."


Diante da tragédia que se abateu sobre os nossos irmãos e amigos do Rio Grande do Sul, inevitavelmente a eles nos associamos pela empatia, a compaixão, e isso nos leva a agir através da solidariedade. Isso tudo é verdade e demonstra a expressão do que ainda existe de melhor em grande parte dos seres humanos. Contudo, mesmo diante da dor do visível concreto, não podemos deixar de tentar entender racionalmente os motivos e causas para tal quadro caótico que poderia, em grande medida, ter sido evitado ou grandemente minimizado. Infelizmente esta realidade é por trás da tragédia frequentemente encoberta até mesmo pelo modo como se divulga a tragédia, realçando o drama mas escondendo o fato de que a mesma se associa à degradação ambiental, envolvendo o aquecimento global provocado pela insana poluição ambiental associada à destruição do meio ambiente, tudo em nome do lucro imediato e à exploração crescente de um planeta que possui recursos e meios de reequilibração limitados.

Parece que nos esquecemos fácil dos ataques físicos reais e políticos contra a natureza ocorrida no mundo nas últimas seis décadas e, aqui no Brasil, nos últimos seis anos, indo da onda de incêndios e desmatamento na Amazônia à desregulação e solapamento das leis de proteção ambiental efetuados pelo agronegócio “pop” e pelos congressistas mais reacionários da história do Brasil, tudo antecipando o atual quadro que hoje nos choca, mas que foram precedidos por secas no Norte (Amazônia) e enchentes no Sul até fins do ano passado (em setembro 2023 já houve enchentes do mesmo Rio Grande do Sul), entre outros graves avisos, todos desconsiderados ou minimizados pela mesma mídia que os divulgam.

O fato é que a natureza sempre busca o equilíbrio diante da realidade provocada pelos homens. E se atacamos os meios naturais que possuem seus próprios meios de homeostase e equilíbrio dinâmico, o sistema geofísico e ecológico buscará se adequar dramaticamente à violência a que foi submetida pelo sistema econômico insano que, se antes atingia cruelmente pessoas, agora envolvem todo o sistema de seres vivos que constituem a biosfera da Terra. Mas o fato mais grotesco, como aponta Daniel Jeziorny em seu artigo A tragédia gaucha e a arte de cegar 1, é que

Quanto mais se publica sobre este novo desastre, mais se esconde o essencial: o colapso do clima pode ser evitado; basta nos livrarmos do sistema que o produz. Para que isso permaneça ofuscado, os noticiários nos inundam de banalidades

Sim, é verdade que a tragédia no Rio Grande do Sul, em suas proporções apocalípticas, emocionou e mobilizou o bom coração do nosso povo. Atos heroicos expressos em movimentos de ajuda e solidariedade advindas de mãos voluntárias e doações espontâneas de todo o país demonstram a disposição de ajuda das pessoas, mesmo diante das criminosas ações de desinformação e fake news oportunistas para fins políticos e interesses particulares… E isso, tanto a solidariedade quanto as narrativas deturpadas da extrema direita, se manterá ao menos enquanto a imprensa ainda focar as dores e a destruição que ocorre no Sul antes de serem substituídas pelas próximas manchetes e chamadas midiáticas mais ou menos superficiais para outros dramas surrealistas e tragédias, sem aprofundarem na conscientização das causas humanas das mesmas.

Mas, malgrado a dor, a tragédia é um momento dramático extremo que abre uma fenda na rotina mecanicista de nossos tempos para fazer ao menos parte das pessoas pararem para pensar ante o erro de se acreditar que o que ocorre no Sul se resume a uma catástrofe puramente natural. É o momento chocante para se refletir sobre as ações humanas, os avisos da natureza, os alertas da ciência e o crescimento das desigualdades socioambientais para se ter consciência de que a tragédia possui origem humana, mais especificamente na estrutura das relações de produção do atual estágio do capitalismo. Portanto, não há como escapar de politizar o debate sobre os eventos que levaram às inundações do Sul.

Contra a conscientização crítica da ação antropogênica na degradação ambiental surge, é óbvio, a reação de negacionistas atrelados aos interesses econômicos dos principais responsáveis pela agressão à natureza em todos as esferas, especialmente entre os dirigentes das grandes empresas financiadoras dos políticos que legislam ou destroem leis de proteção ambiental e que se sentem bem na situação de privilégio construída sobre um modelo de exploração ecológica e humana, bem adaptados ao conforto material que o dinheiro pode comprar. Contudo, por mais que se tente banalizar e normalizar a avalanche de perturbações climáticas, a irrupção de eventos extremos como inundações em grandes cidades (já que em pequenas cidades, especialmente do interior, chamam menos atenção), as ondas de intenso calor e de secas severas em ambientes antes conhecidos pela umidade e frequência de chuvas, os grandes incêndios, os furacões e tornados e o envenenamento da terra, águas e plantações constituem fatos nacionais e mundiais inegáveis. E, bem ou mal, está o espaço dos mais reativos a esses eventos está sendo atingidos e, apavorados, parecem querer ainda mais impor uma negação e uma legislação ecocida e genocida contra Gaia, a Terra viva que sustenta a vida.

