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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

A Indústria da Guerra, o militarismo e o homem predatório capitalista, por Dora Incontri

 

No mundo contemporâneo, a guerra também se enraíza na estrutura de dominação do capital, que se faz através do imperialismo, liderado pelos EUA, atual e preponderante potência do mundo, desde que a guerra fria se esvaiu.



A Guerra e o homem predatório, por Dora Incontri

Abandono por hoje meu jejum desta coluna – um jejum que estou praticando devido ao trabalho concentrado de escrever dois livros bastante complexos – para tecer algumas reflexões sobre o tema que nos assombra mais fortemente no momento: a guerra. A verdade é que esse é um problema permanente no mundo, mas dependendo de onde ela se dá e de quem ela mata, é tratada de forma mais crítica ou mais indiferente.

Em primeiro lugar, quero dizer que o desalento que senti com a invasão da Ucrânia pela Rússia é o mesmo que experimentei com o ataque dos EUA ao Iraque, anos atrás. E é ainda igual ao que experimento, enquanto israelenses atacam a faixa de Gaza ou enquanto a Síria se esvai em sangue e cinzas… A guerra mata crianças, provoca fome, estupra mulheres, desloca refugiados para destinos precários, destrói patrimônios históricos, arrasa nações, impacta sombriamente o planeta todo. Quem não lamenta a guerra não tem humanidade e empatia. E quem nela se compraz e ainda lucra com a matança de inocentes é simplesmente canalha. E quem se comove pela morte de brancos de olhos azuis e não se importa com negros, árabes ou orientais sendo bombardeados não passa de racista e colonialista.

Há sempre uma ou algumas supostas justificativas para a guerra. E do ponto de vista geopolítico, por exemplo, é até possível tentar explicar a defesa de territórios e países diante do expansionismo de outros; a reação às ameaças à segurança de nações ou as disputas étnicas de terras e fronteiras.

No mundo contemporâneo, a guerra também se enraíza na estrutura de dominação do capital, que se faz através do imperialismo, liderado pelos EUA, atual e preponderante potência do mundo, desde que a guerra fria se esvaiu. Fartamente, muitos dos analistas à esquerda têm mostrado como a Otan (que nem deveria existir mais) se tornou um conglomerado de países, sob a liderança norte-americana, cada vez mais armada e intervencionista. Quem tem algum conhecimento de história recente sabe que os Estados Unidos colocam e tiram governos mundo afora (como recentemente patrocinaram o golpe de 2016 no Brasil e no dia seguinte tomaram o nosso pré-sal) e não só se locupletam das fontes de recursos naturais das nações dominadas, aberta ou sub-repticiamente, como mantêm o maior complexo industrial militar do mundo, com um permanente interesse em fomentar conflitos armados. Já dizia o grande educador checo, pacifista, do século XVII, Jan Amos Comenius, que para se acabar com a guerra no mundo seria preciso parar de fabricar e comercializar armas.

Mas sejam quais forem as causas políticas, econômicas, históricas e sociais apontadas para as guerras, há camadas mais profundas que devemos olhar para desvendar os porões de tanta barbárie. O Livro dos Espíritos vai direto ao ponto na questão 742:

“Qual a causa que leva o homem à guerra?

– Predominância da natureza animal sobre a espiritual e satisfação das paixões.”

Uma explicação quase psicanalítica.

Pepe Mujica, um socialista autêntico, que nunca se deixou seduzir pelo poder ou por qualquer interesse econômico e manteve lealdade plena aos seus ideais, num vídeo recente que andou circulando pelas redes sociais, faz exatamente a mesma análise. Diz que as guerras são fruto do primitivismo dos homens, que ainda não sabem sentar-se em volta de uma mesa para o diálogo. Lula também fez um comentário semelhante, nesses últimos dias.

Entretanto, defendo aqui a posição de que esse primitivismo está ligado ao patriarcado, à concepção de um homem que se constitui como homem, enquanto mostra seu poder pela força, e por sua suposta superioridade a qualquer traço feminino no seu modo ser – o cuidar, o sentir empatia, a sensibilidade diante da dor do outro, a ideia de respeito à vida como diretriz fundamental de nossa ação no mundo. Aquilo que constituiu homens que cultivavam seu lado feminino, como Jesus, Buda ou Gandhi…

São homens que declaram guerras, que promovem ataques, que fazem as armas, que vendem as armas, que estruturam esse mundo de desigualdade e injustiça, de opressão e de força, que é sumamente violento com as mulheres e com as crianças.

Nesse episódio tenebroso do momento, os atores são todos homens: Putin, um machão misógino (que aboliu a lei que protegia as mulheres russas contra agressões masculinas), homofóbico, que aparece em público exibindo seu corpo malhado; Zelensky, que mantém um regime autoritário na Ucrânia e está se sentindo empoderado na condição de herói guerreiro; Biden, que afirmou um mês atrás que os EUA matou o líder do Estado Islâmico na Síria e que está muito bem encaixado no que o grande Chomski chama de terrorismo de Estado que os americanos praticam; Scholz que logo assumiu um discurso irado, apressando-se a destinar 100 bilhões de euros às Forças Armadas da Alemanha (que medo!). Todos homens, entusiastas da força e que se mostram excitados com a guerra.

Quando se viu por esses dias a mesa de negociação, de que nada saiu aliás, imagine-se se havia uma única mulher representando alguma das partes…

Assim, para acabarmos com a guerra no planeta, precisamos de uma revolução profunda (não violenta). Não apenas uma revolução social, política, econômica, abolindo-se a estrutura capitalista que coloca sempre o lucro de alguns poucos acima da vida e do bem-estar dos povos e do planeta. É preciso mexer com os porões profundos do inconsciente humano, superando o seu primitivismo arcaico, do bruto das cavernas e educando as pessoas, desde a primeira infância, para que integrem de maneira mais saudável sua masculinidade e sua feminilidade e não se deixem dominar por ambições egoicas, desejo de dominação e ações predatórias e cruéis.  

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pampédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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