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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

A (genocida) solução final da questão palestina, por Ruben Rosenthal

 

Agora em 2023, Netanyahu dá continuidade a mais uma etapa de um processo de limpeza étnica iniciado há 75 anos, com a Nakba.

Gaza no centro dos conflitos entre Israel e os palestinos \ Arte: domínio público

do blog Chacoalhando

A solução final da questão palestina 

por Ruben Rosenthal

Os palestinos estão passando agora por um enorme morticínio que, no entanto, pode levar a uma “solução final” diferente da que Netanyahu gostaria para a questão palestina.

Em 1941, os nazistas elaboraram um plano que visava arianizar a Alemanha através da chamada “solução final”, o extermínio dos judeus e de outras etnias não arianas. Os crimes se estenderam também a outros países da Europa, subjugados ou aliados do III Reich.

Agora em 2023, Netanyahu dá continuidade a mais uma etapa de um processo de limpeza étnica iniciado há 75 anos, com a Nakba. Na ocasião, cerca de 726 mil palestinos foram expulsos de suas terras ou fugiram, após o massacre que havia ocorrido em Deir Yassim.  Desde então os palestinos da Cisjordânia veem suas terras serem tomadas por colonos judeus, enquanto que aqueles residentes em Israel se tornaram oficialmente cidadãos de segunda classe, com a promulgação da Lei Básica do Estado Nação em 2018.

vazamento de um documento da inteligência de Israel, datado de 10 de outubro, revelou o plano de expulsar todos os palestinos da Faixa de Gaza, mais de 2 milhões de pessoas, forçando-as a migrarem para a península do Sinai, no Egito. Não está claro se o vazamento se tratou de um balão de ensaio do governo Netanyahu para avaliar a escala das reações contrárias.

Segundo o documento, após a completa limpeza étnica em  Gaza, haveria a anexação pelo Estado de Israel. Para a conclusão da “solução final” restaria então anexar a Cisjordânia, com a expulsão de boa parte dos palestinos, e o aprofundamento do Apartheid em todo o território de Israel, já acrescido dos territórios anexados.

Mesmo que o plano do governo Netanyahu de expulsar os palestinos e anexar Gaza não prevaleça, o número de mortes causadas pelos bombardeios israelenses já está em torno de 10 mil, e tende a aumentar. O que mais está faltando para que o Ocidente, através de seus líderes e de sua imprensa, chame de genocídio o que está ocorrendo em Gaza?

O diretor do escritório de Nova York, do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Craig Mokhiber, ao enviar em protesto sua carta de afastamento, não hesitou em usar o termo genocídio. Ele denunciou ainda que EUA, Reino Unido e parte da Europa “são totalmente cúmplices desse terrível ataque”.

O Holocausto levou à ampliação e consolidação de um movimento que resultou na criação do Estado de Israel em 55% das terras da Palestina. Os palestinos estão passando agora por um enorme morticínio que, no entanto, pode levar a uma “solução final” diferente da que Netanyahu gostaria para a questão palestina.

Israel está perdendo a batalha da opinião pública, como resultado das trágicas imagens vindas de Gaza. Vêm ocorrendo protestos de dezenas de milhares de pessoas em várias cidades de países aliados de Israel no Ocidente, que mesmo a mídia corporativa ocidental não pôde ignorar. As discussões sobre a urgência de se corrigir um erro histórico e criar uma nação palestina voltaram a se colocar em diversos fóruns.

A recente Cúpula do Cairo contou com a participação de cerca de 30 países e organizações internacionais para discutir os conflitos recentes em Gaza. Estiveram representados a ONU, a União Africana, a Liga dos Estados Árabes, a União Europeia, membros permanentes do Conselho de Segurança, além do Brasil, por então ocupar a presidência do Conselho.

Entre os pontos de acordo, destacou-se a necessidade de negociar uma solução para o atual conflito. Foi também consenso, a criação de dois estados independentes vivendo lado a lado, em paz, com fronteiras internacionalmente reconhecidas.

No entanto, muitos analistas consideram que a solução de dois estados se tornou irrealizável, e propõem a solução de um só estado, democrático e laico, onde conviveriam judeus e palestinos, com igualdade de direitos. Isto, no entanto, iria requerer que judeus e palestinos abrissem mão de seus respectivos sonhos de autodeterminação em uma nação própria.