É ainda Daniel Jeziorny que nos alerta:

A humanidade se depara com uma ameaça real, concreta, que talvez pela primeira vez a coloque diante de uma encruzilhada na qual não possa garantir que o futuro será melhor que o presente. A despeito da recalcitrância de teorias conspiratórias e dos escusos interesses de grupos econômicos e negacionistas, há muito a ciência alerta ao agravamento das variáveis que influenciam o aquecimento global, tais como a emissão de gases de efeito estufa, a diminuição da permafrost, a acidificação dos oceanos e o desmatamento de florestas e outros biomas ao redor do planeta. A verdade é que, quanto ao devir da civilização humana no Sistema Terra, projeções de coletivos científicos são cada vez mais sombrias.

E o que tem os espíritas, católicos, evangélicos e agnósticos a ver com isso? Bem, “muito será cobrado a quem muito foi dado”. Aos espíritas, em sua maioria, por exemplo, não faltaram meios de instrução e educação. A própria filosofia espírita impõe uma responsabilidade socioambiental a partir de uma amplidão de perspectiva espiritual que, ao menos em teoria, deveria se refletir na ação de conscientização e transformação pela justiça sócio ambiental, a maior de todas as formas de caridade, que possibilitaria meios reais para a justiça social, partilha, caridade para com os animais e vegetais e, assim, melhoria do ambiente mais amplo para minimizar tragédias ambientais e humanas, incluindo a desigualdade, participando os espíritas, de fato, na evolução do planeta como um todo. 

Há, portanto, a responsabilidade dos espíritas para, em primeiro lugar, o estudo e a conscientização das causas das emergências climáticas que, junto om as causas das desigualdades sociais, também são fatores que impedem a espiritualização e evolução da Terra, como um todo, e, em segundo lugar, ajudar a promover coletivamente a conscientização de que somos filhos e dependentes da Terra e do Clima, enquanto seres encarnados, irmanados a todos os demais seres vivos, filhos e filhas do mesmo Pai/Mãe divino

Como escreve o eco-ativista e teólogo Leonardo Boff em seu artigo A conta chegou: a tragédia climática no Rio Grande do Sul2,

O próprio ser humano percorreu várias etapas em seu diálogo com a natureza: inicialmente predominava uma interação pacífica com ela; depois passou a uma intervenção ativa nos seus ritmos, desviando cursos de rios para a irrigação, cortando territórios para estradas; passou para uma verdadeira agressão da natureza, precisamente a partir do processo industrialista que se aproveitou dos recursos naturais para a riqueza de alguns à custa da pobreza das grandes maiorias; esta agressão foi levada por tecnologias eficientes a uma verdadeira destruição da natureza, ao devastar inteiros ecossistemas, pelo desflorestamento em função da produção de commodities, pelo mau uso do solo impregnando-o de agrotóxicos, contaminando as águas e os ares.

Este humilde artigo não pretende ser apenas mais um escrito elaborado no momento de uma tragédia ambiental, mas um pequeno chamado à reflexão. E, aqui, ao final, penso ser conveniente dar à palavra à sabedoria de um representante dos povos originários das Américas, por meio do discurso que foi dito pelo Cacique Duwamish Seattle (1787-1866), endereçado ao presidente norte-americano Franklin Pierce que buscava comprar ao território da tribo em 1854, e que se tornou famoso pela sua lúcida profundidade e espiritualidade ecológica3:

O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e sua benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Porém, vamos pensar em tua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra.

O grande chefe em Washington pode confiar no que o chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alternação das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha para nós. Nós não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água. Como podes então comprá-los de nós?Decidimos apenas sobre o nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias arenosas, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual a outro. Porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de exauri-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo dos seus pais, sem remorsos de consciência. Rouba a terra dos seus filhos. Nada respeita. Esquece a sepultura dos antepassados e o direito dos filhos.

Sua ganância empobrecerá a terra e vai deixar atrás de si os desertos. A vista de suas cidades é um tormento para os olhos do homem vermelho. Mas talvez isso seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende. Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem da primavera ou o tinir das asas de insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é para mim uma afronta contra os ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo, à noite?

Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho da água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho. Porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar - animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo ele é insensível ao seu cheiro. Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso do que um bisão que nós, os índios, matamos apenas para sustentar nossa própria vida.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo que fere a terra fere também os filhos da terra. Os nossos filhos viram seus pais serem humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, e envenenam seu corpo com alimentos doces e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, até mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que tem vagueado em pequenos bandos nos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos que o homem branco talvez venha um dia a descobrir: - O nosso Deus é o mesmo Deus! - Julgas, talvez, que o podes possuir da mesma maneira como desejas possuir a nossa terra. Mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer bem igualmente ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu Criador. O homem branco também vai desaparecer talvez mais depressa do que as outras raças. Continua poluindo tua própria cama, e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos! Depois de abatido o último bisonte e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, e quando as colinas escarpadas se encherem de mulheres a tagarelar - onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará o adeus à andorinha da torre e à caça, o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Talvez compreenderíamos se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar os desejos para o dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os últimos dias conforme desejamos.

Depois do último homem ter partido e a sua lembrança não passar de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças como era a terra quando dela tomaste posse. E com toda tua força, o teu poder, e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."

1JEZIORNY, Daniel Lemos. A tragédia gaúca e a arte de cegar, publicado no site Outras Palavras, em 09 de maio de 2024, acessível em https://outraspalavras.net/crise-brasileira/tragedia-gaucha-e-a-arte-de-cegar/

2BOFF, Leonardo. A conta chegou: a tragédia climática no Rio Grande do Sul, publicado no site ICL Notícias, acessível em https://iclnoticias.com.br/a-conta-chegou-a-tragedia-climatica-no-rs/

3A presente versão do discurso do Cacique Seattle econtra-se no site da Bilbiotea FUNAI, em http://biblioteca.funai.gov.br/media/pdf/Folheto43/FO-CX-43-2698-2000.pdf


As crianças, os adolescentes e as telas das redes sociais, por Dora Incontri

 

Essa aceleração do mundo capitalista é nefasta, é predatória das relações humanas mais profundas, como as relações devem ser.


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As crianças, os adolescentes e as telas

por Dora Incontri, no Jornal GGN

Prometi para essa semana um texto sobre esse problema enorme que enfrentamos no campo da educação das novas gerações: o celular, o tablet e daqui a pouco serão os aparelhos em que mergulharemos em realidades virtuais 3D. Já existem, mas ainda não estão acessíveis e popularizados.

A questão está sendo debatida no mundo. Recentemente, a Suécia reintroduziu livros físicos nas escolas. Não havia mais! Pesquisas dizem que há uma redução cognitiva nos jovens atuais, em relação a seus pais e avós. Depressão, ansiedade, falta de concentração, adoecimentos psíquicos vários, automutilação e até o aumento de suicídios entre adolescentes e mesmo entre crianças revelam um quadro preocupante. O livro A geração do quarto: Quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar de Hugo Ferreira Monteiro, lançado em 2022 e que virou um best-seller, põe a mão na ferida, em entrevistas feitas com adolescentes do Brasil inteiro, a maioria com diversos problemas psíquicos. E um diagnóstico terrível: as novas gerações preferem ficar trancadas em seus quartos digitando, jogando, a procurarem relações presenciais, olho no olho, com toque, com o pé no chão.

O bombardeio de imagens, a rapidez das informações e, sobretudo, o mundo de desinformação, má formação e deformação a que estão submetidos e mesmo entregues as crianças e adolescentes, não encontra muitas vezes um contraponto na educação da família e da escola. Porque a família anda ausente. Os pais não têm tempo, muitas vezes igualmente são viciados nas telas, trabalham demais e quando descansam, descansam também no celular. Refeições em família são coisa do passado e oportunidades de diálogo diário, de um olhar atento para os filhos também estão longe da realidade.

A escola, por sua vez, como já analisei aqui no artigo passado, continua em grande parte desinteressante, passiva, conteudística. Não engaja, não atrai e não promove uma ação participativa. Não trabalha o emocional, o afetivo, a comunidade, as relações. Há exceções, claro. Há pais, educadores e psicólogos preocupados com tudo isso e procurando caminhos de solução.

Mas o cenário se apresenta tenso. Muito adoecimento psíquico e nos piores casos, o aliciamento de crianças e adolescentes pela Dark Web para ações violentas, como já se deram vários casos de tiroteios nas escolas, e para abusos sexuais virtuais.

O que fazer então? Precisamos de mudanças estruturais na sociedade. Essa aceleração do mundo capitalista é nefasta, é predatória das relações humanas mais profundas, como as relações com as crianças e adolescentes devem ser. O estar perto, o diálogo aberto, o passar tempo junto (não adianta alegar essa balela de tempo curto, mas de qualidade – amor para ser cultivado, para se conhecer plenamente o outro e cuidar dele, requer tempo mesmo). A restrição das telas é uma necessidade urgente. Mas não adianta vir com proibições arbitrárias, quando não se oferece algo consistente em troca e desde cedo se estabeleçam rotinas de passeios, de vivências culturais, e sobretudo do prazer da convivência.

