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terça-feira, 26 de julho de 2022

Tereza Cruvinel, em artigo, revisitando a luta estudantil contra a ditadura militar em tempo de ameaça golpista

 

"O que este livro ensina aos jovens de hoje? Que tudo vale à pena quando a alma não é pequena. Que a luta pela democracia vencerá a tirania", diz a jornalista Tereza Cruvinel

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(Foto: Reprodução)

Na história da resistência à ditadura militar, é forte a mística sobre o período que vai do golpe de 64 à edição do AI-5, em dezembro de 1968, nele incluídas as grandes manifestações estudantis, como a Passeata dos Cem Mil e a Ocupação da Maria Antônia, afora a queda do Congresso da UNE em Ibiúna.

Há o justo culto às campanhas pela anistia, pela Constituinte e pelas diretas-já nos anos 1980. Espremidos e um tanto esquecidos entre os dois períodos ficaram os anos 70, anos de chumbo, de sangue, tortura e morte, dob o o terror de Médici. E também de lutas estudantis, que desaguaram na grande frente que se formou pela redemocratização, a frente por liberdades democráticas.  Sem os 70, não teriam existido os 80, que culminaram na eleição de Tancredo/Sarney e na Assembleia Nacional Constituinte. No fim da ditadura.

Da UnB, quatro vezes invadida por tropas policiais-militares entre 64 e 77, saiu Honestino Guimarães, em 68, depois morto e "desaparecido" pela repressão. Como em todo o país, o  Movimento Estudantil (ME) foi quebrado após o AI-5, empurrando alguns de seus líders para a luta armada. Na UnB, o ME começou a ser reorganizado, dentro do possível,  já em 1970, e progressivamente se levantou.

Em 1976, na luta para a conquista do Diretório Universitário (DU), precursor do DCE Livre, o reitor preposto da ditadura, o físico e capitão-de-mar-e-guerra José Carlos Azevedo expulsou seis dos principais líderes, expoentes das chapas que concorreriam nas eleições que ele adiou. Acabaram acontecendo meses depois. Em 1977 explode a grande greve contra outras punições, impostas por conta de um ato público em defesa das Liberdades Democráticas, em 19 de maio, Dia Nacional de Luta. A greve é duramente reprimida, outros 30 foram expulsos e 34 suspensos, mas a greve se prolongou por meses, desgastando o regime. Muitos foram presos, 14 foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

A resistência estudantil na UnB fortaleceu nacionalamente o ME e contribuiu para a construção da frente ampla da sociedade civil pela redemocratização. Essa é uma história pouco conhecida.

No ano passado, a jornalista Maria do Rosário Caetano reuniu alguns de nós, que vivemos os anos 70 na UnB em diferentes momentos, propondo que fizéssemos um livro sobre o período. Eu e outros topamos na hora e formamos o núcleo editorial inicial.

Fomos nos juntando. Marco Antonio Ribeiro Vieira Lima, o Neném, eu tinha como achar em Milão. Davi Emerich, um dos expulsos em 76, como eu e José Umberto de Almeida,  continuava morando em Brasília. Flavio Botelho, presidente do DU em 1977, também, assim como Carlos Megale, originário das lutas pioneiras da Medicina no início dos anos 70. Luiz Antonio Nigro Falcoski, professor na UFSCAR, juntou-se a nós lá de São Carlos (SP). E passamos a contar com o apoio e a participação inestimável da  deputada distrital Arlete Sampaio (PT).

Formado este núcleo, começamos a trabalhar na produção de "UnB anos 70 - Memória do Movimento Estudantil", que estamos lançando esta semana em Brasília, com selo da editora Alameda: amanhã, 26/7, às 18 horas, no Anfiteatro 9 da UnB, dentro da programação da 74a. Reunião Anual da SBPC. Dia 27, no Cine Brasília, às 19 horas, haverá um debate com cineastas e a exibição de alguns curtas sobre o período, suprindo nosso plano inicial de realizar uma mostra completa. Faltaram braços e recursos. E no dia 28, a partir das 18 hs, não poderia faltar um encontro festivo da geração UnB 70 no velho Beirute da 109 Sul, bar em que as esquerdas se encontravam naquele tempo.

Rosário, que é a organizadora, coordenava nosso trabalho enquanto escrevia loucamente sobre cinema, percorrendo festivais e eventos da área a que se dedica. Enquanto eu labutava no jornalismo político diário na TV 247 e os demais também se dedicavam a suas atividades profissionais. Passei alguns meses recebendo e compilando os textos, até que tivemos o "boneco" do livro, que certamente tem falhas e lacunas, mas é uma primeira luz sobre o que foi vivido.

Mais de 40 anos depois, as pessoas haviam se dispersado, e muitos já haviam partido deste mundo. Não conseguimos contatar todos os protagonistas do período, mas localizamos muitos, pedindo textos memorialísticos, que aos poucos foram nos chegando. No final, conseguimos reunir textos assinados por 32 pessoas, de reflexão, documentação e memória, e outros 14 textos sobre companheiros que já se foram.

O cineasta e professor de gerações de estudantes da Comunicação/UnB, Vladimir Carvalho, escreveu a orelha, e o presidente da SBPC, o ex-ministro Renato Janine Ribeiro, nos brindou com um belo texto sobre as relações UnB/SBPC. Não conseguimos editar o livro pela Editora da universidade, por força do calendário, mas contamos com apoio da reitora Márcia Abrahão e sua equipe para as atividades complementares. Teremos visita ao campus, almoço no bandejão, gravações de depoimentos na UnB-TV e o lançamento, entre outras atividades.

Mais recentemente Davi teve a ideia de formar um grupo em rede social reunindo participantes do ME no período, que acabou sendo o estuário deste encontro geracional. Já conta com 183 participantes, e lá ocorre uma catarse diária, lá rola uma cachoeira de lembranças. Muitos que apareceram pelo grupo, pelo papel que tiveram, deveriam ter participado do livro,  mas na época não os encontramos. Entretanto, já valeu à pena este primeiro esforço, que será seguido de outros.

Muitos dos líderes do ME UnB nos anos 70 tornaram-se parlamentares: Arlindo Chinaglia, já deputado de 7 mandatos, presidiu a Câmara e ocupou interinamente a presidência da República. E ainda Erica Kokay, Arlete Sampaio, Paulo Bernardo, Chico Floresta, Augusto Carvalho, João Maia e Cafú (Antonio José Ferreira). Maninha (Maria José Conceição) também foi deputada distrital, mas é egressa do ME dos anos 60. Eles, ou pelo menos alguns deles, participam de mesa redonda no lançamento de amanha na UnB.

O que este livro ensina aos jovens de hoje? Que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Que a luta pela democracia vencerá sempre a tirania. Neste momento em que um tiranete tosco faz ameaças de golpe e conspira contra a eleição que vai perder,  contamos a história de jovens que ousaram se insurgir, mesmo sabendo que a ditadura já havia exilado, matado e desaparecido com tantos outros brasileiros.  Felizmente, no final dos anos 70, a ditadura estava um tanto desdentada. Não nos mataram, mas também pagamos nosso preço. Como diz Zé Beto em seu depoimento, nós faríamos tudo de novo, embora hoje tenhamos quase todos mais de 60 anos.

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