A solução de um estado


A solução de um estado é vista com grande desconfiança por boa parte dos judeus israelenses, devido à questão demográfica. O grande temor é que a população árabe – atualmente cerca de 20% – venha a se tornar majoritária, podendo assim comprometer os interesses e a própria segurança dos judeus.

Para Thabet Abu Rass, cidadão palestino residente em Israel, e codiretor dos Acordos de Abraão1, o aumento substancial da população palestina poderia levar a uma guerra civil, caso não fosse desmantelado o sistema de Apartheid. De fato, do ponto de vista palestino, a coexistência em um estado só poderia ser viável com igualdade de direitos civis.

A solução de dois estados


Revendo-se um histórico das diversas negociações de paz ocorridas ao longo dos anos entre israelenses e palestinos, pode-se constatar que nem sempre os fracassos decorreram apenas da intransigência dos representantes palestinos ou de ações armadas promovidas por grupos palestinos extremistas.

Os Acordos de Oslo de 1993 sofreram um duro revés com o assassinato do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, em novembro de 1995, por um extremista israelense. O Mapa do Caminho para a Paz, apresentado pelo presidente norte-americano George Bush em 2002 era baseado na solução de dois estados. A autoridade Palestina aceitou a proposta, ao passo que Israel levantou 14 restrições.

Também em 2002, ocorreu a Iniciativa Árabe de Paz, pela qual seria estabelecido um estado palestino com capital em Jerusalém, em troca da normalização de relações de todos os países árabes com Israel. Israel também deveria se retirar das colinas de Golan e do Líbano. A questão dos refugiados palestinos seria resolvida com base na Resolução 194 da ONU, pela qual os refugiados poderiam optar entre receber uma compensação financeira ou ter o direito de retornar para suas antigas casas.

Pela Autoridade Palestina, Yasser Arafat e posteriormente seu sucessor, Mahmoud Abbas, aceitaram a proposta, que foi rejeitada pela maior parte do Hamas. Do lado israelense, o então primeiro-ministro Ariel Sharon rejeitou a ideia de voltar às fronteiras anteriores a guerra de 1967. Em 2018, Netanyahu também rejeitou a Iniciativa.

Em 2003, foi elaborada a chamada Iniciativa de Genebra, que se propunha a ser um acordo definitivo e imutável, uma vez aceito pelas partes. Foram dois anos de reuniões com a participação de especialistas, acadêmicos, oficiais de segurança e políticos dos dois lados. Foi tirado um documento que incluía: reconhecimento mútuo das duas nações; desmilitarização do estado palestino; troca de terras próximas à fronteira, para possibilitar que os principais assentamentos judaicos na Cisjordânia ficassem sob jurisdição israelense.

O mapa abaixo mostra como se daria esta permuta de territórios. Cerca de 2,25% das terras da Cisjordânia seriam cedidas a Israel, em troca do recebimento de área equivalente em Gaza e na Cisjordânia. Refugiados palestinos poderiam passar a ocupar estas terras. Um corredor faria a ligação entre Gaza e a Cisjordânia; o corredor ficaria sob a soberania israelense, mas com administração palestina.

Acordo de Genebra
Mapa do Acordo de Genebra mostrando a troca de territórios. Linha verde – fronteira de 1967

Israel ficaria responsável por realocar em seu território os colonos judeus residentes em regiões que não fossem incluídas na troca de terras; atualmente são mais de cem assentamentos nesta situação. A infraestrutura dos assentamentos deveria ser preservada e transferida para a o governo palestino.

Quanto à Jerusalém, os bairros judaicos ficariam sob jurisdição israelense, enquanto os de maioria árabe fariam parte da capital palestina.

Como relatado em artigo publicado no periódico Jerusalem Quaterly, do Institute for Palestinian Studies, o então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon declarou que o documento da Iniciativa de Genebra havia sido uma facada nas costas vinda da esquerda israelense. Mas lideranças do Partido Trabalhista de oposição, como Shimon Peres e Ehud Barak, também foram contrários, notadamente Barak.

Do lado palestino, a reação foi complexa, ainda segundo o artigo. Lideranças como Arafat e Abbas apoiaram a iniciativa. Já era esperada a oposição do Hamas, da Frente Popular e da Jihad Islâmica, mas não que uma forte condenação viesse de alguns setores da ala parlamentar do Fatah, com acusações de que o direito de retorno dos palestinos havia sido ignorado. Uma outra crítica levantada foi que as terras da Cisjordânia que seriam incorporadas a Israel eram de qualidade bem superior às que foram oferecidas em troca.