Recorramos a Rousseau, que já no século XVIII, muito antes de todas as telas, falava dos problemas da civilização e pregava uma volta à natureza: em ambos os sentidos – o quanto temos necessidade de respirar o ar das montanhas e mergulhar os pés no mar e o quanto precisamos voltar à nossa natureza interna, de seres sociais, que vivem pelo afeto, pela relação e não trancafiados no quarto, jogando nas telinhas.

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

Porto Alegre, a cidade ‘case’ do estado mínimo neoliberal pró-bancos, empresários e elites de direita e a tragédia das enchentesem artigo de Leandro Demori

 

"Você imagina algum imbecil matando o órgão que cuida da estrutura antienchente de Veneza?" Pois fizeram isso em Porto Alegre


Do ICL Notícias:


Por Leandro Demori

Em sua coletiva na tarde de quinta-feira (23), quando a cidade naufragava mais uma vez e crianças de colo eram tiradas de uma creche na zona sul – com os pais se arriscando com água até o peito –, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, confessou de modo meio envergonhado que foi um erro extinguir o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) da capital.

Porto Alegre é o exemplo máximo de cidade tentando, há anos, ser estado mínimo. Quer um “case” de uma administração pública com estado mínimo? Olhe para Porto Alegre.

Quem acabou com o DEP foi Nelson Marchezan, o antecessor. Melo está, portanto, confessando um pecado alheio. O ex-prefeito Marchezan matou o órgão que deveria zelar pela cidade evitando alagamentos e jogou o trabalho no colo de outras autarquias, sobretudo o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), que inicialmente cuidava de esgotos, e não das águas da chuva.

Seria o equivalente a Veneza excluir o órgão público que cuida do sistema antienchentes da cidade, chamado MOSE. Para lembrar: Porto Alegre está quase no nível do mar e tem dezenas de quilômetros de diques, muros e várias bombas hidráulicas justamente pelo risco de inundação.

Dá para imaginar que alguém exclua justamente este departamento da cidade? Veja abaixo o sistema antienchente de Veneza. Você imagina algum imbecil matando o órgão que cuida dessa estrutura?

Sistema anti-enchente da cidade de Veneza, o megaprojeto MOSE se destaca pelo planejamento e visão de longo prazo, conceitos que os governantes gaúchos ignoram

Sistema antienchente de Veneza se destaca pelo planejamento e visão de longo prazo, conceitos que os governantes gaúchos ignoram

A extinção do DEP acumulou trabalho nas costas de funcionários públicos do DMAE com as promessas de sempre: mais “eficiência” e menos “gastos”.

O DMAE, claro, sofre para dar conta de tudo. Um documento assinado por 33 engenheiros e técnicos do Rio Grande do Sul afirma que o sistema de defesa contra enchentes de Porto Alegre é “robusto, eficiente e fácil de operar e manter”, mas houve falhas de manutenção porque, entre outras coisas, faltam 2.400 funcionários no DMAE.

Funciona assim na cidade “case” do estado mínimo: conforme estrangula o serviço público, “prova” que ele é ineficiente. Receita velha e conhecida.

Vejam a fala de Marchezan ao matar o DEP: aplicar o dinheiro na “vida real” das pessoas. Que vida “real”, senhor Marchezan? Acabou a vida de muita gente. Acabaram-se os negócios. A capital está no chão. Será que o senhor e o MBL – que o apoiou com métodos sórdidos – pedirão desculpas?

Com Melo, o projeto segue. Irão eliminar mais de 3 mil postos de trabalho da limpeza urbana da cidade. Quem estava e estará limpando Porto Alegre depois de passado o caos? Justamente essas pessoas. Alguma alma se convence de que há três fucking mil cargos sobranco no departamento de limpeza urbana?

 

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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Annie Lennox canta o Lamento de Dido, da Ópera Dido e Enéas, de Henry Pucell (1659-1695), em um almento pela destruição da Natureza feita pelo CaPetalismo anti-humanista e anti-ecologia

 

Do Canal de Annie Lennox:

"Quando eu estiver deitada, estiver deitada na terra,
Que meus erros não criem problemas, nenhum problema em teu peito;
Lembre-se de mim, lembre-se de mim, mas ah! esqueça meu triste destino.
Lembre-se de mim, mas ah! esqueçar meu destino."

Annie Lennox faz do Lamento de Dido, de Henry Purcell, o lamento por um planeta destruído pela ganância do capitalismo e de suas elites...

