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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Expressão, Democracia, Liberdade, Religião e Excessos

 

Expressão, Democracia, Liberdade, Religião e Excessos

Tempo de leitura: 5 minutos

Marcelo Henrique, Nelson Santos e Manoel Fernandes Neto

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil


Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
(“Bom Conselho”, Chico Buarque, 1972).

Domingo, 25 de fevereiro de 2024. Raiou o dia. Um dia que poderia ser considerado por muitos, como alguns outros, como capaz de “dividir” a história. Ou será que a história já está dividida há tempos? Possivelmente…

Na paulista, neste dia, a partir das 15h – mas com a concentração desde antes, provavelmente desde que a manhã despontou, na Pauliceia Desvairada, estiveram, segundo levantamento da USP (Universidade de São Paulo), com fotos aéreas e auxílio de um software especializado, cerca de 185 mil pessoas, no momento de “pico”. Como poetizou Chico Buarque, quem lá esteve vivenciou o “vou pra rua e bebo a tempestade”.

Manifestações populares sempre foram – e serão – uma forma de expressão e democracia, assim como de liberdade (essa condição que, embora nem todos lembrem o que viveram ou o que constataram em livros, filmes, documentários ou reportagens, não se viu entre 1964 e 1979). Mas que foi resgatado, por exemplo, nos imensos e marcantes comícios do “Diretas Já”, entre março de 1983 e abril de 1984, para restabelecer o sufrágio universal para o cargos de Presidente e Vice, da República brasileira.

Ultimamente, contudo, diante do retorno de uma polarização que se viu no pré-1964 (mais precisamente após a renúncia do Presidente Jânio Quadros e a discordância de que seu vice, João “Jango” Goulart, fosse quem completaria o mandato, inclusive com a “aventura” parlamentarista malsucedida, que desembocou num Golpe (Militar) de Estado, é preciso muito (mais) cautela!

Afinal, junto aos ingredientes antes mencionados (Expressão, Democracia e Liberdade), temos um elemento fortemente perigoso e despropositado que é o da inserção de valores religiosos de determinada(s) igreja(s) no menu da preferência político-partidário-ideológica e nos contextos que a vida democrática permite.

O receio principia com o bordão escolhido para representação desse segmento: “Deus, Pátria e Família”. No curso da História, quando se misturaram os interesses de Mamon e de Deus, ou seja, as motivações materiais e as espirituais, os resultados não foram nem um pouco bons. Em “nome de Deus”, muitas atrocidades, perseguições, separativismos, preconceitos e violência moral e física foram praticados. Inclusive por representantes religiosos ou líderes de igrejas ou seitas.

Lembremos que as pessoas, antes do golpe, com tal motivação, cognominados historicamente como os da Marcha pela Tradição, Família e Propriedade (TFP), também tinham, entre seus dísticos o bordão que mencionamos acima e repetimos, para que ele não seja, jamais, esquecido ou minimizado: “Deus, Pátria e Família”.

Dissecando-o, temos:

Deus. Que Deus? Qual Deus? Que configuração é dada a ele? O Deus de “uma” religião, ou de todas. O Deus-humano religioso ou o Deus-Universo-Criador, impessoal e que não é “propriedade” de nenhuma crença? E, por conseguinte, admitindo que seja uma configuração divina moldada pela religião, como ficariam os demais, partidários de outras crenças ou os que não partilham nem praticam qualquer fé manifesta e organizada, mas acreditam na essência universal?

Pátria. Que pátria? A da bandeira político-territorial ou a que expressa a condição isonômica de seres humanos que vivem num mesmo planeta, a Terra? A pátria que faz com que os adeptos de esportes de variados tipos “torçam” pelas cores nacionais, visando derrotar as demais? Ou a que guarda respeito e vínculo com o lugar onde se nasceu, mas que respeita todos os povos e todas as nações (inclusive as que, ainda, não tem território)?

Família. Que família? A natural, baseada na filiação e nos laços de relacionamento e sobrenome, ou a família das verdadeiras amizades, que não está albergada em laços consanguíneos ou de afinidade jurídica? Ou seria uma ideia de família distinta de ambos os quadrantes acima, para enquadram os que pensam similarmente, e se encontram reunidos sob uma mesma crença religiosa?

Bases filosóficas e sociológicas apontam para conceitos e vivências bem específicas.