A questão dos refugiados nos tratados de paz


O número atual de refugiados palestinos é estimado em cerca de 5,5 milhões, vivendo principalmente na Jordânia, na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, Líbano e Síria. O direito de retorno dos refugiados às regiões de onde fugiram ou foram expulsos não ficou especificado nos Acordos de Oslo.

Nakba
Nakba: direito de retorno, 2015\Ashraf Ghrayeb

Entretanto, ficou estabelecido um período de 5 anos, ao final do qual o conflito entre israelenses e palestinos seria resolvido, incluindo o tema dos refugiados. Isso permitiu retomar o debate sobre a questão.

Pela Iniciativa de Genebra é oferecida aos palestinos a possibilidade de opção individual pela realocação em outros países, incluindo o Estado Palestino, ou mesmo Israel. No entanto, Israel poderia decidir o número de refugiados aos quais concederia o direito de residência, que muito provavelmente não seria elevado.

Os refugiados teriam o direito de receber compensação financeira pela perda de suas propriedades quando foram desalojados. Haveria também um fundo a ser desembolsado em prol de comunidades de refugiados em áreas assistidas pela UNRWA, a agência das Nações Unidas para refugiados da Palestina.

A Confederação da Terra Santa


Mais recentemente, surgiu a proposta que ficou conhecida como a Confederação da Terra Santa. Ela incorpora ou avança diversos mecanismos da Iniciativa de Genebra. O enfoque é na coabitação de dois estados soberanos. A expectativa é que em poucos anos após a implementação do acordo, os dois estados possam ter fronteiras permeáveis, liberdade de movimentação para pessoas e bens, assim como algumas instituições políticas em comum.

Em relação à importante questão dos refugiados, a Confederação introduz uma evolução do artigo 7 da Iniciativa de Genebra, no que diz respeito aos refugiados e aos colonos dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.

A inovação consiste em que os colonos residentes em assentamentos situados mais para o interior da Cisjordânia poderiam permanecer, mas ficariam sujeitos à legislação do estado palestino. Um número equivalente de palestinos passaria a ter o direito de residir em Israel. Com isso, aumentaria o número de refugiados que, em tese, poderiam voltar a viver nas regiões das quais suas famílias eram oriundas, ou pelo menos nas proximidades.

Resta ver se tal proposta contaria com uma concordância majoritária de palestinos e judeus. No atual estágio de beligerância, em que o conflito ameaça se estender por toda a região com a inclusão de novos atores, a paz mais parece uma miragem no deserto.

Do lado palestino, Hamas, Jihad Islâmica, Frente Popular e setores mais radicais do Fatah precisariam renunciar a luta armada. Ajudaria no processo de conciliação se Israel abrisse as prisões e libertasse os cerca de 5 mil prisioneiros palestinos. Alguém como Marwan Barghouti, que se encontra encarcerado há 21 anos, com certeza seria uma voz a favor da busca da coexistência pacífica.

prisioneiros palestinos
Palestinos mantidos em prisões em Israel, manifestação em abril de 3023 \ Foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP

Provavelmente Israel precisará ser convencido a aceitar uma solução justa para a questão palestina, através de uma intensa pressão externa. Se esta pressão não vier dos EUA e da União Europeia, então deveria partir do Sul Global.  A Bolívia já mostrou um caminho, ao romper relações com Israel. Outros países deveriam adotar o mesmo procedimento, ou no mínimo, retirar seus embaixadores de Tel Aviv.

Um outro caminho é aplicar o chamado BDS – boicote, desinvestimentos e sanções. Foram as sanções que forçaram a África do Sul a abolir o regime racista de Apartheid, e convocar eleições gerais que levaram à eleição de Nelson Mandela em 1994.

Vai ser necessária uma ampla mobilização mundial para que a “solução final” da questão palestina não seja a da tragédia. O povo palestino precisa finalmente alcançar sua tão almejada autodeterminação, seja através da solução de um ou de dois estados.

Notas:

  1. Os Acordos de Abraão, que visavam a normalização das relações diplomáticas entre Israel e vários países árabes, podem estar na origem dos ataques do Hamas a Israel em 8 de outubro.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, veiculado no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando.

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