Abaixo do vídeo tem-se a letra original e sua tradução...



Exploração criminosa dos bancos: Vendedores denunciam terem sido forçados a vender cartão Itaú em esquema milionário

 

Ex-funcionários e funcionários de lojas foram coagidos a participar de uma armadilha para clientes envolvendo o maior banco privado do país, o Itaú. Mas a prática de "venda casada" de cartões (e outros produtos bancários, como seguros), apesar de criminosa, é prática comum ante o inquestionável  (pela grande mídia atrelada) "deus" mercado.

Da Agência Pública e ICL Notícias:


Por Elisangela Colodeti — Agência Pública

Ex-funcionária de uma loja da rede Ponto Frio, na região oeste de Belo Horizonte (MG), Luana* diz que se viu coagida a participar de uma armadilha para clientes envolvendo o maior banco privado do país, o Itaú.

A situação envolvia a venda casada de cartões de crédito do banco para clientes de lojas de varejo sem que eles soubessem. Essa prática foi registrada em ações trabalhistas às quais a Agência Pública teve acesso com exclusividade.

O esquema de inclusão sigilosa de seguros do Itaú começou a ser investigado em 2010 e estaria em prática até hoje. Toda a extensão do negócio está sendo revelada publicamente pela primeira vez.

Segundo essas investigações do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Itaú e grupos de varejo estariam lucrando milhões de reais com taxas abusivas de cobrança de serviços não solicitados por consumidores, por meio da fatura do Itaucard.

De acordo com o MP, empresas estariam sendo criadas para que o Itaú pudesse obter o seu controle operacional e financeiro. Enquanto isso, as lojas receberiam milhões de reais como contrapartida. A liberação de acesso a dados de clientes também faria parte da estratégia.

Vendedores de lojas denunciam que são forçados a vender seguro Itaú

Luana conta que foi contratada em uma loja do Ponto Frio em Belo Horizonte para atender clientes interessados em comprar eletrodomésticos, mas acabou sendo obrigada a vender 50 seguros do Itaucard por mês. Para isso, ela era forçada a incluir o serviço durante a aquisição do cartão de crédito do banco, sem que o cliente soubesse.

Quando passou a se recusar a participar do esquema, vieram as punições. “Meus coordenadores começaram a me humilhar em público e me mandar para lojas cada vez mais longe da minha casa. Acabei pedindo demissão”, conta.

Em Goiânia (GO), o atendente de crediário Pedro* procurou a Justiça com uma queixa parecida, porém envolvendo a rede de supermercados Extra. Em depoimento, ele disse que era obrigado pelo supervisor e pelo gerente-geral da loja a realizar a venda casada do Itaucard com o seguro “cartão protegido”, para casos de perda e roubo, por exemplo. “Cerca de 60% a 70% dos vendedores agem de modo que não informam aos consumidores adequadamente sobre os produtos vendidos, tendo em vista a meta a ser cumprida.”

Na loja Marisa, do Shopping Flamboyant, ainda em Goiânia, a operadora de caixa Letícia* também teria sido forçada a bater metas diárias de venda do Itaucard. Em depoimento, ela contou que “era oferecido o seguro e, mesmo quando o cliente recusava, o seguro era inserido sem seu consentimento. Em muitas ocasiões, ciente de que o cliente ia recusar o seguro, ela embutia o serviço automaticamente”. Além disso, caso ele descobrisse a fraude, a ordem era não retirar o seguro e redirecionar o comprador para uma central, que também dificultaria o cancelamento.

As práticas descumprem determinações do Código de Defesa do Consumidor que, além de proibir a venda casada, garantem o acesso do cliente às informações sobre as aquisições. Segundo o Código Civil, os distratos devem poder ser feitos da mesma forma como o contrato foi firmado. No caso, presencialmente.

Os vendedores, que tiveram reconhecido o vínculo trabalhista com o banco, entraram com ações judiciais entre 2014 e 2018. Campo Grande (MS), Canoas (RS), Porto Alegre (MS) e Contagem (MG) são algumas outras cidades que aparecem em processos reunidos pelo MPMG.

3 milhões de brasileiros podem ter passado por esquema, diz MP

Em 2018, de acordo com relatório do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), foram encontradas mais de 450 mil reclamações contra o Itaú e seus correspondentes bancários. Só para os assuntos “cartão de crédito”, “cartão loja” e “seguro” foram localizadas mais de 32 mil reclamações nos Procons de todos os estados do país.

Foi em 2018 que o MPMG decidiu, diante das acusações, iniciar uma tentativa de conciliação com o Itaú, que ainda não tem previsão para terminar.

