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domingo, 21 de janeiro de 2024

Conectando religião e política (ante o avanço do fascismo da extrema direita), por Dora Incontri

 Veja o vídeo e, logo depois, leia o texto de Dora Icontri publicado no Jornal GGN.

Vídeo: 


Do Jornal GGN:


No caso de quem se diz cristão fica fácil fazer essa ponte, se houver um real entendimento da mensagem do Cristo


Fotomontagem Jornal da USP

Conectando religião e política

por Dora Incontri

Retomo essa coluna, que tive de parar por causa de um tratamento de câncer, mas reavivo sua proposta de maneira mais ampla. Antes, ela se chamava Espiritismo progressista, agora: Conexões – espiritualidade, política e educação. Não deixarei de trazer a voz do espiritismo kardecista, mas estabeleço um diálogo com outras formas de espiritualidade, caminhando ao mesmo tempo nos temas políticos e na militância pela mudança na educação, luta urgente e tão menosprezada.

A ideia de conexões entre esses domínios citados já deve de início ser debatida aqui, dentro das circunstâncias históricas em que estamos mergulhados.

Estamos sempre ameaçados pela extrema direita e isso se mostra em todos os países – por esses dias, vimos a impressionante manifestação na Itália, com homens vestidos de preto (como na época do Duce), fazendo a saudação fascista e gritando palavras de ordem. Aqui mesmo no Brasil, tivemos a troca de governo, saindo de uma extrema direita raivosa e esdrúxula, para um governo de centro-esquerda, que é o do Lula, mas a ameaça de nova investida de uma direita, inclusive militarista, nunca se afasta. Ainda mais, considerando-se que o Congresso Nacional é predominantemente à direita e a elite brasileira então, nem se diga. Veja-se também a tragédia em que se enfiou a Argentina. Como diria Bertolt Brecht: “a cadela do fascismo está sempre no cio”.

Ora, análises lúcidas, históricas, científicas sobre a cooptação das massas pelas ideologias de extrema direita não faltam. Recomendo aqui o excelente livro Crítica do Fascismo de Alysson Leandro Mascaro (Editora Boitempo), que faz um balanço de todas essas leituras críticas, desde a liberal até a marxista, com ênfase na solidez da crítica marxista. Esta mostra que o fascismo é uma das fases do capitalismo, que sempre e periodicamente desagua em ideologia extrema para defender a continuidade do sistema.

O que me parece, porém, é que deveríamos trazer a questão da religião para o debate. No Brasil, se quisermos despertar a consciência das massas para uma visão crítica da realidade, para que não sejam manipuladas pelas lideranças abusivas e pela mídia desonesta, teremos que dialogar com um povo que está refém do evangelismo neopentecostal – cuja instalação e propagação entre nós faz claramente parte de um projeto político norte-americano. Aliás, um projeto muito bem-sucedido. A teologia da prosperidade, a ética do trabalho submisso e acrítico, o conservadorismo dos costumes, tudo isso constitui uma cartilha que serve como uma luva ao neoliberalismo. Ao mesmo tempo, não podemos negar que há uma necessária sensação de pertencimento que a população experimenta nas igrejas, onde tem uma comunidade de apoio, possuindo um protagonismo maior em termos de participação social.

Assim, faz mal a esquerda de não dialogar com essa gente, não ter estratégias de aproximação em ações educativas. A esquerda que se faz agressivamente crítica de qualquer forma de religiosidade acaba por criar um abismo em relação ao povo – e o povo brasileiro é profundamente religioso.

Tomei conhecimento há pouco tempo que o MST (Movimento Sem Terra), uma das organizações mais eficazes de autogestão, incluindo projetos de educação e publicações, além de uma impressionante produção de alimentos orgânicos, possui um aspecto de espiritualidade, ainda que fincada numa comunhão social, que se chama a mística do MST.

Outros exemplos que temos, nesse sentido, são personalidades que conseguem dialogar com o povo, dentro de suas bases religiosas, mas trazem um viés de denúncia social e ativismo político, como é o caso do Padre Julio Lancellotti, tão perseguido e tão apoiado ao mesmo tempo, e do Pastor Henrique Vieira, atualmente deputado federal.

No caso dos espíritas progressistas, em movimentos que tomaram mais força nos últimos anos, em combate ao bolsonarismo, há uma tendência a deixar a espiritualidade de lado (com as práticas mediúnicas próprias do espiritismo kardecista) para ficar apenas com o debate de ideias políticas.

Seja por uma real convicção, de que compartilho, que a dimensão espiritual do ser humano não pode ser deixada de lado, porque ela existe e está arraigada no afeto das massas; ou seja por inteligente estratégia de manter um diálogo aberto e respeitoso com elas, não podemos abdicar de algum tipo de religiosidade em nossa ação de transformação social, embora com todas as críticas possíveis aos abusos e aos fundamentalismos.

No caso de quem se diz cristão – o que inclui católicos, protestantes e a maioria dos espíritas (há os espíritas laicos que não se consideram cristãos, mas isso não os impede de admirar Jesus e concordar com suas propostas éticas), – fica fácil fazer essa ponte, se houver um real entendimento da mensagem do Cristo: um mestre que pregou a fraternidade, a igualdade, que desafiou os poderes religiosos e políticos estabelecidos e morreu na cruz, condenado pelos fariseus (poder religioso) e pelos romanos (poder político). Uma interpretação menos salvacionista e mais política do Reino anunciado por ele (como faz Frei Betto no livro extraordinário Jesus Militante), nos leva a essa conexão necessária entre espiritualidade e política.

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

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