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quarta-feira, 11 de outubro de 2023

(Des)Informação e catástrofes ambientais: quantas vidas valem uma mentira?, por Ewerton Ortiz Machado

 

As condições ambientais são variáveis, mas as ações coletivas da humanidade aumentaram os extremos. E extremos matam pessoas.

Defesa Civil – Rio Grande do Sul

do Observatório da DesInformação

(Des)Informação e catástrofes ambientais: quantas vidas valem uma mentira?

por Ewerton Ortiz Machado

O desequilíbrio ambiental custa milhares de vidas que são levadas por episódios de secas extremas, inundações intensas, vendavais, desmoronamentos, marés atípicas, temperaturas acima e abaixo do normal, entre outros. Milhões de reais são gastos para remediar as consequências. Neste exato momento, os estados e municípios da Região Amazônica estão enfrentando secas sem precedentes, lugares em que, normalmente, chove o ano inteiro! Uma das principais reservas hídricas do planeta sofrendo com milhares de pessoas em risco pela falta de água e falta de alimento devido à mortandade de peixes. No outro extremo do Brasil, temos alertas de inundações catastróficas derivadas de ciclones tropicais cada vez mais intensos e frequentes. Esses eventos não são distantes, são notícias das últimas semanas ou que estão acontecendo neste exato momento.

Eventos climáticos catastróficos sempre existiram em nosso planeta, a questão reside na frequência e intensidade. Quanto mais exploramos o planeta de forma predatória, mais os sistemas ecológicos perdem a capacidade de se reorganizarem e compensarem os danos. Desta forma, entendemos que as condições ambientais são variáveis, mas as ações coletivas da humanidade aumentaram os extremos. E extremos matam pessoas.

Vamos voltar rapidamente no tempo. As primeiras discussões sobre os riscos do aquecimento global são anteriores a 1900. Entre as décadas de 1960 e 1970, o entendimento dos riscos e consequências do aquecimento global e do efeito estufa já estava plenamente desenvolvido, com um marco no Primeiro Dia da Terra em 1970, forte movimento ambiental que alcançou uma influência relevante na época. Mas não foi o suficiente para mudarmos nossas ações como humanidade, resistimos coletivamente. Nas décadas seguintes, cientistas e ambientalistas avaliaram os cenários, os dados e melhoraram a compreensão e dimensão dos problemas “futuros”. Somente em 1994 ocorreria a primeira Conferência Mundial do Clima (COP), em Berlim, que discutiria medidas efetivas para frear nossa catastrófica presença no planeta. E apenas nos anos 2010 em diante, o discurso de que estamos em risco começou a ser efetivamente aceito e incluído nas decisões. Nesse meio tempo, muitos cientistas tentaram colocar alertas, muitas pessoas lutaram e morreram se empenhando por melhorias locais e globais. Observem que estamos, há pelo menos 40 anos, vendo literalmente o planeta queimar e pouco foi realizado efetivamente. Por quê?

Sustentamos a negação ao aquecimento global até o momento em que isso não era mais dúvida. A mesma história se repetiu em relação ao entendimento das mudanças climáticas, até que elas se tornaram uma amarga realidade. Hoje estamos em um novo paradigma, com os termos catástrofes climáticas e catástrofes ambientais sendo refutados a despeito dos desastres semanais nos noticiários. Nós entramos em um novo patamar, estamos falando hoje em colapso global. Me pergunto se vamos nos preocupar com o colapso quando for tarde demais. Quantas vidas custam a aceitação?

Três fatores alimentam esse cenário:

Primeiro fator: a informação não chega honestamente a todos. Como a disseminação de informações está ligada a esses problemas ambientais? Mais de 40 anos após entender o aquecimento global efeito estufa, ações foram feitas para colocar em dúvida a validade dos estudos. É como se um profissional qualificado dissesse que a fiação da sua casa pode iniciar um incêndio e precisa ser trocada, mas você ouve o vizinho dizendo que ele só quer tirar seu dinheiro. É uma dúvida válida, mas não o suficiente para você parar de se preocupar com o incêndio. Na questão ambiental, surgiram diversas forças desqualificando os alertas, e isso criou dúvidas o suficiente para que nada fosse efetivamente feito.

Segundo fator: há um interesse em manter as coisas como estão, no sentido de padrões econômicos e de manutenção de grupos detentores do poder econômico e político. Para os grandes conglomerados financeiros, reduzir a extração dos recursos naturais, frear as atividades danosas e ao ambiente e reduzir o consumo significa um impacto financeiro que não estão dispostos a abrir mão.

Terceiro fator: a inatividade de todos os humanos como coletivo. Vários discursos e termos foram utilizados para alimentar esta inação, ainda que criados de forma bem-intencionada. Conceitos como recursos renováveis não se alinham com a ideia de que nosso planeta é um só e limitado. Sustentabilidade exige que exista uma segurança, uma certeza de que as coisas estarão no mesmo estado atual no futuro, o que é irreal. E então,  esses conceitos são deturpados e criam efeitos sistemáticos de amenização do problema real, como por exemplo “greenwashing”, criando publicidade de empresas “verdes” só no marketing, usando a ideia de sustentabilidade para gerar mais lucro sem mudar efetivamente suas ações.

Gostando ou não, o futuro tem uma previsão concreta. A conta já chegou, e o pagamento é em vidas humanas.

Para colaborar com essa questão, entre outras, surgiu o Observatório da Desinformação. O Observatório pode ser acessado pelo link: https://observatoriodadesinformacao.org/

Ewerton Ortiz Machado – Biólogo, doutor em Zoologia, professor e pesquisador da Universidade Federal do Acre

Observatório da Desinformação é uma iniciativa para combater a desinformação no Brasil de forma articulada, dando visibilidade às frentes de reflexão, formação e extensão ligadas ao Letramento Midiático e Informacional e ao Diálogo Intercultural no âmbito dos Direitos Humanos.

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