Segundo uma perícia encomendada pelo órgão, há seis anos, o custo médio das mensalidades dos seguros vendidos irregularmente era de R$ 10,50. Apenas entre 2010 e 2017, segundo o MPMG, 3 milhões de brasileiros podem ter sido vítimas do golpe e o proveito econômico do banco com a prática pode ter ultrapassado a casa dos R$ 3 bilhões.

Por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte, foi proposto um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O documento elenca uma série de medidas que obrigariam o Itaú, entre outras ações, a cessar imediatamente a prática ilícita, ressarcir as vítimas e, além disso, destinar, por dano moral coletivo, R$ 100 milhões ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor.

Dois meses depois, sem que houvesse acordo, o Itaú encaminhou sua defesa, nesse momento, judicialmente, à 5ª Vara Cível de Belo Horizonte. Sem reconhecer os atos ilícitos, o banco considerou a imposição de sanções descabida e afirmou que somente seria possível um ajustamento muito aquém daquele proposto pelo MP.

Ainda segundo a defesa, equívocos podem acontecer, porém a venda de seguros sempre teria sido feita de forma legal, com o conhecimento dos consumidores.

Além disso, de acordo com o documento, a Promotoria usou coletas de dados genéricas, “provas imprestáveis”, e processos de pessoas que desejariam tirar proveito do banco em suas ações trabalhistas.

Ministério Público denuncia conluio entre empresas

A investigação, conduzida pelo promotor de justiça do MPMG, Glauber Tatagiba, indica que poderia haver um arranjo entre empresas que, apesar de não ser ilícito, possibilitaria a venda de seguros embutidos, por meio dos cartões Itaú.

Por meio do Relatório de Análise do Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD), o MP mineiro afirma que grandes grupos comerciais do varejo se vincularam ao Itaú para obter vantagens comerciais.

Segundo o MPMG, em cada parceria seriam criadas empresas, ou associações, cujas decisões operacionais e financeiras ficam a cargo do banco. Em contrapartida, os grupos receberiam quantias milionárias, em contratos firmados por anos.

Como exemplo, o documento cita o caso das Lojas Marisa. Em 2008, pela criação do cartão de crédito Marisa-Itaú e cessão da exclusividade do uso da base de dados de clientes, a rede teria recebido R$ 120 milhões.

Nessa época, o Código de Defesa do Consumidor já determinava que os clientes devem ter acesso a informações arquivadas sobre eles, bem como sobre as suas origens.

Uma outra associação seria a do Itaú com o Magazine Luiza, que gerou o Luizacred. Em 2011, a empresa financeira controlada pelo banco teria ficado com a exclusividade de exploração dos canais de distribuição dos produtos de crédito. Em contrapartida, o Magazine Luiza teria recebido R$ 48 milhões.

O MPMG cita ainda a Via Varejo (atualmente, Via), responsável pela administração das Casas Bahia, do Ponto Frio e do supermercado Extra, entre outros. O Itaú operaria nesse grupo por meio de empresas como a Financeira Itaú CBD S.A., Fic Promotora de Vendas Ltda., Banco Investcred Unibanco e Zurich Minas Brasil Seguros. Apenas com esta última seguradora, um contrato celebrado em 2014 para garantia estendida nas lojas por oito anos teria rendido R$ 850 milhões ao grupo varejista.

Além dessas associações, a investigação apontou uma “dança” entre empresários, nas organizações. Segundo o MP, os nomes se repetem em altos cargos, tanto das instituições financeiras quanto das empresas do ramo comercial.

Esses seriam indícios do modus operandi que possibilitaria a influência do banco sobre as lojas e que culminaria na venda de seguros sem consentimento dos consumidores por meio de cartões de crédito.

O banco Itaú alega que, por serem associações legítimas, os fatos expostos não passam de conjecturas. Segundo a defesa, “são sugestões pouco claras e as relações criadas por meio de fios condutores pouco nítidos levam a conclusões diferentes do que se vem travando nos autos”.

Banco é condenado em primeira instância

Em setembro de 2021, depois de várias idas e vindas em recursos judiciais, o juiz Nicolau Lupianhes Neto, da 5ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, reconheceu a prática abusiva do Itaú e proferiu uma sentença que, entre outras condenações, determinou que o banco declare e encerre a prática, disponibilize no site cópia dos contratos oferecidos aos consumidores, restitua em dobro todos que tiveram valores cobrados indevidamente, bem como aqueles que não tenham conseguido cancelar produtos ou serviços autorizados.

Por outro lado, apesar de o MPMG, ao longo do processo, ter concordado em aplicar uma indenização mínima de R$ 2 milhões, a sentença fixou o valor para o dano moral coletivo em R$ 500 mil, a serem destinados ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor.