Sobre Deus, deve-se respeitar a crença (e a não-crença) em um ser divino, bem como devem conviver harmônica e respeitosamente os distintos posicionamentos da fé dos indivíduos. Sobre Pátria, todos derivamos de uma mesma origem e, mesmo com o aparecimento do homem em distintos lugares do orbe, configurando grupos étnico-sociais e firmando a delimitação territorial, igualmente o respeito e o reconhecimento das unidades pátrias, pregando e promovendo, assim como garantindo a paz social planetária. Sobre família, a garantia do reconhecimento das uniões entre as pessoas e a proteção, em distintos setores do Direito, em termos de vínculos conjugais, a priori, e das familiaridades decorrentes, igualmente se preserva o direito à associação e à vinculação, por motivações (pacifistas) distintas, dentro da ordem pública.

Sendo, ainda mais específico, em termos de abordagem filosófica, os fundamentos do Espiritismo nos apontam para esses conceitos:

1) Deus – “causa primeira de todas as coisas”, “eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom” (itens 1 e 13, de “O livro dos Espíritos”, conceito, como todos os demais, circunstancial à segunda metade do Século XIX). Religiosamente inspirado, pois decorre do progresso da Humanidade e da ascendência das Igrejas sobre os Espíritos, aponta para um ser dotado de plena perfeição, de polaridade masculina (“o” Deus) e com atributos superiores mas idênticos aos dos seres humanos. Contemporaneamente, todavia, é possível um afastamento desta concepção prioritária de um ser masculino que criou todos “à sua imagem e semelhança”, mas admitindo uma ideia de força-motriz do Universo, sem natureza masculina ou feminina.

2) Pátria – “Para os Espíritos elevados, a pátria é o universo. Na Terra, a pátria, para eles, está onde se ache o maior número das pessoas que lhes são simpáticas” (item 317, de “O livro dos Espíritos”). Isto significa que, embora se haja afeição pela origem (naturalidade) no contexto físico, tal ideia não importa o combate ou o menosprezo às distintas nacionalidades nem a “pregação” no sentido de superioridade (“terra prometida”, “verdadeira pátria”, “povo de Deus”, “coração do mundo”, “pátria do Evangelho”, “terra de promissão” – elementos marcantes nas religiões cristãs e no segmento dito religioso do meio espírita, até majoritário).

3) Família – “a vida social é natural” pois “o homem deve progredir”, os “laços de família” são de ordem “moral” e, portanto, os “liames sociais são necessários ao progresso e os laços de família resumem os liames sociais” (itens 766, 768, 773 e 774, de “O livro dos Espíritos”). Assim sendo, reforça-se a noção de família como célula primária social, geratriz (filiação biológica) ou acalentadora da vida (filiação por adoção), mas alarga-se o conceito de família, para compreender todos os laços sociais, independentemente de crença, preferências ideológicas, filosóficas e políticas.

Preocupa-nos, então, sobremaneira o tom e o colorido da manifestação domingueira ocorrido no último domingo, em razão dos arroubos e dos excessos e, mais particularmente, do petitório no sentido de ANISTIA AMPLA aos manifestantes de 8 de janeiro de 2023 e, também, a todos os “laureados” civis e militares, com posições destacadas nos poderes públicos (Executivo, Legislativo e Forças Armadas), circunstância que não contribui em nada para a tríade Expressão, Democracia, Liberdade. Os excessos a que nos referimos no título são altamente danosos ao Estado Democrático de Direito e à liberdade de exercício da expressão dos brasileiros. Uma nação que se reputa como democrática permite a livre manifestação, mas dentro dos limites constitucionais-legais. E a “chamativa” por Deus, quase uma evocação coletiva dos manifestantes, não respalda nem concede imunidade a nenhum manifestante.

Ainda que tenha sido, pela leitura midiática que nos informou durante todo o domingo e na segunda feira imediatamente após, respeitosa e pacífica, a sua motivação bem como o discurso anistiável, este espúrio, inconstitucional, imotivado e impossível – devem estar sujeitas aos rigores da lei humana, inclusive informando os inquéritos da Polícia Federal brasileira, em andamento. Como, também, são afrontadores aos delineamentos das Leis Espirituais Universais que alcançam a todos!

O Brasil clama por Justiça, em relação a todos os atos prévios à eleição de outubro de 2022, alcançando os atos do citado 8 de janeiro, e os supervenientes. E o povo brasileiro ainda espera por uma Justiça Social efetiva, a qual principia, neste momento, pelo processamento e condenação de todos os envolvidos!

Eis o que esperamos da Justiça dos Homens, porque sabemos, como espíritas, que a Justiça Divina alcança, sem a execução humana, todos os atos espirituais!

Viva a paz! Viva o Brasil! Viva a Terra!

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