O Itaú avaliou a condenação como injusta, uma vez que nega haver qualquer tipo de conduta criminosa. O banco recorreu pedindo a anulação da sentença.

Já o MPMG recorreu considerando a multa baixa. O promotor de justiça Glauber Tatagiba argumentou que o Itaú, naquele momento, possuía um ativo total superior a R$ 2 trilhões e que, portanto, a sentença não apresentava fundamentos para redução da indenização.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrou no processo, pedindo que o juiz acolhesse o posicionamento da promotoria e alertando a Justiça para as possíveis distorções de fatos processuais que estariam levando a um equívoco na sentença.

Ainda assim, em maio de 2022, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve sua decisão. Desde 28 de agosto de 2023, os autos foram remetidos em grau de recurso para instância superior.

Empresas de varejo citadas no processo judicial foram processadas administrativamente, em razão dessa conduta, segundo o MPMG. A Pública teve acesso ao relatório de 2022, do Procon-MG, que considerou a Cia Brasileira de Distribuição (Extra) também responsável pela venda de seguro não solicitado, com multa no valor de R$ 10 milhões. A empresa foi condenada em primeira instância.

Indícios de manutenção da prática abusiva

Só no último trimestre de 2023, o Banco Central do Brasil registrou 6.023 reclamações contra o conglomerado Itaú. A grande maioria relacionada a irregularidades relativas à integridade, confiabilidade, segurança, sigilo ou legitimidade das operações e serviços referentes a cartões de crédito.

Nos sites de empresas citadas na reportagem, como a Marisa, o Extra e o Ponto Frio, é possível verificar a venda do Itaucard. Vários outros grupos também aparecem na página do banco, com parcerias parecidas.

Por exemplo, as operadoras de telefonia Vivo e Tim, o grupo de supermercados Pão de Açúcar, a fabricante de aparelhos eletrônicos Samsung, as empresas de passagens aéreas Latam e Azul e o Instituto Ayrton Senna.

Anuidade gratuita, programa de milhas e descontos de fidelidade estão entre os benefícios anunciados para convencer os clientes a adquirir o cartão, nas bandeiras Mastercard, Hipercard ou Visa.

Segundo o site, não é preciso ter conta corrente no banco. Basta escolher “o cartão que dá match com você” e finalizar o processo pela internet.

Esses fatos, isoladamente, não indicam vendas casadas e abusos contra os consumidores. Porém, pelo número de reclamações e similaridade entre relatos recentes de consumidores, o promotor de justiça Glauber Tatagiba é enfático ao dizer que a prática abusiva ainda faz vítimas.

“Muitos consumidores sequer sabem que estão sendo lesados, pois não têm conhecimento da contratação do seguro. Outros acabam deixando a cobrança acontecer, diante dos entraves para cancelamento. É preciso que os cidadãos tomem conhecimento dos fatos e denunciem, busquem a Justiça”, alerta.

Em nota, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais informou que os juízes não comentam decisões de processos em curso.

Outro lado

O banco Itaú disse que recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça e aguarda julgamento, não havendo ainda decisão final. O banco reforça que atua de forma ética e transparente com relação aos seus clientes, atendendo à legislação e mantendo suas equipes alinhadas com essas práticas.

A Marisa esclareceu que segue rigorosamente as melhores práticas na oferta de serviços ao consumidor e que não comenta casos judiciais em andamento.

Já o Magazine Luiza informou que não é parte da referida ação e recorre de autuação aplicada pelo órgão em 2020, baseada na mesma alegação. Segundo a resposta da empresa, “um dos pilares da cultura do Magalu é ‘o certo é certo’.

Por isso, a empresa tem uma série de mecanismos que evitam a venda de serviços sem autorização do cliente, com treinamento e conscientização de seus colaboradores e até aplicação de penalidades quando identificada alguma infração. Além disso, conta com canais para denúncia e um ágil processo de cancelamento, caso o cliente solicite”, informou.

O Grupo Casas Bahia, que representa o Ponto Frio e o supermercado Extra, não respondeu ao nosso contato.

A Seguradora Zurich esclareceu em nota que não pertence a nenhum grupo econômico financeiro ou de varejo, sendo empresa do Grupo Suíço Zurich, e desconhece o processo citado. A empresa respondeu que a companhia é de origem Suíça, com mais de 150 anos de existência no mundo, e tem operações no Brasil há várias décadas, com estrita observância a todas as normas legais e regulatórias, com transparência e rígida governança.

A empresa de telefonia Vivo disse que está em contato com a instituição financeira para solicitar esclarecimentos e acompanhar o caso.

As companhias aéreas Latam e Azul, a Samsung e o Grupo Pão de Açúcar disseram que não vão comentar o assunto.

O Instituto Ayrton Senna disse que não possui informações sobre a denúncia e que a parceria com o Cartão Instituto Ayrton Senna Itaú tem como finalidade destinar recursos aos projetos e pesquisas voltados ao desenvolvimento integral de crianças e jovens em todo o Brasil. A nota afirma, ainda, que a parceria se consolida de forma ética e transparente, atendendo à legislação e mantendo suas equipes alinhadas com essas práticas.

A telefônica Tim não respondeu aos nossos e-mails.


quinta-feira, 23 de maio de 2024

Cabeça de papel... a imposição de militares "ensinando civilidade" a civis por parte de Tarcísio, o bolsonarista maquiado de moderado pela direita e sua mídia

 

 "Não é filme. Estas foram cenas da vida real, aconteceram na última terça-feira, 21/05, há dois dias da data de publicação deste texto. Agora o plot twist, no jargão dos roteiristas, a “virada”: os estudantes protestavam contra o Projeto Complementar 9/2024, que cria o Programa Escola Cívico-Militar, uma proposta do governador Tarcísio de Freitas que deseja, veja só, que militares ensinem civilidade." Afirma a jornalista e escritora Eliane Alves Cruz

Do site ICL Notícias:


Cabeça de papel

É alto o potencial de caos na mistura de educação com noções que podem fazer algum sentido dentro de um quartel

“Marcha soldado/ cabeça de papel/ 
se não marchar direito/ vai preso pro quartel”

Cena 1: estudantes, professores e sociedade civil protestam na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Cena 2: uma parede de escudos escuros guarda atrás dezenas de policiais. Gás de pimenta, gritos, dispersão.
Cena 3: policiais agridem dezenas de estudantes e prendem seis para, segundo a Secretaria de Segurança Pública, “garantir a segurança”.

Não é filme. Estas foram cenas da vida real, aconteceram na última terça-feira, 21/05, há dois dias da data de publicação deste texto. Agora o plot twist, no jargão dos roteiristas, a “virada”: os estudantes protestavam contra o Projeto Complementar 9/2024, que cria o Programa Escola Cívico-Militar, uma proposta do governador Tarcísio de Freitas que deseja, veja só, que militares ensinem civilidade.

O projeto objetiva a REDUÇÃO da violência em regiões de vulnerabilidade e a melhoria da qualidade do ensino medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), além do enfrentamento à violência e a promoção da cultura de paz no ambiente escolar. PAZ …

Livres dos incômodos protestos e da “interferência” da sociedade que dizem representar, a maioria dos deputados da Alesp aprovou o modelo e a expectativa é que de 50 a 100 escolas o adotem no Estado.

Lugares de vulnerabilidade social, com altos índice de reprovação e evasão. Lugares onde o poder enxerga um celeiro de problemas, nunca um potencial de futuro em jovens que merecem o mesmo acesso a dignidade de outras áreas que não atendem a este “perfil”.

O projeto tem a previsão de uma consulta à população, a comunidade escolar e blá, blá, blá. Está no texto que a implantação do novo modelo não exclui programas da Secretaria de Educação em andamento nas escolas.

A proposta é complementar as ações pedagógicas compartilhando com os estudantes valores como civismo, dedicação, excelência, honestidade e respeito.

Respeito? Civismo? Honestidade?

Não é preciso ser grande especialista em Educação para ver que, na prática, o campo de guerra está instalado, pois mesmo que o projeto pedagógico esteja no controle da Secretaria de Educação, a perspectiva é de uma trombada de frente, um choque metodológico, ideológico, cultural e, ainda por cima, geracional. Um militar da reserva será introduzido na escola como monitor para “desenvolver atividades extracurriculares na modalidade cívico-militares, de organização e segurança escolar”, seja lá o que isso for.

É alto o potencial de caos na mistura de educação com noções que podem fazer algum sentido dentro de um quartel, mas em uma sala de aula de periferias já feridas e estigmatizadas pelas mesmas forças que priorizam o diálogo pela linguagem do tapa na cara e da bala? Que cidadania podem ensinar instituições adestradas para não lidarem com palavras e argumentação, apenas com agressão e punição?

Dentro de um sistema supostamente democrático, protestos não violentos são atos de cidadania. Pois então, o dia da votação já é uma amostra grátis e uma metáfora do que o próprio projeto anuncia: a supressão do ser humano em favor da falsa noção de ordem e do que seja uma nação. Afinal, antes de salvar a vida, que se acuda o símbolo.

“Marcha soldado/ cabeça de papel/ 
se não marchar direito/ vai preso pro quartel.
O quartel pegou fogo/ a polícia deu sinal/
Acode, acode, acode, a bandeira nacional”